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Ideias fora do lugar

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                            
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)            
Elaborou o filósofo René Descartes, no início do século XVII, um axioma que iria influenciar decisivamente o pensamento filosófico e a atividade científica a partir de então: “É necessário que ao menos uma vez na vida você duvide, tanto quanto possível, de todas as coisas”. A verdade é que, na época presente, tudo praticamente enseja discussões, controvérsias, divergências. Exemplo: a Teoria da Evolução de Charles Darwin, desde o início rejeitada pelos criacionistas, com base na narrativa bíblica de Adão e Eva, continua sofrendo resistências passionais, rancorosas. Para testar, perguntem, à queima roupa, a algum militante religioso, talvez à hiperbólica ministra Damares Alves, qual a concepção que deve ser ensinada nas escolas: se a de Darwin ou a da Bíblia. Nos Estados Unidos ainda há movimentos sectários que lutam pela exclusão da teoria de Darwin dos currículos escolares.
Cito outro exemplo. A esfericidade da terra, segundo Carl Sagan (“Cosmos”), foi descoberta pelo grego Eratóstenes (276-195 a.C.). Aristóteles (384-322 a.C.) também chegou empiricamente à mesma conclusão. Desde o voo espacial pioneiro do russo Iuri Gagarin (1961), passando pelo pouso de uma nave tripulada em solo lunar (a norte-americana Apolo 11, em 1969), tornou-se banal e corriqueira a exploração do espaço, que servirá no futuro não só para fins científicos como para puro divertimento. 
Todas essas façanhas da ciência e da tecnologia se acham ampla e inquestionavelmente documentadas. No entanto, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub (hoje na direção do Banco Mundial), bem como milhões de negacionistas do conhecimento científico mundo afora são terraplanistas: dizem que a terra é plana.
Diante desses precedentes em que a lógica, a lucidez e o próprio bom senso são depreciados e menosprezados em proporções tão gigantescas, não é, afinal, de admirar a insensatez, que pode se revelar profundamente danosa ao nosso país, cometida (é forçoso reconhecer) pelo governo Bolsonaro ao assumir uma posição de alinhamento subserviente com a política externa dos Estados Unidos. Mais ainda na guerra comercial entre Estados Unidos e China. O busílis da questão é que a China é nosso principal parceiro comercial: para ela é canalizada parte substancial das nossas exportações (28%). 
Há razões estratégicas, geopolíticas, que nos identificam, sim, com os Estados Unidos. Mas não convém nem interessa ao Brasil participar das confrontações entre Estados Unidos e China. Vamos supor que Joe Biden ganhe as próximas eleições e faça um acordo com a China para que ela passe a comprar preferencialmente a soja produzida nos Estados Unidos. Como ficaria nossa agroindústria? 
O governo brasileiro tem importado ideias que são úteis e válidas para os Estados Unidos – para uma superpotência que tenta a todo custo não só manter como expandir a sua hegemonia. Essas ideias, fora de seu lócus, do país em que estão os seus pressupostos socioeconômicos e políticos, perdem adequação e legitimidade. São ideias fora do lugar (título do livro de Roberto Schwarz). O que se quer e espera é que o governo brasileiro se coloque a serviço unicamente dos interesses nacionais.
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