sexta-feira, 26 de abril, 2024
27.1 C
Natal
sexta-feira, 26 de abril, 2024

Helio e os pombos

- Publicidade -

Volto a remexer na gaveta dos papeis desarrumados onde se aninham cartas, bilhetes, cartões postais, recortes de jornais, recibos, cobranças bancárias, receitas médicas, convites para lançamentos de livros, exposições de arte, festas. Coisas de 60 anos pra cá. Desta feita recolho, entre outros guardados, uma carta de Erivan França, um cartão postal de Romildo Gurgel e uma carta do advogado Manoel Varela, todos da década de 1970, entre 73 e 78. Doutor Manoel Varela escreveu de Natal, Romildo, de Buenos Aires, e Erivan França, do Rio de Janeiro.

Erivan França, o jornalista e político, que começou cafeista, ainda menino, e terminou aluisista, bacurau puro sangue. Foi deputado estadual, passou pela Câmara Federal, exerceu cargos públicos (foi chefe da Casa Civil do Governo Aluísio Alves e secrecretário da Prefeitura de Natal, quando Agnelo prefeito). Antes de ser político, foi jornalista. No Rio de Janeiro, onde viveu por muitos anos, lá chegando levado por Café Filho, passou pelas redações da Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda e de Aluízio Alves, e do Jornal do Brasil, do tempo do grande Odílio Costa Filho.  Trabalhamos juntos nesta Tribuna do Norte e na Rádio Cabugi. Briguento na política, era cordial, afável mesmo, fora do ringue, nas conversas do dia-a-dia, cuidando das amizades.  Seu nome batiza a mais importante avenida de Ponta Negra, esticando a beira-mar até ao Morro do Careca. Erivan França, natalense, faleceu em 30 de maio de 1988. Tinha 63 anos.

Sua carta, escrita à mão, no Rio de Janeiro, é datada de 11 de janeiro de 1973. Tem feitio de crônica e o personagem central dessa história é o doutor Helio Galvão, que à época andava pelo Rio, passando pelas livrarias e marcando encontros na Cinelândia, ciceroneado por Erivan.  O portador da carta foi o próprio Helio, sem saber do seu conteúdo. Vejamos o que Erivan conta:

“Meu caro Woden.

Aproveite no seu WM.

Defronte ao Teatro Municipal, perto da estátua de Chopin e do busto de Getúlio, todas as manhãs uma moça vende milho para os bombos da Cinelândia. Ela mesma se encarrega de alimentá-los, que são centenas. Pois bem, víamos eu e Helio Galvão do Banco do Brasil, esquina da Evaristo da Veiga. Helio não contou tempo. Olhou o lindo espetáculo e dele quis participar. Comprou alguns quilos de milho e ele mesmo distribuiu aos bichinhos. A revoada em torno dele foi outro cenário com aparência de São Francisco de paletó e gravata.

Ele, indiferente, ria para os pombos, continuando o generoso gesto de humildade até o último punhado. Ninguém sabia – porém – que na sua terra, no Rio Grande do Norte, aquela criatura tão simples e tão boa é chamado por muita gente de “advogado do diabo”.

Dei tudo para o flagrante fotográfico. Mas não foi possível. Não havia nenhum lambe-lambe por perto. Seria a primeira foto da primeira página de 73 na TN.

Outra do nosso Helio. Sua bagagem de volta. Livros e mais livros. A maioria com edições esgotadas. “A História Eclesiástica no Brasil”, “A História dos Carmelitas no Brasil”. E outros. Veio ao Rio e trocou a Sucata e o Monsieur Pujol pelas livrarias em busca de livros religiosos. É viver em estado de graça…

Olhe, ele não sabe dessas minhas informações, portador delas sem saber. Desculpe a falta da máquina. Estamos nos mudando para outro escritório e tudo virou bagunça com a mudança.

Abraços do Erivan

11/01/73 (Dê a forma jornalística do seu Jornal de WM. Erivan).

O regime de Romildo
O cartão postal de Romildo Gurgel, o grande repórter, também político que virou depois ministro do Tribunal de Contas do Estado e professor da UFRN, mostra um dos logradouros de Buenos Aires (“Cabildo, Municipalidad y Diagonal”). Por aqueles tempos, gordo de nascença, Romildo pesava coisa de uns 160 quilos. E era baixo de altura.  Escreveu com letra pequeninha, apertada. Está datado de 20/04/78. Assim:

“Prezado Woden:

Estou internado aqui na Clínica Carmillot, há quase dois meses num jejum completo, de 45 dias, período bíblico cumprido por Jesus, Moisés e Elias, antes das grandes revelações… Bebe-se apenas água, ou café e mate adocicados com sacarina. Não se sente fome de espécie alguma. O corpo se despoja das gorduras, no uso de forças e magias saturnais; a inteligência se aguça e penetra mais a fundo na essência das coisas; a alma se sente em levitação e só retorna após receber os fluidos cósmicos.

Materialmente, há uma perda de meio quilo de gordura por dia, além de serem eliminados outros resíduos tóxicos, rançosos e venenosos, que a vida moderna nos obriga a engolir. Para você, um abraço de amizade e apreço. Cordialmente, Romildo Gurgel”.

Questões eleitorais
A carta do doutor Manoel Varela, meu professor na Faculdade de Direito, procurador República, advogado com escritório montado e desarrumado nos altos da sede da Associação Comercial, na velha Ribeira de todos os palcos, trata de uma nota publicada nesta coluna.  É datilografada e datada de 4 de outubro de 1978:

“Caro amigo Woden Madruga

Surpreendido, li, hoje, na coluna de sua responsabilidade, na TRIBUNA DO NORTE, a afirmativa de que teria sido redigida por mim a representação apresentada ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral, pelo Deputado Wanderley Mariz, contra o ex-Governador Aluísio Alves.

Apresso-me em encarecer ao prezado amigo gentileza de desmenti, formalmente, a notícia veiculada. É que nosso Escritório vem prestando assistência jurídica à ARENA, neste Estado, há muito tempo, não podendo, de modo algum, cometer eu tamanha deslealdade, tendo em vista também que defendemos a reeleição do Senador Jessé Freire, de quem somos amigos de longa data.

Certo de ser atendido, antecipo agradecimentos, firmando-me, cordialmente.

Manoel Varela”

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas