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Investimentos que promovem a justiça social

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» entrevista » Ruy Braga – especialista em Sociologia do trabalho

Margareth Grilo – Editora de Natal

“A economia brasileira se quiser crescer com justiça social tem de investir em setores que agreguem tecnologia. Tem de investir em ciência e tecnologia, em setores que tenham alto desempenho tecnológico”. A avaliação é do sociólogo Ruy Braga. Para ele, o que explica a popularidade dos governos Dilma – e explicou a popularidade do governo Lula – é a atual situação do mercado de trabalho no país, que está aquecido. Mas manter esse aquecimento, adverte o professor da USP, exige “resgatar o interesse público” e “utilizar o recurso público naquilo que é interesse público”. Nesta entrevista, Braga também fala da possibilidade de reeleição de Dilma, que ele acredita ser real se o governo conseguir manter o mercado de trabalho aquecido. Confira a entrevista:
O professor da USP publicou no ano passado o livro Política do precariado: do populismo à hegemonia lulista
Em seu livro, o senhor fala em hegemonia lulista. Como explicá-la?
O PT conseguiu efetivamente construir através de um processo de absorção das principais lideranças populares, e em especial do movimento sindical, uma forma de consentimento ativo ao seu próprio projeto de poder, que gravita em torno do de Lula, de Dilma. E isso evidentemente tem um forte impacto sobre a dinâmica dos movimentos sociais do país. Por outro lado, nós temos o consentimento passivo das classes trabalhadoras a esse projeto de poder porque de fato elas foram seduzidas por um aumento muito expressivo dos gastos sociais do governo, por um contexto de aquecimento do mercado de trabalho; por políticas ativas de emprego e salário, como é o caso do reajuste do salário mínimo; e por políticas redistributivas, como é o caso do Bolsa Família. Na minha opinião essa combinação explica em grande medida a força do atual regime político.

O senhor fala que essas conquistas econômicas nesses anos de governo petista explicam a hegemonia lulista. Elas também ajudam a explicar a popularidade de Dilma, que é crescente?
Eu digo que o explica a popularidade do governo Dilma e que, em grande medida, explicou a popularidade do governo de Lula, é a atual situação do mercado de trabalho no país, que está aquecido. A taxa de desemprego, em termos históricos, está efetivamente muito baixa – ela é menos da metade do que no início do governo Lula, em 2003. Então a taxa de desemprego é muito baixa. O mercado de trabalho realmente está aquecido. Existem ganhos salariais reais, por parte das principais categorias de trabalhadores do país. Então se existe efetivamente ganhos salariais os trabalhadores olham para o futuro com certo otimismo. Então nesse quesito, a Dilma colhe efetivamente os frutos de uma situação do mercado de trabalho relativamente favorável aos trabalhadores.

O senhor acredita que ser possível manter o mercado aquecido?
Do ponto de vista imediato, em curto prazo, não deve ocorrer uma mudança muito drástica na atual situação do mercado de trabalho. Pelo menos, até o ano que vem – posso estar equivocado – mas creio que não haverá desemprego em massa, ou uma mudança profunda do comportamento da atual dinâmica do mercado de trabalho. No entanto, nós temos que levar em conta que o país hoje faz parte de uma economia internacional, que  a crise capitalista tende a se aprofundar ainda mais, e o Brasil tende a ajustar-se a esse ciclo econômico recessivo em termos internacionais. Então, nesse sentido eu olho para o futuro com certo pessimismo porque sem crescimento econômico fica muito difícil manter uma situação favorável para a renda do trabalhador.   
Ruy Braga é sociólogo, especialista em Sociologia do Trabalho. Atualmente, é professor do Departamento de Sociologia da USP
O senhor vê possibilidade de reeleição de Dilma em 2014?
Eu acho que sim. Tudo depende do desempenho da economia. Sem um contexto internacional favorável e sem condições de  continuar alimentando crédito, a tendência é de que esse modelo apresente sinais de fadiga. Se o mercado de trabalho permanecer aquecido até ano que vem, se não acontecerem demissões em massa eu acredito que Dilma se elege com facilidade. No entanto, eu vejo um eventual segundo  governo Dilma em maus lençóis, do ponto de vista do atual modelo, porque de fato ela vai ter muita dificuldade. E ela já está cedendo, fez uma guinada,  através da política de aumento dos juros, concessões privatistas, privatizou os portos, que é uma coisa inédita. São pouquíssimos países que tem portos privatizados. Privatizou aeroportos, rodovias. É uma onda privatista que mostra uma quinada. E mesmo assim os investimentos não estão acontecendo. Então se o governo resolver continuar nessa linha, que significa basicamente prejuízo para os trabalhadores, ou se os trabalhadores se mobilizam e lutam contra, a situação vai ficar muito complicada no futuro.

