quarta-feira, 24 de abril, 2024
29.1 C
Natal
quarta-feira, 24 de abril, 2024

Incógnita

- Publicidade -

Erick Wilson Pereira
Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP

Na iminência das próximas eleições presidenciais, só os alheios aos jogos do poder ou míopes observadores da realidade estão surpresos com a polarização prevista para o segundo turno. Uma concentração de extremos opostos que exclui posições centristas ou moderadas, pois parcela significativa do eleitorado parece decidida a lançar mão do famigerado voto útil.

As causas do inusitado recrudescimento dos embates políticos repousam em longo encadeamento de fatos. Ao longo das últimas décadas, os maiores propulsores do descrédito da política têm sido o fim da polarização autêntica e a crescente mercantilização nos balcões do Congresso Nacional. Até ao PT, outrora representante da esperança de poder mediado pelo direito coletivo, foi cobrado o preço – fim da polarização – pela subordinação à partidocracia instalada no Congresso desde o período da transição democrática. Foi institucionalizado um sistema de vetos – eficiente meio para bloquear as iniciativas indesejáveis e negociar apoio dos grupos minoritários – que usa as trocas de bastidor e busca as supermaiorias parlamentares e a solução de conflitos intramuros para evitar o debate público e eventuais desgastes com o eleitorado. Tais fins utilitários pautam as disputas partidárias e blindam o sistema político contra a sociedade.

Nenhum sistema político sobrevive sem uma polarização autêntica. Ainda assim, os últimos presidentes do país investiram contra a lógica da polarização, mantendo-a no mínimo o suficiente para alcançar a governabilidade ou resultados eleitorais pleiteados. A oposição foi assim forçada a aderir ou a se abrigar na extrema-direita.

Nem a Lava Jato e as denúncias de corrupção no cerne do poder conseguiram alavancar uma polarização (oposição) mais consistente e efetiva que atendesse o clamor popular, reestruturasse o sistema político e o afastasse da inércia. Os discursos midiáticos associados a uma estratégia de divulgação seletiva das investigações e a relativização da ordem normativa contribuíram para aumentar a frustração, a descrença e a desesperança no eleitor ansioso por uma solução democrática, a depuração da política. Tal solução teria que passar por uma polarização legítima que, ao invés de blindar ou enfraquecer o adversário, buscasse restaurar o jogo democrático, inclusive mediante o enfrentamento do adversário político, sem disfarces, no espaço público.

Se as pesquisas mostram que a extrema direita parece ser a alternativa mais viável do eleitorado para derrotar a esquerda predominante, por outro lado ela não representa todos os antiesquerdistas. Muitos estão receosos em relação à pressão para aderir ao voto útil no primeiro turno e abdicar da escolha de candidatos que professam ideais democráticos com mais convicção, mas que não souberam ocupar a lacuna de uma oposição autêntica. Do outro lado, a esquerda terá que convencer eleitores, cujos candidatos foram derrotados no primeiro turno, que haverá moderação e avanços na sua próxima gestão. Não será fácil sopesar as variáveis complexas envolvidas, incógnitas para todos, candidatos e eleitores.

As democracias, até mesmo as consideradas maduras, não são imunes a abalos, imprevistos e dilemas dessa natureza. Vez por outra somos obrigados a conviver com uma profusão de táticas demagógicas e apelos aos ideários populistas ou radicais para que o poder se perpetue ou mude de mãos. Mas o debate e a polarização autêntica são imprescindíveis para aperfeiçoar o sistema e diminuir o fosso entre a cidadania e a política.

Nossas referências, assim como nossos candidatos, não são realmente as ideais, mas são elas que ora fundamentam e sustentam a nossa democracia que clama união dos opostos e apoio aos planos de reconstrução da economia e de reformas do sistema. Soluções extremistas nunca geraram segurança, estabilidade política e ordem constitucional.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas