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Jovem conta história de sequestro

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Michelle Faul
Associated Press

Lagos (AE) – Reunidas no dormitório da escola, as meninas ouviram os sons de disparos de armas de fogo vindos de um povoado próximo na noite de 11 de abril. Pouco depois, quando homens armados uniformizados entraram no dormitório prometendo salvá-las, as jovens inicialmente ficaram aliviadas. “Não se preocupem. Somos soldados”, relata uma menina de 16 anos que estava no dormitório naquela noite, atribuindo a fala a um desses homens. “Nada de mal vai acontecer a vocês.” Os homens armados coordenaram a saída para o pátio das centenas de estudantes da Escola Secundária para Meninas do Governo de Chibok. Eles então foram para as despensas e tiraram toda a comida. A seguir, atearam fogo ao dormitório. “Eles começaram a gritar ‘Allahu Akhbar’ (Deus é grande)”, lembra a menina. “Aí nós entendemos.”

E o que elas entenderam era apavorante. Aqueles homens não eram soldados de governo nenhum. Eles eram integrantes do implacável grupo extremista islâmico Boko Haram. Eles sequestraram todas aquelas meninas e as levaram a bordo de caminhonetes pela densa floresta da região. Passado quase um mês, 276 meninas continuam desaparecidas. A maior parte delas tem entre 16 e 17 anos. Pelo menos duas delas morreram depois de serem picadas por cobras e cerca de 20 adoeceram no período, segundo um intermediário que mantém contato com os sequestradores.

A situação das meninas – e a incapacidade do exército nigeriano de encontrá-las – chamou a atenção do mundo para a escalada de uma insurgência islâmica que causou a morte de mais de 1.500 pessoas somente este ano. O Boko Haram, cujo nome significa “a educação ocidental é pecaminosa”, assumiu a autoria do sequestro em massa e ameaça vender as jovens como escravas.
Em meio à comoção provocada pelo longo cativeiro, o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, aceitou uma oferta de ajuda dos Estados Unidos, o que inclui agentes especiais e ajuda material. O Reino Unido também ofereceu ajuda. O sequestro também motivou protesto em grandes cidades nigerianas e fora do país.

A menina de 16 anos que relatou o sequestro estava entre as cerca de 50 estudantes que conseguiram escapar de seus captores. Ela aceitou conversar com a Associated Press sob a condição de anonimato.

A Escola Secundária para Meninas do Governo de Chibok fica no remoto e esparsamente povoado nordeste da Nigéria. Este país de 170 milhões de habitantes vive uma divisão crescente e cada mais violenta entre o norte muçulmano e o sul cristão. Assim como aconteceu com todas as escolas do Estado de Borno, Chibok estava fechada por causa da mais recente ofensiva do Boko Haram.
Mas esta academia de elite para garotas cristãs e muçulmanas reabriu para que as meninas do último ano pudessem fazer as provas finais.

Por volta das 23h de 14 de abril, um funcionário do governo local, Bana Lawal, recebeu um aviso pelo celular. Disseram a ele que cerca de 200 milicianos armados a bordo de 20 caminhonetes e mais de 30 motocicletas dirigiam-se a sua cidade. Lawal disse ter avisado 15 soldados que guardavam Chibok.

Ele então acordou os moradores e recomendou a eles que fugissem para o mato ou na direção de montanhas próximas. Os soldados enviaram um pedido de socorro ao quartel mais próximo, distante 48 quilômetros, ou uma hora de carro por uma estrada de terra. Nenhuma ajuda foi enviada.

Quando os milicianos chegaram, cerca de duas horas depois do alerta, os soldados lutaram bravamente, assegurou Lawal. Mesmo em número menor e sem o mesmo poder de fogo, eles contiveram os insurgentes por cerca de uma hora e meia, enquanto esperavam desesperadamente a chegada de reforços. Um soldado morreu. A munição então acabou, e eles fugiram na tentativa de salvar as próprias vidas.

No meio da madrugada, os extremistas dirigiram-se à escola. Eles eram tantos que não foi possível estimar quantos, disse a menina que escapou. Então, antes mesmo de saberem que se tratava de extremistas islâmicos, elas sentaram-se obedientemente no chão. Os homens incendiaram a escola e conduziram as meninas a bordo da carroceria das caminhonetes.

Jovens pularam da carroceria do carro enguiçado

O comboio passou por três povoados antes de um dos veículos que vinha atrás quebrar. Foi quando a menina e uma amiga dela saltaram da caminhonete em que estavam. Algumas contestaram, mas uma delas disse: “A gente precisa fugir. Eu vou descer. Eles podem atirar em mim se quiserem, mas não sei o que eles vão fazer comigo se eu ficar”.  No momento em que elas pularam, o motor do carro que vinha atrás foi ligado. Os faróis foram acesos. As meninas não sabiam se os milicianos conseguiam enxergá-las ou não, então correram para o mato e se esconderam. “A gente correu muito rápido”, relatou a menina, que costuma se gabar de correr mais rápido que seus seis irmãos. “Foi assim que me salvei. Não tive tempo de ficar com medo. Simplesmente corri.”

Algumas outras meninas também conseguiram correr em direção ao mato e esperaram até que todos os carros fossem embora. Depois elas se reuniram entre as árvores e encontraram o caminho de volta para a estrada. Um ciclista passou por elas e as acompanhou de volta para casa. Elas foram recebidas de volta com lágrimas de alegria. “Sou a única menina da família, então tenho um lugar especial. Todos ficaram muito felizes”, relatou ela.  Passado quase um mês, este foi praticamente o último desdobramento positivo do sequestro em massa até agora.

O comando militar assegura que os soldados se empenharam nas buscas, empreendendo inclusive ações de vigilância aérea. No entanto, a incapacidade do exército nigeriano de encontrar as meninas minou tanto a confiança da população nos militares como abalou o moral das tropas.

Sob a condição de anonimato, diversos soldados relataram à Associated Press que se sentiam desmoralizados, uma vez que o Boko Haram possui mais e melhores armas e são mais bem equipados Os soldados nigerianos, enquanto isso, recebem pouco mais do que uma refeição por dia.

Sabe-se, segundo relatos de pais e de moradores da região, que algumas das meninas foram obrigadas a se casar com seus captores, vendidas por um valor simbólico equivalente a pouco mais de 20 reais. Não foi possível até o momento confirmar a veracidade desses relatos, mas acredita-se que as meninas tenham sido levadas para países vizinhos, como Camarões e Chade. O casamento forçado de crianças é relativamente comum no norte da Nigéria.

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