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Insustetável delicadeza

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SÍlvio Santiago – Especial para o VIVER

Ao descer do ônibus, depois de cruzar toda Natal, caminhei solitário pelas ruas escuras e desertas da Ribeira na noite da última quinta-feira 19 em direção do local onde acontecia a 2ª edição do Festival DoSol – Música Contemporânea. Conversava em silêncio com gregos, beats e dadas até chegar à Casa da Ribeira, onde do lado de fora, na calçada, ainda se encontravam algumas poucas pessoas.

Já no interior do teatro com tijolos aparentes, a maioria das cadeiras ainda se encontrava vazia, apesar de o evento ser gratuito. No palco, apresentava-se a primeira atração da noite, Automatics. A cada acorde, vinha-me à mente The Cure, Pixies, REM – sim, tudo em inglês, inclusive as letras das composições dos automáticos potiguares.

Em seguida, foi a vez dos Visitantes, um autêntico grupo do chamado New Weird America, cuja tradução seria algo como “Movimento da Nova América Esquisita”. Apesar de ritmicamente inclassificáveis, arrisco dizer que Devendra Banhart iria gostar da música desses paulistas. Talvez pela influência escancarada do tropicalismo, particularmente dos Mutantes, e por também cantarem em espanhol, assim como o faz o “muso” neofolk estadunidense.

Mas eu, e a maioria dos presentes, que a essa altura já lotada quase todas as cadeiras, estava ali pelo que estava por vir: o Projeto Trinca, que estreava em palco — isso excluindo a participação no Festival Universitário da Canção, realizado mês passado no Campus da UFRN, no qual defendeu a música “Sob a Luz do Meu Cigarro”. Originalmente formado por Bruno Alexandre (vocal e pandeirola), Leonardo Palhano (vocal e guitarra) e Raphael BJoe (teclado, flauta e programação), o trio contou com a participação do baixista Emmanuel Andrade e do baterista Thadeu Azevedo – ambos também participarão do seu primeiro álbum, “Nosso Disco Dava Um Filme”, cujas gravações terão início próximo mês.

Até ali eu já tinha ouvido de tudo. Mas aquelas vozes, aquele som épico… E o que eles estavam dizendo? Não era possível! Aquilo não era pop; aquilo era poesia sublime; como por exemplo na bela “Nem a Felicidade Suportou Minha Dor”: “Me tire daqui / Me lance em outro mundo / Não tenho vontade de perder as pessoas / Sinto que seriam eternas / A felicidade chegou a mim / Mas não suportou minha dor”. Todas as outras músicas, todos os arranjos, pareciam o tema de um revolucionário romântico partindo para a eternidade com a mais bela musa sobre a Terra.

Ao anunciar “Flashes Molhados”, a segunda música inédita (das oito apresentadas, cinco já estavam disponíveis no MySpace), o carismático, divertido e envolvente Bruno Alexandre, cuja performance com olhares, gestos, dança e conversa com o público mostrou seu domínio de cena, revela alguns dos seus ídolos, que inclui o “rei” da jovem guarda – uma de suas maiores influências – Roberto Carlos.

Como toda canção que nos faz chorar e que salva nossas vidas, ela diz: “Preciso de um coração batendo forte / Cheio de emoções à flor da pele / Mas quando eu chorar no palco / Não se preocupe, amor / É certo que estou lembrando de você / É pra chorar / É pra chorar, amor / O vazio que você deixou ninguém vai tapar”.

E assim, às lágrimas e observado por rastas, punks e boêmios, caminhei pelas calçadas sujas da Ribeira até o ponto de ônibus, que me trouxe de volta para a velha casa com a certeza de que a música potiguar nunca mais será a mesma depois que ela atingiu esse extremo de beleza e transcendência tão grande com o Projeto Trinca. Agora eu não tenho mais nada a aprender.

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