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Japão se recupera dos danos do terremoto, mas ainda enfrenta crise

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Priscila Arone e Gustavo Nicoletta
Agência Estado

São Paulo  – O Japão conseguiu se recuperar de boa parte dos choques econômicos trazidos pelo terremoto e pelo tsunami que atingiram o país em 11 de março do ano passado, mas agora precisará lidar com outros fatores prejudiciais ao crescimento, como a crise financeira na Europa e a rápida valorização do iene, que torna os produtos japoneses mais caros no mercado internacional. Após oito anos de expansão, a economia do Japão encolheu de forma acentuada entre os anos de 2008 e 2009, sentindo os efeitos da crise financeira mundial, que atingiu principalmente as nações desenvolvidas. Em 2010, quando o Produto Interno Bruto (PIB) japonês voltou a crescer, a uma taxa de 4,4% na comparação com o ano anterior, havia amplas expectativas de que a trajetória de recuperação seria mantida.
Usina de Fukushima destruída: antes do tsunami de 2011, energia nuclear respondia por 30% da matriz energética do Japão
Na época, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que o Japão cresceria 1,6% em 2011. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) esperava uma expansão um pouco maior, de 1,7%. O desastre natural e nuclear que atingiu o país, entretanto, cobrou seu preço: a economia do país encolheu 0,9%, em grande parte por causa do terremoto e do tsunami, que mudaram completamente o cenário observado até aquele momento.

As regiões mais atingidas, no litoral leste do Japão, representavam apenas 2,5% de toda a economia japonesa segundo dados do governo. Apesar disso, houve impactos significativos sobre a indústria local. Em fevereiro de 2011, um mês antes do terremoto, o índice de produção industrial do país estava em 97,9 pontos, mas no mês seguinte encolheu 15,5%, para 82,7. O indicador voltou a subir posteriormente, mas continua abaixo dos níveis registrados antes do desastre. Em janeiro de 2012, o indicador ainda não tinha se recuperado para os níveis pré-desastre, em 95,3 pontos.

Empresas importantes para o setor de eletrônicos, como a Shin-Etsu Chemical e a Renesas, e a siderúrgica Sumitomo Metals tiveram unidades afetadas pelo terremoto e pelo tsunami, mas o segmento mais atingido foi o automotivo. Vários fornecedores de autopeças tiveram de interromper as atividades e uma fábrica da Nissan na cidade de Iwaki, com capacidade para produzir 370 mil motores por ano, foi severamente danificada, levando cerca de dois meses para voltar a operar com força total. A Toyota, que produz metade de seus veículos no Japão, também foi prejudicada.

Outro fator que contribuiu para desacelerar a economia do país foram os cortes de eletricidade provocados direta e indiretamente pelo derretimento de três reatores na usina nuclear Daiichi, em Fukushima. O evento impediu a unidade de gerar energia e resultou no vazamento de material radioativo, levando as autoridades japonesas a ordenarem a interrupção das atividades em outras usinas para inspeções de segurança.

Apesar disso, “a economia japonesa está superando a turbulência causada pelo terremoto de 11 de março e pelos problemas com o fornecimento de eletricidade subsequentes”, de acordo com um relatório elaborado por analistas do Bank of Tokyo-Mitsubishi UFJ. Segundo eles, o PIB do Japão teve uma recuperação significativa no terceiro trimestre do ano passado e voltou a encolher nos últimos meses de 2011 basicamente por causa da desaceleração da economia mundial e da apreciação do iene. No início de 2010, o dólar era cotado a pouco mais de 90 ienes, mas perdeu força em relação à moeda japonesa nos meses seguintes e fechou aquele ano abaixo de 85 ienes. Em meados de 2011, quando o alto nível de endividamento dos EUA passou a chamar mais a atenção do mercado financeiro, o dólar recuou para menos de 80 ienes.

Isso pesou sobre os resultados financeiros das empresas do Japão, que passaram a receber menos dólares pelos produtos exportados e não encontraram demanda doméstica suficiente para compensar o impacto da variação cambial. “A economia japonesa foi toda direcionada para o mercado externo e não existe mercado interno que dê conta da produção”, disse Juliana Costa, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), que também vê nas condições da economia internacional um empecilho para a recuperação do país.

Para analistas do banco Nomura, uma piora na crise das dívidas soberanas da Europa poderia afetar o crescimento do Japão, mas há alguns fatores que podem dar suporte à expansão do país no primeiro semestre deste ano. “Achamos que a recuperação no Japão desacelerou acentuadamente desde meados do ano passado por causa da escassez de eletricidade e também porque levou tempo para a demanda da reconstrução surgir”, afirmaram, acrescentando que ainda havia entulho sendo removido das áreas destruídas e que houve demora na aprovação dos planos de investimento público nessas regiões.

País reavalia plano para usina nuclear

São Paulo (AE) – O acidente na usina nuclear Fukushima-Daiichi, no Japão, na sequência do terremoto seguido de tsunami que atingiu o noroeste do país há um ano, levou a indústria nuclear a reavaliar o plano de emergência de suas usinas e investir no reforço de seus planos de segurança. Os países, por sua vez, se questionaram sobre a expansão dessa fonte em suas matrizes energéticas, dividindo-se em três grupos: aqueles que determinaram a redução paulatina de sua geração nuclear, os que optaram por manter seus programas de expansão e os que preferem “esperar e observar”. Por isso, entre especialistas do setor, a avaliação é que o acidente de Fukushima deixará como legado usinas mais seguras, mas ainda não está clara qual deve ser a participação dessa fonte de energia nos próximos 25 anos.

