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Hodierno

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Em 1986, a editora Ex-Libris colocou no mercado Galáxias livro de Haroldo de Campos. Trata-se de um projeto gráfico para circular em circuito comercial de distribuição convencional. Grande formato explorando naturalmente o lado frontal das páginas com a escrita impressa e o lado de dentro das mesmas páginas estampando a brancura integral e silenciosa do papel. O silêncio. No anverso os cinqüenta “videotextogames” planejados pelo autor desde quando iniciara a garimpagem e seleção dos mesmos no ano de 1963. O projeto de livro se ampliaria em oralizações das escrituras galáticas escolhidas pelo tradutor gravadas em um compacto disco. Passados quase trinta anos ele continua causando estranhamento.

Confirmando a máxima da força do cantar afirmando que a “palavra escrita não tem a mesma força da palavra cantada”, o poeta e tradutor de um dos poemas mais contundentes de Maiakóvski, “A Sierguéi Iessiênin”, sobre o suicídio do poeta russo em 1925, exerce sua performance declamatória pairando sobre tudo no (anti)epifânico, no épico destilado em 16 fragmentos das Galáxias, num áudio digital titulado “Isto não é um livro de viagem”, lançado pela Editora 34-SP, com a respeitável produção do titânico Arnaldo Antunes.

A tese de um “livro absoluto”, global pretendido por Mallarmé, ou a teoria do “livro impossível”, do português E. M. Melo e Castro não é uma linha utópica de busca. É possível e concreta na materialização do fazer/recitar de algo que não é viagem. Mas a mais alta metalinguagem. Um livro (?) em densa viagem. Isto é: um livro de dialética viagem: de João Pessoa-PB (Circuladô de Fulô) textualidade para quem Caetano Veloso emprestaria voz e som à Granada espanhola de Lorca (Reza Calla Y Trabaja); da Bahia sincrética (Cheiro de Urina) ao Black Power de Washington (Calças cor de abóbora); da Roma barroca (Açafrão) à medieval Provença de Arnaut Daniel e é claro, da curtição da poética em sua função explícita, por si, especialmente nos fragmentos “Como quem escreve”, “Sazemoto” e “Tudo isto tem que ver” Haroldo surfa por mares e metas alterando o linguístico concedendo a esse campo o fazer transgressor.

A mítica, fabulação cabal em “Passatempos” e “Metatempos” e o início e o fim dos textos-partituras (“Começo aqui” / ”Fecho encerro”) acompanhados pela cítara de Alberto Marsicano, faz interseção com as ragas indianas. As redundâncias sonoras são pontos de equilíbrio para o aleatório. Traz na simultaneidade remessas de ancestrais troncos linguísticos indo-europeus nos fazendo pensar na intransigente e consciente uso da língua materna. Da boca do povo que inventa línguas a inerente erudição que ela carrega e se constitui. Esta, uma síntese precaríssima do que se pode depreender do grande lírico e cosmopolita recital.

Irrecusável leitura e audição. Mesmo para aqueles preconceituosos da fase ortodoxa da poesia concreta, na qual HC estava inserido, mas que gostam de Guimarães Rosa, João Cabral, Gullar…

O poeta paulista radicalizou sua saga melopaica e não se contentando com o livro e o CD adicionou também no campo do audiovisual. Protagonizou e somou na amplitude de novo projeto o cineasta Júlio Bressane na direção do vídeo Galáxia Albina.

Sendo imprescindível, foram estabelecidos vários “diálogos sincrônicos” com Borges, Camões, Pound, Chomsky, Dante, Homero, Guimarães Rosa, Shakespeare, Carrol, Bashô, Joyce e outros. O mais é ler / ver / ouvir pra crer. Haroldo em 2015 se coloca muito longe dos diluidores, atual e provocador.

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