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Hedonismo musical

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O que o milésimo gol de Romário tem a ver com os 70 anos do baiano Tom Zé? Absolutamente nada. Mas o VIVER perguntou assim mesmo. E acabou descobrindo que Pelé correu um sério risco de ficar em segundo plano na história do futebol. O sonho durou apenas uma semana, mas o “centreford” da seleção de Irará, cidade no interior da Bahia onde nasceu o compositor, ficou famoso.

E não é que 70 anos depois dos primeiros passos em Irará, Tom Zé aparece pela primeira vez em Natal? Pois hoje, a partir das 18h30, na Fundação Capitania das Artes, o tropicalista apresenta o show “Danc-Êh-Sá”, onde decreta o fim da música. Tom, ou melhor DJ Tão Zé, seu personagem neste novo trabalho, vem a convite do projeto Nação Potiguar, cuja noite será aberta pelos herdeiros do maestro Felinto Lúcios, os músicos Paulo Lúcio Dantas e Carlos Guedes (filho e neto do compositor de Carnaúba dos Dantas). A entrada é gratuita. Tom Zé concedeu entrevista por telefone, ao VIVER: 

 Você completou 70 anos agora, o tropicalismo está comemorando 40 e o Romário acabou de fazer o milésimo gol. Qual a relação entre essas três marcas?

Tom Zé: (risos) Minha idade (risos), olha, eu não sou gato! Minha idade é verdadeira, o tropicalismo também é verdadeiro, foi uma reação ao golpe militar, se tornou uma trincheira de resistência nacional… quanto aos mil gols do Romário é uma conta dele, né? Tem gente que não acredita (risos).

Você gosta de futebol?

TZ: Amo futebol! Tanto que adorei quando o América deu de 3 a 2 no Santos. Vibrei muito. Qual o nome daquele zagueiro que fez os três gols mesmo?

Edson Borges…

TZ: Isso, pois avise ao Edson Borges, por favor, para ele ir ao show, preciso prestar uma grande homenagem a ele. Na verdade, chame o time todo do América, o ABC, convide todos os jogadores para irem ao show. Você sabia que eu joguei na seleção de Irará? 

E quando foi isso? Desistiu da carreira cedo?

TZ: Rapaz, fui da seleção de Irará só por uma semana, mas foi minha glória. Tinha acabado de servir o Exército e estava com uma forma física arretada, jogava bem…

Em que posição?

TZ: Eu era ‘centreford’.

Como?

TZ: (risos) É que lá em Irará a gente abreviava o nome inglês “center-foward” (diz com o sotaque carregado) para centreford mesmo (risos). (Em seguida, Tom Zé canta um pedaço da letra Um a Um) “Sua linha atacante é artilheira / A linha média é tal qual uma barreira / O center-foward corre bem na dianteira”… Naquela época, zagueiro era chamado de beck full!

É a primeira vez que você vem a Natal?

TZ: É. Não conhecia Natal, mas para compensar vai ser a primeira vez na vida que vou fazer também turismo! Vou para a casa de um amigo numa cidade do interior aí…

Onde?

TZ: Ih, rapaz… não posso dizer senão vira o diabo! Mas tenho muitos amigos no Rio Grande do Norte, nesse show de amanhã (hoje) vão uns amigos de Fortaleza, de algumas cidades do interior. Você sabe que depois que criaram a internet vem gente de tudo quanto é lugar.

Você é daqueles baianos que acham que a Bahia é um Nordeste diferente dos outros Estados?

TZ: Olhe, vou dizer uma coisa: o problema não é a Bahia, o problema é que o baiano é muito metido a besta! Não é o caso de dizer, mas eu passei a ser pernambucano. Depois que participei daquele festival de rock (Abril Pro Rock), que me lançou para o Brasil porque antes disso diziam que eu era um artista sofisticado, que fazia música para intelectual, tanto o público como a imprensa do país inteiro que estava lá ficaram malucos com o show. Viram que não podiam mais mandar sair o povo para entrar os intelectuais! 

Nesse novo show, você decreta o fim da música. O Ed Motta nos anos 90 falou em ditadura da letra. O que há de errado com a música?

TZ: Estou trabalhando com o João Marcelo (Bôscoli, produtor musical) e pedi a ele que me apresentasse o Ed Motta semana retrasada porque Ed Motta disse que queria me conhecer. Aí conversamos sobre essas coisas de letras e vi que ele já está pensando em fazer algumas coisas com letras;  mas essa minha história tem a ver com uma frase do disco do Chico Buarque. Ele disse que quando fizemos o tropicalismo era muito mais o conteúdo da palavra. Minhas tias de Irará já diziam que aquele negócio do tropicalismo não era música, mas só ritmo. E além do que Chico disse, me inspirei naquelas aberrações que foram as respostas da juventude entrevistada na pesquisa da MTV onde os jovens se assumem egoístas, hedonistas, que não estão nem aí para a salvação do planeta… a imprensa do sul ficou perplexa e eu fiquei mudo! Como é que pode? Nós, que fazíamos parte daquela juventude preocupada com o futuro do país… ainda teve o artigo do maestro Júlio Medaglia contando como foi ouvir um concerto num som potente dentro de um carro. Ele ficou admirado com aquela potência toda daquele acontecimento sonoro, eram os ouvidos disseminados pelo corpo. Porque no automóvel não é o ouvido da cabeça que ouve, o bumbum também recebe os efeitos,  o coração fica na altura da caixa da bateria. E eu também estou decepcionado com o maneirismo dos músicos internacionais que estão no mercado. 

Você disse uma vez que o tropicalismo te enterrou. Que na comemoração dos cinco anos do movimento você até apareceu, mas nos 10 anos apareceu menos, nos 15 anos sumiu e só voltou quandonos 25 anos. Você se sente uma espécie de Simonal do tropicalismo?

TZ: A imprensa me chamava de “O trotski do Tropicalismo” porque meu retrato foi retirado da moldura. Eu estava presente na mesma foto com o Stálin, com o Stanislavski e a minha fotografia na moldura foi apagada pelo espólio do tropicalismo. Mas não tenho mágoa, ninguém fez de propósito. Eles continuam sendo meus ídolos. Esse show que Caetano fez em Natal agora foi maravilhoso!

Foi mais gostoso dar a volta por cima sem ter precisado da ajuda dessas pessoas que apagaram sua fotografia do retrato da tropicália?

TZ: Acho que não porque não foi vingança e só é gostoso quando é vingança. O importante é que estou falando com você agora, senão eu estaria até hoje trabalhando no posto de gasolina do meu tio e cursando a universidade mais importante da minha vida, que é falar a língua do povo da roça, uma coisa que Câmara Cascudo tem divulgado pelo meio do mundo com uma volúpia, uma paixão pelo Nordeste, logo ele que nunca quis sair daí. Queria aproveitar para mandar uma homenagem aos músicos do Rio Grande do Norte…

Fique à vontade… 

TZ: Queria dizer o seguinte: Se segure bicho. Você está vivendo o terremoto, caldo efusivo mais rico do mundo do ponto de vista da germinação. O Nordeste está eternamente num terremoto de 2,5 graus da escala richter e isso é um privilégio. Não tem quem não receba essa influência aí no Nordeste. Tudo de melhor do mundo está aí. Vocês estão respirando os gases envenenados causados pela rachadura seca da miséria. Na Europa todo festival quando quer ser respeitado bota dois, três músicos brasileiros, que na maioria das vezes não são nem conhecidos, mas precisam da gente para bater no peito e dizer que a coisa é boa! 

O Caetano disse que acredita que o Gil no MinC tem um quê de tropicalismo no poder. Você vê dessa forma também?

TZ: O Gil é interessante porque no princípio houve uma reação contra, principalmente do pessoal de cinema. Quando viram que o cara estava jogando fora a vida, que ele tinha uma família imensa e em vez de estar no conforto estava deixando de ser pedra para ser telhado de vidro as pessoas pediram para ele continuar.

E você já se imaginou como Ministro da Cultura?

TZ: Eu não posso ser nada, não posso nem ser secretário do secretário do secretário porque não tenho capacidade de atuar em política. O pessoal do cinema inverteu  a tendência e queria que ele ficasse lá porque disseram que o Gil deu presença à arte no Brasil. Mas você vê esse escândalo da Gautama (empresa envolvida num esquema de desvio de verba pública descoberto pela Polícia Federal semana passada). Eles usam verba para roubar,  por isso não tem verba para cultura. Então não tem nada de tropicalismo no poder. Eu nunca fui chamado para nada! Naquele ano do Brasil na França só fui porque a Europa me convidou. Não faço parte dos amigos mais próximos deles, embora continuem sendo meus ídolos. Mas a minha fama na Europa foi conquistada através do meu trabalho.

A gente falou de pessoas que te prejudicaram na carreira. Mas quem foi teu grande parceiro ?

TZ: Acabei não tendo muitos parceiros. Vicente Barreto, de Serrinha, na Bahia, trabalhou muito comigo, principalmente na minha época de ostracismo. Nesse tempo, devo muito também aos universitários de São Paulo. O diretório acadêmico falava comigo por telefone e a gente marcava um show. Aí um estudante chegava com uma caixa de retorno, outro vinha com o microfone… eu acabava o show rouco (risos). Isso tudo na Brasília velha que eu tinha. Por isso não esqueço o débito que tenho com a comunidade universitária. Aí em 1989 passei humilhações e pensei até em voltar para a roça, mas minha mulher  (Neuza) sempre trabalhou muito. E decidimos procurar emprego em São Paulo mesmo, ela até já tinha trabalho. O que eu não queria era depender de político. Naquele tempo o governador era o Franco Montoro e o PMDB era uma espécie de frente única das esquerdas.

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