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Improvisos

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Dácio Galvão
Apesar de tudo, tenho procurado filtrar o Brasil de fora para dentro. É uma opção. Explico. Existem evidentemente inúmeras saídas. Uma que tem sido vital é ouvir o negro Miles Davis, em versão instrumental revigorar no trompete mágico e revolucionário de tantas batalhas e guerras a eterna Corcovado, de Tom Jobim… Ou a canção aos Pés da Santa Cruz (Marino Pinto e José Gonçalves) transpirando no talento para além dos temas.
Django Reinhardt / Robert Phelps
Django Reinhardt / Robert Phelps

Improvisos em notas e notas abstraindo letras impõe um ar concertista sem precedentes antes e agora. Vanguardista, rompedor de paradigmas, Davis, reconhecido como um dos mais influentes músicos do século XX faz essas músicas adquirir um sotaque cool único. Nessa embalagem jazzística as consagra numa viagem peculiar através do mundo criativo afro-norte-americano em uma das modalidades de gênero que engendrou.

Aprendi a olhar para a obra de Miles, primeiro atentamente para as capas dos seus long plays, estimulado pelo contrabaixista, poeta e agitador cultural Enoch Domingos. Era a época de ouro da loja Musi Som, ali na Rua Ulisses Caldas, entre a Av. Rio Branco e a Rua Princesa Isabel, onde havia exemplares no queima de discos sem saída do estoque. Não era comercial. Vários Lp’s do craque  de Alton, lá estavam. E pasmem! Eram vinis no mel do melhor conceito analógico. Exemplares de acetatos importados coisa mais ou menos como ir à lua na contemporaneidade. Era colocá-los no picape garrad com agulha de diamante e cair em galáxias inexploradas. Nada saudoso considerando o refluxo comercial dos vinis no atual mercado fonográfico.

E Manhã de Carnaval (Luíz Bonfá e Antonio Maria) pelas distintas coloridas e reverberadas cordas guitarrísticas de Paco de Lucia, Al Di Meola John McLaughlin? Mistura das misturas de pigmentos sonoros. Gravaram três álbuns juntos para o bem de nós, pobres mortais. Gravaram sons para se entranhar nos nossos espíritos. Suave e com improvisações para esferas transcendentes. Mergulhando e refluindo em lirismos poéticos mediterrâneos. De Lucia, espanhol, vem de origem sonora flamenca. McLauglin e Meola, americanos veem marcados do jazz fusion, rock, blues e word music. No apuro da execução da melodia escancaram espaços para improvisação. Os três virtuoses se distribuem estrategicamente. Cada um pavimenta suas alamedas. Macro e microcosmos cintilam exasperados acordes. O tema recorrente impõe a brasilidade. O mais é puríssima organicidade de sons.

E percorrer com sons de guitarra jazzística-cigana a musicalidade brasílica de Ari Barroso? Sim, pelos poucos e ágeis dedos (perdera dois, em acidental queimadura) do guitarrista belga Django Reinhardt? Ele que fez antológica performance com Louis Armstrong e dividiu toque com Dizzy Gillespie! Assim destilou em blocos de solos soltos a composição emblemática “Brazil”. Do banjo e violão empunhados nos acampamentos ciganos para guitarra Selmer inspirado na projeção do cenário americano, ouvindo Duke Ellington, tocando com Benny Carter onde as sessões musicais rolavam com mais intensidade, Reinhardt consagrou-se na visão de muitos críticos especializados como o guitarrista que mais teve seguidores dentro do universo musical que optara para fazer sua própria história.

 Certa vez quando indaguei ao guitarrista, arranjador (de Caetano Veloso fez vários discos) Luís Brasil, que na ocasião faria concerto no pátio interno da Fundação Capitania das Artes, sobre seus mestres do instrumento, retrucou como dardo: Django Reinhardt! Então, claro que ‘Brazil’ na interpretação de Django iria adquirir status de joia rara. Preciosa a peça projeta o Brasil brasileiro sem ranços nacionalóides avançando inzoneira na vastidão de um campo estético impossível de aferição em redimensionamentos intangíveis. Firmemente desprovidos de ufanismos piegas. Uma exaltação neobarroca, digamos.

Tenho me segurado também nas bengalas musicais, abstraídas de letras ou textos, de Stan Getz (O Morro Não tem Vez de Tom Jobim e Vinicius de Moraes). Pinta o sax tenor inconfundível, rascante e marcante. Lindo e etílico que só ele. Para quem teve Charlie Parker como parceiro… Outro negão invocado na sustentabilidade é George Benson (Dinorah, Dinorah, de Ivan Lins) na guitarra límpida, solos balançados, solfejos precisos e inconfundíveis. Por último o pretão Wayne Shorter (Lília de Milton Nascimento) no agudo do sax aos extremos, estridente, nervoso procurando o veio extenso nas esferas no jazz fusion. Camarada cúmplice de Miles Davis, rsrs. Só identidades de uma nação. Da nação planetária musical. Protagonismo de uma só linguagem artística. Brasil dá certo, sim.

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