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João Jardim filma Getúlio e põe na tela a história do país

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Luiz Carlos Merten/AE

Rio de Janeiro — É uma cena curta – paramentado como Getúlio Vargas, Tony Ramos tem apenas de dar alguns passos e entrar num carro. Mas o simples pode ser complicado, e a cena é importante. É quinta-feira à tarde, no Rio, e daqui a pouco o centro da cidade será conflagrado por uma manifestação – que não foi violenta, é bom acrescentar. Mas o trânsito ficou carregado e os efeitos se sentem até ao redor do Palácio do Catete, onde, nesta tarde, termina parte das filmagens de “Getúlio – Últimos Dias”.

O longa produzido pela Copacabana, empresa de Carla Camurati, é o filme mais caro realizado pelo marido dela – João Jardim. Ele é conhecido por seus documentários, mas aqui se exercita na ficção, e uma ficção ambiciosa. “Últimos Dias” recria um momento turbulento da história do Brasil. Getúlio Vargas é o presidente, eleito democraticamente após ter sido ditador. E está isolado no palácio de governo. Os últimos dias são exatamente 19, entre o atentado da Rua Toneleros, quando o guarda-costas de Getúlio, o cabo Fortunato, tentou matar o jornalista Carlos Lacerda, que enfeixava o clamor da oposição, fustigando o presidente com suas críticas, e o 24 de agosto de 1954, quando Getúlio se matou.

Apesar da vocação documentária de João Jardim, o filme é uma ficção – escrita por George Moura. Constrói-se, do ponto de vista dramático, entre dois tiros – o desfechado contra Lacerda e o que Getúlio dirigiu para o próprio peito. Por isso mesmo, lá atrás, há quatro anos, quando Jardim e Moura começaram a trabalhar no projeto, eles chegaram a pensar que “Entre Dois Tiros” poderia ser um bom título. Mas será como “Getúlio – Últimos Dias” que o longa chegará aos cinemas, antecipando o debate que os 60 anos do suicídio, no ano que vem, certamente vai desencadear. Existem produções mais caras no cinema brasileiro atual, mas R$ 6 milhões é um bom dinheiro. Chega a ser barato, quando se avalia que o filme está sendo rodado em película, em sete semanas, é de época (o que envolve reconstituição) e tem um extenso elenco.

São 35 atores, todos com direito a falas. Getúlio, neste particular momento que está sendo filmado, não diz nada. Ele aguarda o carro já ao pé da escada do palácio. Avança decidido. Mesmo assim, a cena, depois de ensaiada, é repetida cinco ou seis vezes. Pois ela envolve uma representação do poder e a tomada de cima, escolhida pelo diretor, inclui o mastro com a bandeira do Brasil e ela não tremula do jeito que o diretor quer Durante os 19 dias ficcionalizados no filme, Getúlio só saiu uma vez do palácio – para inaugurar uma siderúrgica, em Minas.

Ele é um homem isolado, acuado. A oposição o acusa de ser o mandante do crime. Os aliados querem que ele dê um golpe e reúna seus apoios para resistir. “Já rasguei duas vezes a Constituição e não vou rasgar a terceira”, ele diz aos assessores. O Getúlio eleito pelo povo não é o mesmo que tomou o poder pela força. Numa reunião com seu gabinete, filmada ali mesmo no Catete – e na sala com acesso pela escada em que ele espera o carro – o presidente já disse que, daqui, “só saio morto”. Daqui – do palácio. Desenha-se o suicídio. O filme humaniza Getúlio, mas não o mitifica nem absolve de seus erros. “Estou sendo jornalístico”, diz João Jardim.

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