Rubens Lemos Filho
Chovia forte naquele domingo,11 de junho de 1995 em Natal. Um cortejo lamentável de 2.578 pessoas se aventurou a sair de casa pelas ruas alagadas até o Machadão em dia de clássico.Quem enfrentou o desafio do ABC 4×1 América,saiu exultante.
Quem ganhou e quem perdeu assistiu à então raríssima exibição de craque no estádio futuramente assassinado em 2011. O camisa 10 do ABC, elegante negro de porte ereto e canhota afinada elevou o jogo aos altares dos clássicos ancestrais.
Cravava o relógio 20 minutos, quando Adilson Heleno ajeitou a bola na entrada da grande área do gol voltado à BR-101, em frente à torcida do América.
Experiente, o goleiro Jorge Pinheiro armou sua barreira para impedir o chute rasteiro, uma ameaça devastadora no gramado encharcado, mesmo com a drenagem sempre perfeita do estádio que foi derrubado. O clássico se arrastava em apático 0x0 com Adilson Heleno oferecendo solitário repertório de jogadas de efeito.
Da sua inteligência de meia-armador emérito, saíam passes impecáveis para finalizações do atacante Tilico, ex-Londrina e tabelinhas de intelectuais em chuteiras: ele, Adilson Heleno, e Odilon, o veterano craque em seu último ano alvinegro.
Jorge Pinheiro, um dos goleiros referenciais do futebol potiguar, nome mais famoso do modesto time americano, baseado em juvenis e pratas da casa, além de tarimbados como o lateral- Mingo, fechou o seu lado esquerdo.
Adilson Heleno tirou as mãos da cintura, caminhou como se passeasse tranquilo pela Praia de Genipabu – a mais badalada daqueles tempos -, levantou a cabeça num átimo e disparou um canhão rasteiro.
A bola rasgou a barreira, resvalou no peito de Jorge Pinheiro e entrou pingando, à letargia das águas da tarde -, até tocar na rede. Uma paulada ao estilo do Rei Alberi. ABC 1×0.
O ABC ganhou o tricampeonato de 1995 tomando sorvete napolitano. Fácil, fácil. Conquistou 61% dos pontos disputados. Ganhou os dois turnos. Graças a Adilson Heleno, com Odilon, únicos diferenciados naquela fase de times frágeis e sem craques decisivos.
A vinda de Adilson Heleno foi uma surpresa. Impactante. Coragem do presidente Leonardo Arruda em buscar um astro de verdade. Havia disputado, aos 32 anos, com requinte, o Campeonato Carioca pelo pequeno Boavista, jogando o fino que faltou ao Vasco em sua fracassada maratona pelo (ainda) inédito tetracampeonato carioca. No lugar que poderia ser ocupado por Adilson Heleno, enganava o mediano França, incapaz de um drible.
Líder do time, Adilson Heleno mostrava aos relutantes de arquibancada e cabines, a classe que o revelou no Flamengo. Na edição 640 da Revista Placar, de 27 de agosto de 1982, ele foi um dos sete possíveis herdeiros apontados por Zico nas categorias de base do Flamengo.
Além de Adilson Heleno, foram exaltados Zinho, a enceradeira do tetra de 1994, o temperamental Gilmar Popoca(sua ira crônica estragou brilhante carreira), Wallace, filho de Silva Batuta, ídolo rubro-negro dos anos 1960, morto em 2020 aos 80 anos(Batuta), o inédito China, o meia Élder, mero carregador de piano e o falecido centroavante Gaúcho, rompedor sem técnica para um passe de dois metros.
Congestionado o Flamengo, Adilson Heleno desfilou por Fortaleza e Vitória(campeão nos dois), Operário de campo Grande(jogou contra o ABC de Marinho Apolônio, Silva e Dedé de Dora no Brasileiro de 1984), Avaí(ídolo número 1 do clube), Criciúma, Grêmio, Portuguesa de Desportos, ABC e Barreira de Saquarema(RJ), formando meia-cancha com Andrade e Adílio, capricho do destino que não permitiu a trinca no Flamengo.
Adilson Heleno foi Bola de Prata no Criciúma. Em 1988. Os escolhidos: Taffarel; Alfinete, Aguirregaray, Pereira e Mazinho; Paulo Rodrigues, Adilson Heleno e Bobô; Vivinho, Nilson e Zinho. Adilson Heleno foi mestre no ABC. Tanto quanto qualquer ídolo. De Jorginho a Alberi, de Marinho Apolônio a Wallyson.
Boleiros de Prata Alberi foi o único jogador vestindo a camisa do ABC a ganhar a Bola de Prata. Em 1972, o Negão comeu a bola contra gênios do futebol nacional. Alberi bateu Tostão, Silva Batuta, Dirceu Lopes, Jairzinho e Leivinha, da seleção campeã da Mini-Copa.
Mais cinco
Outros 5 jogadores com passagem pelo ABC ganharam o prêmio. Zé Roberto, vencedor em 1972 pelo Coritiba como centroavante, apenas enganou aqui.
A luz
Marinho Chagas, nossa estrela, venceu três vezes. Em 1972 e 1973 pelo Botafogo e em 1981 pelo São Paulo. Em 1970, saiu do ABC para o Náutico.
Azar
O meia Luis Fernando, foi Bola de Prata em 1990 pelo Internacional. Em 1998, pelo ABC, se machucou e parou.
Frango
Vencedor em 1992 pelo Sport, o goleiro Gilberto saiu do ABC após frangaço contra o América(2×2) em 2005.
Pânico
Décadas atrás, se o ABC empatasse com o Força e Luz, cairiam diretoria e técnico. Hoje é banal. E, no América, Wallace Pernambucano com dois dígitos salariais é loucura.