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‘Herodianos e fariseus se unem contra o Papa’

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José Manuel Vidal – Religión Digital

Adital – Teólogo com numerosas obras publicadas, o jesuíta José Ignacio González Faus, responsável pelo Centro de Estudos Cristianismo e Justiça da Espanha, comemora o fato de alguns temas que a Igreja dava as costas agora seja tema de preocupações do papa Francisco. Comprometido com as causas sociais, o teólogo lembra que 30 mil pessoas morrem de fome, diariamente. E isso não comove as pessoas. “Uma encíclica de João Paulo II diz que, em tempos de crise, todos os objetos de culto valiosos que a Igreja possui devem estar a serviço das vítimas”, recorda.

Faus acredita que a Teologia da Libertação, “que tem o grande mérito de ter suportado o maltrato assim como Jesus suportou”, já não pode ser desautorizada, mas, por outro lado, teme que o papa Francisco corra sérios perigos: “Neste momento, fariseus e herodianos já estão se unindo para planejar como acabar com o Papa”, lamenta. Ele teme, mas não perde a esperança: “Temos que ter fé; não a de recitar o credo, mas a de saber que as coisas podem mudar”. A seguir a entrevista, com tradução do  Cepat.

Você é uma das pessoas que alimentaram, ao longo dos anos, o espírito do Vaticano II, promovendo e provocando. E o papado de Francisco?

Bom, como você diz, em todos estes anos tentei promover o espírito do Vaticano II, que é o do Evangelho. Atualizá-lo ao máximo possível, colocá-lo em dia, torná-lo visível no mundo e na Igreja… Entretanto, eu também estava decidido que terminava meus dias com uma sensação de fracasso. Até que, rapidamente, acendeu-se uma luz, que tomara que vigore. Algo que eu disse bastante a respeito deste momento, é que tomara não nos  aconteça o mesmo que aos apóstolos no momento da ascensão. Porque todos nós temos certa tendência ao messianismo, a esperar um Messias que nos resolva a vida. Isto é muito compreensível, porque há muitas coisas para arrumar, mas desde quando fiz minha cristologia, disse que o fato de Jesus ser o Messias significa que nos fez messiânicos. Portanto, a nomeação do papa Francisco, embora seja uma alegria, não quer dizer que agora tudo será fácil. E também requer uma responsabilidade de nossa parte: a de fazer as coisas com rigor e com sentido de diálogo. O cristianismo deve voltar a se ocupar do mundo e, como disse o último documento escrito pelo Papa, que nossa estrutura econômica e a política mundial não sejam uma estrutura assassina.

A abertura de horizonte na Igreja foi um milagre inesperado?

Sim. Uma das coisas que a história me ensinou é que seus grandes momentos vêm inesperadamente. O medo que eu tinha é que, de imediato, viesse o milagre e nos pegasse sem estarmos preparados. E outra coisa que a história ensina é a paciência: A confiança de que aquilo que se faz pelo Reino com amor, os talentos que são investidos não se perdem. Na economia são perdidos muitos investimentos, mas isso é diferente.

E você não acredita que é necessário reabilitar as pessoas que foram pacientes durante todo este tempo?

Eu não quero exigir nada agora, porque me condenaram antes, nem muito menos dizer “agora vamos incomodar, porque nós tínhamos razão”. O que eu desejo é que dialoguemos, que entre todos, sem espírito de vitória, nem de vergonha, façamos o que Deus quer, que é trabalhar por um mundo melhor. Já Pio XII, no ano de 1952, disse que era preciso refazer o mundo “a partir dos alicerces”. No entanto, ao invés de refazê-lo, nós o temos deteriorado ainda mais.

O senhor enxerga uma clara mudança de tendência na nova dinâmica eclesial?

