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Interesse social limita ocupação

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Isaac Lira – repórter

A questão é a vista. São dois locais distintos. No primeiro ponto, a partir da Praia do Meio, é impossível, na maioria dos ângulos, visualizar um dos cartões postais de  Natal: o farol de Mãe Luiza. Por outro lado, a imagem do traçado sutil e bonito da costa potiguar entre Ponta Negra e a Redinha está disponível para o deleite de nativos e turistas. Contraditórias, as duas situações são fruto de um processo histórico que remonta ao fim da década de 60, quando Natal começou a delinear o direito à paisagem e à moradia para a população marginalizada, e que desemboca nos dias de hoje.

É justamente a história, as tensões, os erros e acertos o tema da tese de doutorado da procuradora municipal Marise Costa. Marise estudou um período de 25 anos (entre 1984 e 2009) verificando o enraizamento das leis de proteção à paisagem e ao direito de moradia da população com menor poder aquisitivo, instalada em zonas de grande interesse econômico. “Posso dizer que Natal conseguiu assegurar direitos e preservar partes importantes da sua história e do seu patrimônio natural, apesar das tentativas de loteamento dessas áreas”, explica.

O trabalho de Marise Costa, chamado “Espaços especiais em Natal (Moradia e Meio Ambiente)”, que deve ser lançado como livro em breve, foi realizado sob a orientação da professora Maria Dulce Picanço Bentes, no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN. A linha de pesquisa é  “Política e Projeto Territorial e Urbano”. A tese foi defendida e aprovada no último dia 16. Ainda não há previsão de lançamento em livro, mas a publicação foi sugerida pela banca examinadora. “Até porque em 2011 teremos a revisão do plano diretor”, aponta Marise Costa.

Zona de Proteção Ambiental,  Zona Especial de Interesse Turístico, Área Especial de Interesse Social. Há hoje vários locais onde a possibilidade de ocupação é limitada em favor do chamado interesse social. A partir disso, por exemplo, a orla de Natal tem um limite de 7,5 metros verticais para as construções. A interpretação é que, com construções maiores, a vista da praia e das dunas ficaria prejudicada.

Da mesma forma, há limites para se ocupar a vila de Ponta Negra, por se tratar de uma área valiosa em termos imobiliários, mas ocupada por uma população sem tantos recursos e que poderia ser “expulsa” pela especulação imobiliária.

Nem sempre foi assim, mas a pesquisadora identificou uma preocupação com preservar esses espaços desde o primeiro plano urbano de Natal, o Plano Serete, de 1968, que primava pela preservação da orla. De lá até aqui, esses pontos – paisagem, incluindo patrimônio histórico e natural, e moradia – conseguiram ser preservados pela sociedade, muitas vezes a custa de engajamento da sociedade civil organizada. São exemplos: a votação do Plano Diretor em 2007 e as polêmicas sobre a construção de espigões nos arredores do Morro do Careca.

A tensão encontrada por Marise Costa, a partir da análise de atas do Conselho Municipal de Planejamento, matérias de jornal e em entrevista, é entre o apetite imobiliário por essas áreas e a tentativa de mantê-las por parte de movimentos sociais e membros do poder público.

Coincidência ou não, os locais considerados mais valiosos para a cidade, seja do ponto de vista ambiental ou histórico, são justamente os mais cobiçados e possivelmente lucrativos. Não é de se estranhar a existência de conflitos. O importante é perceber como a cidade lida com eles.

Moradores cobram o direito de ver

Albanez Gomes e Francisco  Antonio Filho cobram o direito de ver. Pode parecer algo supérfluo, mas não é. Instalados há mais de 20 anos no morro de Mãe Luiza, os dois relembram com saudade a época em que bastava sair para a varanda de casa e o Oceano Atlântico aparecia, azul e profundo, à frente de seus olhos. Contudo, isso foi antes. Hoje, os dois aposentados se deparam com várias torres de cimento e concreto à frente do mar. Esse é o resultado de um processo que remonta à década de 80 e que encobriu até mesmo o Farol de Mãe Luiza, um dos símbolos da cidade.

Marise Costa, pesquisadora da UFRN e procuradora do Município que recentemente estudou o tema, assegura que o direito à paisagem é concreto e necessário. “A orla de Natal, o Morro do Careca, as dunas, o Forte dos Reis Magos, o Farol, tudo isso é um patrimônio da cidade. A sociedade, a população, têm o direito de desfrutar desses bens de maneira plena”, afirma. Um prédio localizado em frente ao Morro do Careca, por exemplo, partindo desse ponto de vista, “privatizaria” em parte a vista. O que era de todos, passaria a ser de alguns.

Esse é o direito à paisagem citado pela pesquisadora. Através do mesmo conceito, a sociedade civil conseguiu impedir a construção de espigões ao lado do Morro do Careca, em 2006 e, mais recentemente, em 2009. A promotora do Meio Ambiente, Gilka da Mata, utilizou argumentação semelhante ao pedir na Justiça o embargo das obras.

Da mesma forma, a sociedade não conseguiu assegurar a preservação de uma das áreas mais importantes para a água potável da cidade. É o caso de Lagoinha. Localizada entre Ponta Negra e Cidade Verde, a área teve recentemente a possibilidade construtiva liberada na Justiça. Antes disso, um condomínio horizontal de luxo já havia sido liberado através do mesmo caminho. O caso suscitou polêmicas inclusive na Justiça, contando com a participação do Ministério Público, tanto Federal quanto Estadual. “Hoje um dos pontos de fragilidade é uma série de liberações na Justiça de empreendimentos. A área da Lagoinha é um exemplo”, diz. Outro caso mais famoso é o do San Vale, considerado o último reservatório de água potável livre de nitrato da cidade.

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