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Jardim de ou do Piranhas?

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João Medeiros Filho
Padre 
Lá se vão quase setenta anos do meu ingresso no Seminário Diocesano de Caicó. Ali, convivi com Manoel Etelvino, Rui Gomes e Laércio Segundo de Oliveira, ao qual muito deve a educação do Rio Grande do Norte. Com este último mantenho, há décadas, uma amizade sem rusgas e abalos. Após o rito litúrgico de iniciação clerical, na Sé de Olinda – antes de minha partida para a Bélgica – ele me fez a primeira tonsura. Os três jovens citados eram naturais da terra de Padre João Maria, nascido no sítio Logradouro, perto do “povoado de Jardim do Piranhas”. Assim se expressava Monsenhor Emygdio José Cardoso, pároco do município de Caicó, no início do século XX, do qual era distrito, à época, Jardim de Piranhas. 
O venerando arcipreste da freguesia de Santana inspirava-se nas palavras do apóstolo Paulo: “Permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas.” (1Ts 2, 15). Como informação paralela, conta-se que Padre Emygdio sugeriu ao professor Pedro Gurgel a mudança do nome de Armando para Walfredo (nosso futuro governador). O vigário caicoense era amigo e admirador de outro Walfredo (Leal Soares), que estivera à frente do governo paraibano, tendo sido também deputado e senador da República. Pareceu uma profecia. Foi essa a mesma trajetória de nosso inolvidável ex-governante. 
O historiador Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo, descrevendo as paróquias e comunidades da antiga diocese da Paraíba, adota a denominação: “Jardim do Piranhas, capela de Caicó”. Até hoje, a pergunta permanece: Jardim de ou do Piranhas? A denominação atual de Jardim de Piranhas leva a pensar que a localidade tinha abundância dessa espécie ictiológica. As palavras referem-se ao Rio Piranhas-Açu, que banha a cidade. Na verdade, trata-se de uma figura de sintaxe: elipse (no caso, a omissão do termo rio). No entanto, a denominação atual do município tem causado dubiedade.
Segundo o jesuíta Serafim Leite, “era tradição dos missionários nominar os lugares, anexando identificações de acidentes geográficos: rios, montanhas, serras, vales etc.” Cabe considerar a toponímia como uma das heranças culturais legadas pelos indígenas. Portanto, o jardim é do Rio Piranhas. Assim foram “batizadas” outras localidades potiguares e de outros estados: Jardim do Seridó, São João do Sabugi, São Miguel do Jucurutu (nome primitivo da paróquia e município). O costume generalizou-se. Assim, temos São Paulo do Potengi, São Bento do Trairi, Santa Cruz [do Inharé] etc. com aposição dos nomes fluviais. Da mesma forma, verifica-se a denominação de Serra de João do Vale (referência ao vale do Assú). Conceição do Piancó (PB), tendo o aposto do nome da região e do rio paraibano. O mesmo acontece com Santana do Acaraú (CE). Atualmente, alguns lugares ainda levam a designação completa do acidente geográfico, por exemplo: São João do Rio do Peixe (PB), Caiçara do Rio dos Ventos, Cachoeira do Rio dos Sapos (RN) etc. 
Há de se zelar pelas primitivas denominações das localidades. O parlamento estadual e as câmaras municipais devem, quando necessário, consultar os Conselhos de Cultura ou Institutos Históricos para elucidar dúvidas e obter esclarecimentos. Por vezes, em documentos oficiais (leis decretos, portarias, resoluções, instruções normativas, pareceres etc.) soe acontecer inexatidões e erros. Também no campo educacional, não é raro o emprego de termos incorretos presentes em atos emanados dos poderes públicos, em desacordo com a Lei 9394/96 (em seus artigos 8º-11), quando trata da organização da educação nacional.
Lembro-me de uma conversa entre Monsenhor Walfredo Gurgel, Osvaldo Lobo e Plínio Dantas Saldanha (Marinheiro), por ocasião de um almoço oferecido por meus pais aos amigos. O erudito presbítero potiguar corrigia com maestria e delicadeza os comensais, quando aludiam a Jardim de Piranhas. O sacerdote retrucava, afirmando que estavam incorrendo em erro histórico-cultural. Conhecedor das nossas tradições, Monsenhor Walfredo Gurgel lembra as palavras de Cristo: “Não vim abolir a Lei…, mas completá-la” (Mt 5, 17). Mostrava, há mais de sessenta anos, a necessidade de se rever a terminologia e empregar corretamente a designação do município seridoense. E arrematou, de forma lapidar: “a verdade histórica e cultural deve prevalecer sobre outros interesses!”
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