Sim, claramente. E, além disso, conseguiu-se alguns pontos que não tem mais volta. É que determinadas reivindicações e determinados valores, que antes pareciam heréticos ou “de pouco amor à Igreja”, agora são ditos pelo Papa. São palavras do Papa. E, sendo assim, são totalmente legítimas e ortodoxas. Ou seja, determinadas reivindicações da Teologia da Libertação ou daqueles que pediam outra Igreja já não poderão ser desautorizadas, como se fossem heterodoxas. Agora, possuem um perfeito direito. Contudo, o problema da Igreja não está apenas nas autoridades. Está no fato de que existe uma boa parte da base (que talvez seja a maioria) que é de um catolicismo fundamentalista que acredita em um Deus do medo e em uma instituição brilhante, e que embora não tenha poder, no momento de votar, vota.

E essa mudança está influindo nas igrejas locais? Chegou à Espanha?

Acredito que está chegando mais fora da Igreja. Há uma infinidade de pessoas não crentes que, nesta situação de mundo desesperançado, de repente ouviu por aí um senhor que é uma autoridade e que, além disso, possui essa proximidade e simpatia, e que mesmo sendo um homem religioso não caminha pelas nuvens, mas diz verdades fundamentais… e ainda que isto não lhes vão converter, despertou uma esperança nessas pessoas não crentes. E a coisa mais bonita que a Igreja pode fazer é despertar a esperança. É fundamental do ponto de vista litúrgico, pastoral e da evangelização, que todos encontrem na Igreja uma razão para continuar esperando. Porque, ainda que as esperanças não se cumpram logo, colocam em marcha muitas coisas. O que eu percebo é que influiu mais nos não crentes do que nos crentes. Entre aqueles que estão dentro, acredito que irá influir… O setor eclesial que estava pisoteado ou adormecido, nesse momento, está contentíssimo. Depois, parece-me que a opinião se divide. Existem pessoas que se deixam impactar pela bondade das palavras deste homem, e há outras pessoas que não enxerga nada mais a não ser populismo e demagogia. E há um grupo que oscila. No entanto, apesar de tudo, é um momento bonito de se ver.


A exortação apostólica Evangelii Gaudium é uma espécie de programa concreto do pontificado de Francisco? Deixa claro o que quer com este roteiro?

A primeira coisa no texto que me chamou atenção foi o seu estilo muito simples, tão pouco “encíclica” e tão pouco “pontifício”. É o estilo de um irmão que se dirige a outros irmãos, e isso é a primeira coisa que se destaca. E penso que apenas por essa razão será mais lida que qualquer outra encíclica, porque está ao alcance de qualquer pessoa.

Depois, é claro que há um programa, e o que toca a todos nós, diante dele, é frear a nossa própria reivindicação (não pedir cada um o seu), e colaborar naquilo que podemos. Cada um perceberá em seu campo o que pode fazer. Tomara, por exemplo, que alguns economistas (uns porque são católicos e outros porque são de esquerda) repensem a economia. Porque há economistas que não comungam com o sistema, mas dizem que a única coisa que podem fazer é “administrar este sistema”, embora seja injusto. Assim, é necessário ver se agora, em vez de nos conformarmos em administrar um sistema injusto, pensemos em como mudá-lo. Porque se estamos convencidos de que o sistema é injusto, não podemos permanecer com ele. Por outro lado, a reforma da Cúria e da Igreja é também um caminho muito importante. Faz muita falta, também, uma revisão do Direito Canônico (porque se Deus estabelece muito poucas coisas… a Igreja não teria razão para estabelecer muitas). No entanto, pessoalmente, acredito que isso não ocorrerá.

Pode-se dizer que o Vaticano II ficou congelado durante um longo período de tempo?

Totalmente… O Vaticano II ficou muito tempo dentro de um congelador. Eu me perguntava quando o tiraríamos daí e o colocaríamos ao banho Maria. Todos os concílios, sobretudo os grandes, precisaram de uns 50 anos para começar a influir na Igreja. Trento, mesmo tendo sido muito conversador na dogmática, na prática foi muito avançado, demorou muito para se impor. É como uma chuva mansa que pouco a pouco vai nos molhando, sendo assim, ainda é necessário lhe dar um tempo.

Eu admiro muito a Rahner, mas acredito que se equivocou quando disse que não perdêssemos tempo fazendo exegese do Concílio. Foi muito otimista ao pensar que o caminho já estava aberto. Sim, é necessário fazer exegese. É preciso retornar ao Vaticano II e resgatar a intenção fundamental que o texto completo possui. Também a Bíblia. Na época de Paulo VI, eram acrescentadas pequenas frases aos textos, para que todo mundo estive contente, sendo assim, é necessário retornar a eles, para verificar que coisas são acidentais e quais são essenciais. É preciso discernir qual é a flecha disparada pelo texto do Vaticano II, e fazer isso em uma análise da sociedade atual, pois já se passaram 50 anos e muitas coisas podem ser diferentes.

O Papa disse que a Igreja tem que ser casa e não aduana. Ele utiliza muito essas formas de imagens?

Também disse aos padres que nas homilias devem usar imagens. Vivemos em uma cultura da imagem, seja visível ou lingüística, porque as imagens chegam muitíssimo mais.

Qual a sua opinião a respeito de suas denúncias do sistema capitalista como sistema que mata e que produz escravos?

São denúncias muito fortes para estar na boca de um Papa. Isso de dizer “matar é um pecado e este sistema mata” é algo direto e fortíssimo. E o Papa fez isso. Disse que nossa forma de capitalismo neoliberal é um sistema assassino. E, mesmo que seja enormemente eficaz, o fim não justifica os meios na economia. Jean Ziegler, um economista suíço que foi secretário das Nações Unidas, disse exatamente que se hoje uma criança morre de fome não é uma desgraça, mas um crime. O grande pecado do mundo de hoje não é a injustiça, nem o ódio, mas a indiferença.

O silêncio dos bons?

Ou dos indiferentes, ou daqueles que se interessam mais em saber se o Barça ou o Atlético de Madri venceram. Não é possível que a notícia de que alguém morreu de fome ou de frio (e isso o Papa também diz) tenha o mesmo nível que uma notícia esportiva de Fernando Alonso ou de quem quer que seja. Os meios de comunicação deveriam pensar seriamente nisso. Há notícias que não são informações, mas chamados para um diagnóstico. Diante de um diagnóstico médico não se queixa impassível, mas se busca o tratamento que deve ser tomado. No entanto, há alguns meios de comunicação que dão diagnósticos como meras informações neutras. Que 30 mil  pessoas morram de fome diariamente não é uma notícia, é uma acusação.

Uma vez que na Igreja se inicia uma nova tendência, existe a possibilidade de que ele se emperre por completo?

Não sei, porque na história se mutilam muitas coisas. Contudo, tenho uma fé última de que o local onde se semeou amor, acaba fecundando. Ainda que pareça que fracassa. Quando dou exercícios, sempre digo isso: a morte de Jesus nos apresenta a pergunta a respeito de se uma vida entregue frente a tantos obstáculos, ao serviço do homem e contra sua opressão, tem sentido em nome de Deus. Jesus disse que sim, e eu acredito nele e sigo-lhe. Agora, a forma como a história funciona é outra coisa, porque a história é o resultado de movimentos de liberdades e as liberdades nós não as podemos manobrar como peões. Também quero dizer que acredito que esse Papa irá correr sérios perigos. No Evangelho de Marcos, no capítulo 3, após narrar o êxito inicial de Jesus, diz-se que quando Jesus saiu de uma cura, uniram-se fariseus e herodianos para ver como acabar com ele. Fariseus e herodianos eram os máximos inimigos entre si, mas Jesus lhes incomodou tanto que se uniram para ver como acabavam com ele. E eu acredito que neste momento já estão se unindo fariseus e herodianos. Não sei quem são. Não sei se é a CIA, Al-Qaeda, a KGB, a máfia, a cúria romana… Contudo, neste momento, já devem estar pensando como acabar com ele (embora não seja matando-lhe, porque há outras maneiras). De fato, não acredito que o matem, porque ganhou tanto ao povo que, neste momento, não podem matar-lhe.

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