Então, o senhor discorda da política interna do governo Dilma?
É um desastre total  do ponto de vista dos trabalhadores, porque a Dilma assume a plataforma dos empresários, contra os interesses dos trabalhadores. A desoneração da folha de pagamento é um ataque contra a previdência pública; privatização é um ataque contra o patrimônio público;  aumento de juros é um ataque contra o estado, contra a capacidade do governo de gastar co o social, porque aumenta muito a dívida. Então você tem uma série de medidas que foram tomadas para reativar supostamente o investimento que não veio. O governo está tentando seduzir o empresariado, mas o que está acontecendo de fato é o retorno do modelo neoliberal totalmente contrário aos interesses do país.

O que Brasil precisa?
Resgatar o interesse público. Acho que o governo não pode utilizar do expediente da dívida pública para remunerar o capital. O governo tem de utilizar o recurso público naquilo que é interesse público. O governo precisa colocar o orçamento da União, ou seja, usar sua capacidade de investimento à serviço das reais necessidades dos trabalhadores. Nesse sentido é exatamente o contrário do que a Dilma fez. Economia brasileira se quiser crescer com justiça social tem que ter uma forte regulação estatal e investir em setores que são intensos em termos de crescimento, que agreguem tecnologia. Tem de investir em ciência e tecnologia, em setores que tenham alto desempenho tecnológico.

Voltando ao governo Lula, o senhor considera  profundas as mudanças que ocorreram?
Costumo dizer que os últimos dez anos foram marcados por uma certa ambiguidade. Por um lado você teve ganhos, em especial relacionados à formalização do mercado de trabalho, ao emprego formal. Foram criados por ano, em média, 2,1 milhões de empregos no país, no entanto, cerca de 2 milhões (94%) pagam até 1.5 salários mínimos. Eles estavam muito concentrados no setor de serviços, que tem dificuldade de promover grandes produtividades. Eles foram empregos de baixa qualificação. São ocupações submetidas a altas  taxas de rotatividade no trabalho, vamos dizer assim, há uma situação de super exploração do trabalho, que leva a um aumento nos acidentes de trabalho, do adoecimento do trabalhador. É o que a gente pode chamar de consumo degradante da força de trabalho.
Sociólogo da USP, Braga defende que empresas nacionais invistam em ciência e tecnologia, promovendo melhorias no trabalho e nos indicadores de justiça social
O que os trabalhadores precisam?
Acho que temos alguns desafios do ponto de vista do mundo do trabalho. O primeiro desafio, mais imediato, é barrar essa taxa de rotatividade. Ela é muito alta, ela está sendo ampliada, e está sendo ampliada contra a renda do trabalhador porque toda a vez que ele é demitido, ele é readmitido com salário menor e isso é muito prejudicial. Nós não temos no Brasil uma cláusula contra a demissão imotivada. Então, o mercado de trabalho é muito flexível. Contratar é muito fácil, demitir é muito fácil. Contratar é muito barato, demitir é muito barato. Então, você não tem proteção capaz de dar conta dessa situação. Por exemplo, só para você ter ideia: entre 2009 e 2012, a permanência média do trabalhador no emprego caiu de 19 para 16,3 meses, o que é evidentemente muito pouco. Uma segunda questão é a falta de leis que protejam contra a precarização. Nós precisamos efetivamente conter essa onda de terceirizações que atacam efetivamente as condições de trabalho e de remuneração do trabalhador. O movimento sindical tem que voltar a discutir a diminuição da jornada de trabalho, sem diminuição de salário, importante não apenas para distensionar o ambiente de trabalho do ponto de vista das condições de trabalho, mas para também criar empregos e fortalecer a capacidade de negociação dos trabalhadores.

O senhor citou várias características dessa precarização. O que mais preocupa?
Contrato de trabalho por tempo determinado, jornada de flexíveis, flexibilidade de demissão e contratação, jornadas de trabalho extensas. Só para você ter ideia as  principais revindicações que ocorreram das principais categorias organizadas em 2012, do setor privado da economia, dizem respeito basicamente à alimentação, pagamento de FGTS, pagamento de direitos sociais, ou seja, tudo aquilo que mostra quão precário está a situação hoje no país porque você tem que fazer greve para que seu fundo de garantia seja recolhido, você tem que fazer greve para que o ticket de alimentação seja reajustado, enfim, você tem que fazer greve para coisas que já deveriam ter sido resolvidas há muito tempo.

O que o senhor pensa do programa Bolsa Família?

Não sou um especialista em Bolsa Família, mas os estudos que tenho acompanhado mostram que as críticas vinculadas ao assistencialismo não fazem muito sentido. É claro que num universo de 60 milhões de pessoas você vai encontrar casos onde existe burla, onde existe algum tipo de corrupção, no entanto, eu sou um fã incondicional do programa pelo fato de que ataca efetivamente necessidades absolutamente sentidas pelas camadas mais pobres da população. Acho que o Bolsa Família não é que ele seja inadequado, acho que ele é insuficiente. Ele teria que ter mais recursos, alcançar mais pessoas. É um programa muito bem sucedido e que deve ser ampliado e aperfeiçoado.

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