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Idoso morre à espera de cirurgia vascular em fila com 300 pessoas

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Bruno Vital
Repórter
O aposentado José Alves de Souza, 78 anos, faleceu no último sábado (29), vítima de uma infecção generalizada enquanto aguardava uma cirurgia vascular na fila do Hospital da PM. É o que denuncia Joice Caroline, neta de José, que reclama de negligência por parte do Estado. O paciente esperou dois meses pelo atendimento, que não deu tempo de acontecer. Nos últimos três meses, a fila de pacientes aguardando procedimentos vasculares mais que dobrou no RN: passou de 147 para 300 pessoas entre o fim de julho e o início de novembro. O Hospital da PM está operando com sua capacidade máxima de 30 leitos vasculares. O Conselho Regional de Medicina fez críticas à gestão do Governo na área da saúde.
Cirurgia vascular tem sido concentrada no Hospital da PM. Contudo, não há vagas para todos. Conselho de Medicina faz à críticas à gestão do Estado
A demora no atendimento e a falta de perspectiva de melhora do quadro colocam centenas de pacientes diabéticos em risco elevado de morte e de amputações que poderiam ser evitadas, analisa o cirurgião vascular Gutenberg Gurgel. Ele considera que situação do Estado é gravíssima. “Às vezes as pessoas subdimensionam os pacientes diabéticos, que precisam dessas cirurgias. Há casos em que outros problemas se somam a isso como cardiopatias ou alteração circulatória nas pernas. O poder público não enxerga isso como grave porque às vezes é o pé, é o dedo que está sendo considerado e não a vida do paciente”, detalha.
De maneira geral, os pacientes na fila por problemas vasculares são pessoas com infecções e distúrbios em decorrência da diabetes. Uma das complicações mais comuns é o “pé diabético”. O especialista Gutemberg Gurgel explica que a condição é grave e é também a responsável pela maioria das amputações de dedos, pés e pernas. “Existem vários tipos de graduação. O paciente pode ter uma manchinha escura na ponta do dedo e isso seria uma ponte de entrada de bactéria. E dependendo da infecção, isso pode levar o paciente à morte em 24, 48 horas. É preciso ter uma urgência, o paciente não pode ficar uma semana, meses esperando”, detalha.
No entanto, foi o que aconteceu com José Alves de Souza, o Zeca, conta Joice Caroline. “Ele não tinha nenhum outro problema, cardiopatia, pressão alta, nada. Morreu por causa da espera, o médico mesmo disse”, protesta. Joice lembra que no início de setembro o avô tentou dar entrada na UPA Cidade Satélite, de onde foi encaminhado para o Hospital Central Coronel Pedro Germano (Hospital da PM), mas esbarrou na longa fila da unidade referência e voltou para casa. “Nos disseram que seria mais rápido com uma decisão judicial e procuramos a Defensoria e tivemos que ficar aguardando com meu avô em casa”, relata.
Sem avanços na esfera judicial e sem previsão para ser atendido, o quadro de José Alves se agravou em 21 de outubro. “Ele sequer estava querendo se alimentar e nós o levamos para a UPA de Cidade Satélite novamente. Resolveram internar ele porque a situação já estava bem agravada. Na primeira ida ao hospital a situação era para amputar o dedo e nessa segunda já era o pé”, diz a neta do idoso. Soma-se a isso, o fato de que José é morador de Parnamirim, e por esse motivo, foi mandado para o Hospital de Pirangi, mas foi “devolvido” para a UPA de Satélite. “Isso piorou ainda mais”, diz a neta.
Entre os dias 21 e 29 de outubro, Zeca permaneceu internado na UPA de Cidade Satélite, de onde lutou pela vida, mas perdeu a batalha para a espera. “Quando o médico veio comunicar o óbito, ele disse que meu avô só morreu por conta da espera. A perna dele ficou muito infeccionada e a infecção generalizou comprometeu os rins e os pulmões. Já fazia mais de 72 horas que ele não urinava porque os rins pararam de funcionar e ficou com a saturação muito baixa. Foi preciso intubar e na intubação ele não resistiu”, lamenta Joice Caroline.
De acordo com a diretoria do Hospital da PM, a fila de 300 pacientes corresponde a 47 demandas judiciais – pessoas que apelaram por urgência nos tribunais – e outras 253 pacientes da fila regular. “É algo bem complexo essa questão. A gente aqui é meramente um executor. A Sesap está vendo alternativas, meios, para que isso seja reduzido, para que a gente tenha um fluxo de leitos mais eficiente e a gente está trabalhando junto para que isso aconteça”, destaca a coronel Ana Helena Garcia, diretora do Hospital da PM.
Além dos 30 leitos da unidade referência, a rede estadual conta com outros 30 leitos de retaguarda no Hospital Geral Dr. João Machado para os pacientes que passaram por algum procedimento e necessitam de cuidados pós-operatórios. O Cremern critica a falta de soluções por parte dos gestores de saúde.
Em nota, o Cremern destacou ainda que tenta diálogo com o poder público para implementar ações preventivas contra complicações vasculares da diabetes, mas “não tem visualizado avanços”. E completa: “Existe uma Ação Civil Pública Estruturante, movida pelo conselho, para que seja criado um sistema que permita melhoria no atendimento aos pacientes, que vai desde a prevenção até a diminuição das amputações no Estado. Através de audiências na Justiça Federal se busca soluções, mas é um processo demorado e que só depende das ações dos gestores municipais e estadual”.
Hospital Ruy Pereira foi fechado em 2021
Há pouco mais de um ano e meio, em março de 2021, o Governo do Rio Grande do Norte desocupou o prédio onde funcionava o Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos, até então a referência vascular, que funcionava no bairro de Petrópolis, em Natal. Com isso, os atendimentos ficaram concentrados no Hospital da PM.
A unidade foi desativada após a Vigilância Sanitária apresentar laudo que apontava a necessidade de interdição do prédio “devido ao risco para a coletividade”, já que a estrutura do prédio estava defasada e sem condições de se adequar às normas técnicas atuais de engenharia e arquitetura. A entrega oficial do imóvel, que custava R$ 200 mil por mês, aconteceu em 2 de março do ano passado, após reunião entre representantes das partes do contrato na Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RN).
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE buscou contato com a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap-RN), através do titular Cipriano Maia e da adjunta Lyane Ramalho, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. O Governo também não se pronunciou sobre o aumento significativo da fila de espera nem sobre a morte do aposentado José Alves de Souza.
Projeto quer evitar amputações
O projeto Salvando Pernas, apresentado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN) pelo médico Gutenberg Gurgel, pretende promover a saúde vascular e antecipar o problema para evitar amputações. Pacientes com diabetes têm chance de 15 a 30 vezes maior de sofrer amputação do membro inferior se comparado a pacientes não diabéticos, destaca Gurgel, que também é membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV-RN).
O cirurgião pontua que o objetivo é criar uma rede de assistência integral ao paciente portador do pé diabético, desde a base, captando pacientes cadastrados no Programa de Diabetes Mellitus/HAS, tanto da rede básica, quanto do Programa de Saúde da Família (PSF) para acompanhamento, além de capacitação da equipe de saúde.
“O projeto está virando lei na AL. Ele é dividido na parte básica, treinando as equipes para poder dar o primeiro atendimento inicial para esse paciente que tem diabetes. Depois é preparar pontos que podem ser regionalizados, como Caicó, Pau dos Ferros, Mossoró, Natal, para atender os pacientes que tenham uma lesão no pé diabético. O terceiro nível é distribuir os atendimentos para o paciente não precisar vir sempre para Natal. Tem que diversificar e abrir vagas”, afirma.
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