A Agência Internacional de Energia (AIE), em seu relatório “Panorama Mundial de Energia 2011” (World Energy Outlook), projeta que a participação das usinas nucleares na geração de eletricidade deve ficar entre 10,3% e 19,8% até 2035, em comparação com os atuais cerca de 13%, com capacidade instalada de 375 GW. Em seu cenário central, a agência indica que países com projetos ativos de construção de usinas nucleares – como China, Índia e Coreia do Sul – manterão seus programas, levando a produção de energia nuclear a crescer mais de 70% até 2035. Mas a AIE também projeta um “cenário nuclear baixo”, no qual assume que não serão construídos novos reatores nos países da OCDE.

Destruição apressou queda de Kan

São Paulo (AE) – O terremoto e subsequente tsunami que atingiram o Japão em março de 2011 devastaram o país e também a popularidade do então primeiro-ministro do país, Naoto Kan. Cinco meses depois do desastre, Kan se viu obrigado a renunciar em meio a baixos índices de popularidade e sob forte pressão, com críticas crescentes pela falta de liderança que demonstrou após a crise em Fukushima. “Faltou liderança e iniciativa. Tinha de fazer o que um político faria: colocar uma jaqueta e ir para a área do desastre, anunciar medidas nos meios de comunicação”, avalia o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador do Brasil no Japão (2008-2010), Luiz Augusto de Castro Neves. Para ele, Kan foi burocrático. “Ele achou que o porta-voz falaria melhor do que ele. Até poderia falar melhor, mas nessas horas, a população espera ver o líder falando”, afirmou.

Análise semelhante fez o diretor acadêmico das Faculdades Integradas Rio Branco, Alexandre Uehara. “(A crise em Fukushima) foi talvez um dos momentos mais importantes depois da Segunda Guerra (1939-1945), e o premiê não aparecia. Na maioria das vezes, era o porta-voz quem aparecia”, lembra Uehara. Para ele, Kan perdeu a oportunidade de se posicionar como liderança importante no Japão e se fortalecer. “Antes de assumir o cargo, Kan era apontado como o líder da oposição, mas quando chegou ao posto de primeiro-ministro e surgiu o momento em que poderia fazer algo, ficou um pouco tímido, para dizer o mínimo”,  critica.

Crise japonesa tem reflexos no Brasil

São Paulo (AE) – O desastre no Japão teve reflexos diretos no Brasil.  O número de brasileiros vivendo no Japão encolheu de 310 mil em 2007 para 223,5 mil em 2011, segundo dados do Itamaraty e do Ministério da Justiça do Japão. Somente em 2011, o número de brasileiros residentes no Japão caiu 6,7% em relação a 2010, o maior porcentual entre os grupos de estrangeiros mais representativos no país – que inclui chineses, coreanos, filipinos e peruanos.  O cônsul-geral do Brasil em Tóquio, Antonio Carlos Coelho da Rocha, alerta que esse número ainda pode ser maior. Segundo ele, a conta deve chegar a 8,9%, já que a pesquisa do Ministério da Justiça japonês não contabiliza os brasileiros com nacionalidade japonesa. “De forma direta, o desastre e, principalmente, a crise nuclear, ocasionou a saída de poucos brasileiros em termos relativos. Mas, de forma indireta, o impacto sobre a produção automobilística agravou a crise no momento em que a saída de brasileiros do país desacelerava.”

O movimento de retorno dos brasileiros que viviam no Japão, frequentemente chamados de dekasseguis, começou na esteira da crise financeira e econômica global de 2008. Naquele ano, as remessas de dólares dos dekasseguis para o Brasil ainda foram elevadas, somando US$ 717,2 milhões, segundo dados do Banco Central. Em dezembro de 2011, esse volume já tinha encolhido 59,6%, para US$ 289,2 milhões – o menor nível histórico desde  1995.

Alemanha e Itália buscam alternativas

Entre os países que mais fortemente se posicionaram contra a energia nuclear estão a Alemanha e a Itália. Ainda nos primeiros dias após o acidente em Fukushima, a chanceler alemã Angela Merkel anunciou a suspensão da extensão da vida útil de 17 usinas nucleares no País, aprovada em 2010, retomando o plano do governo antecessor (democrata-verde) de eliminar progressivamente a energia atômica na Alemanha até 2021. Já a Itália realizou em junho do ano passado um referendo sobre um programa nuclear, defendido pelo então primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Com forte participação da população (57%), mais de 90% dos eleitores rejeitaram a ideia.

Críticos apontaram, entretanto, que em ambos os casos houve forte conotação política influenciando as decisões. A significativa participação no referendo rejeitando todas as propostas de Berlusconi – além do programa nuclear, foi colocada em consulta a privatização do abastecimento de água e a imunidade jurídica para o premiê – foi interpretada como uma mostra da insatisfação popular com o governante, que deixou o poder cinco meses depois. Já o anúncio de Merkel foi feito dias antes de eleições estaduais em áreas onde há usinas nucleares instaladas e nas quais seu partido disputava voto a voto com a oposição.  No Brasil, o Plano Nacional de Energia 2030 prevê a instalação de quatro usinas nucleares, além de Angra 3, cuja construção está em andamento. Um novo plano, para até 2035, deve ser divulgado até o final do ano.

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