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João Ubaldo em Berlim

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Ivan Maciel de Andrade    
advogado

O romancista e cronista João Ubaldo Ribeiro passou 15 meses em Berlim no início da década de 90. E em 1995 publicou o livro de crônicas “Um brasileiro em Berlim” (minha edição da Objetiva é de 2011). Nele descreve as suas múltiplas e bem-humoradas experiências no desconcertante, surpreendente e algumas vezes intrigante contato com o idioma, os costumes, a cultura, a maneira de ser e de conviver dos alemães. As observações e análises, por mais importantes e significativas, são feitas de uma forma que faz rir, pelo humor e descontração. Sem prejuízo das reflexões de caráter sociológico, político e até filosófico que suscitam. Isso tudo sem perder a leveza e o tom espirituoso.

Na realidade, as crônicas evidenciam as qualidades excepcionais de um dos melhores, mais lidos e traduzidos ficcionistas da contemporânea literatura brasileira. São crônicas que assumem algumas vezes uma dimensão surrealista já que os fatos não deixam de ser concretos mas são vistos sob a ótica de uma poderosa imaginação que os distorce e desfoca em caricaturas jocosas e paródias sarcásticas. Através de episódios em que o principal personagem, o cronista, é sempre o mais engraçado e desastrado anti-herói, são revelados aspectos da sociedade alemã que comumente passam despercebidos a um estrangeiro que mora em Berlim. E que são, entretanto, essenciais à compreensão de um país e de um povo com trágico e execrado protagonismo histórico durante a Segunda Guerra Mundial. Pois, enfim, os horrores do nazismo ainda dilaceram a memória universal. 

A primeira crônica do livro descreve o voo para Berlim na classe “que as companhias aéreas chamam de ‘econômica’”. Puro eufemismo. Lá se trava uma luta dramática, na aparência histriônica,  “por um lugar na fila do banheiro”. Vale a pena transcrever: “(…) velhotas ansiosas, jovens senhores de tornozelos entrelaçados e olhos cravados no teto, damas de bolsa na mão fingindo que vão ali apenas para retocar a maquilagem, um cavalheiro de olhar severo que mira seus antecessores na fila com evidente rancor, a indignação geral contra a gordinha que acaba de entrar e fechar a porta levando consigo um exemplar de ‘A montanha mágica’, um menino de nariz escorrendo explicando à mãe que não se responsabiliza pelo que pode acontecer, se não lhe conseguirem uma vaga imediatamente.”

O cronista, já em Berlim, diz acreditar “já ser bem conhecido pelos arredores da avenida mais famosa de Berlim, perto de onde (ele) mora.” Explica: “Gostaria de dizer que essa notoriedade se deve à camaradagem que estabeleci com vizinhos, funcionários de lojas e supermercados, carteiros, policiais, lixeiros, atendentes de quiosques e outros que aqui militam.” Afirma ironicamente que não o desagradaria “explicar que é assim tão conhecido por seus dotes físicos” ou por sua notoriedade de escritor. Reconhece com falsa amargura: “Ai de mim, não é nada disso.” Passa, com a mesma ironia, a depreciar-se: não sabe se comunicar em alemão nem orientar-se em Berlim. Mas termina não só dominando o idioma como amando a cidade. No entanto, a crônica mais impressionante, que vale por todo o livro, é autobiográfica, sobre a formação cultural do escritor e se intitula “Memória de livros”.

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