quinta-feira, 25 de abril, 2024
25.1 C
Natal
quinta-feira, 25 de abril, 2024

Jovens começam a beber mais cedo e álcool leva às drogas

- Publicidade -

Stênio Saraiva, professor,  dedica sua vida ao estudo das drogas

Uma diz assim: “Eu já não sei mais o que fazer / Bebo pra dormir / Acordo e vou beber / Essa mulher eu não consigo esquecer…” Uma outra diz: “Quer beber? Vamos fazer beber agora / Quer beber? Vamos fazer beber agora / Nos braços de uma morena pra fazer e não tem hora…” As duas músicas tocam a todo momento em grandes rádios do Nordeste, sucessos do forró atual.

Os dois hits são cantados por milhares de jovens, que seguem as famosas bandas por todas as cidades, em shows repletos de animação. E se as músicas incentivam o consumo excessivo do álcool, ainda deve haver quem discuta. Mas que os jovens estão bebendo cada vez mais cedo, e em quantidades maiores, isso é notório. E a identificação com as músicas torna-se instantânea.

Pesquisas no âmbito nacional são refletidas em nível local e o fenômeno é sinal de alerta. Uma pesquisa feita recentemente no Centro de Apoio à Criança, ao Adolescente e seus Familiares (Criad) – órgão ligado à 1ª Vara da Infância e da Juventude – traz números que assustam. Segundo o estudo, 25,9%  (88) dos adolescentes dependentes de droga de 340 jovens começaram a trilha do vício pelo álcool. E entre as moças e rapazes, 36,3% (123) começaram a se drogar na faixa entre 12 e 14 anos, enquanto 5,6% (19) tinham apenas entre 6 e 8 anos de idade.

O Criad presta serviços ambulatoriais e conta com profissionais de diferentes especialidades, na ajuda de jovens dependentes de drogas. É lá que trabalha o psicanalista Stenio Barros Saraiva, mestre em Biofísica, tendo trinta anos dedicados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Há 23 anos, o especialista perdeu um irmão, que morreu após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), causado pelo vício.

Desde então o professor Stenio tem dedicado sua vida ao estudo das drogas, assim como ao trabalho de afastá-las das pessoas. “Eu me perguntava: por que eles votam a beber?”, explicou Stenio. A partir daí, mergulhou nos livros para chegar ao conhecimento sobre a pré-determinação genética que define quem será alcoólatra ou não. 

O psicanalista com diversos trabalhos publicados sobre o tema, se preocupa com a precocidade dos novos bebedores e ressalta a importância dos pais no processo. “Eu já vi num restaurante, o cara dar vinho pra uma criança num carrinho. Isso é um crime”, conta. Para ele, o melhor caminho é a conversa. “Seja amigo do seu filho. Converse com ele, alerte”.

As pesquisas indicam ainda que é essencial que os pais detectem o problema o quanto antes, observando o comportamento do filho. “Tem que reparar se ele começar a trocar a noite pelo dia, ficar sem dinheiro na carteira, mudar a linguagem e tipos de roupas”, ensina o psicanalista. Segundo ele, a maior parte dos jovens começa a beber com as amizades. “A ausência dos pais é um problema. E a essência da prevenção é a imposição de limites mais o monitoramento”, disse. E quando perguntado sobre qual é a pior bebida alcoólica, ele responde enfático: “É a que você consome”. O professor explica que cada pessoa tem um órgão-alvo, a ser atacado pelo álcool, como fígado, estômago e cérebro. “Basta dizer que 70% dos que estão no Hospital João Machado é por conta de bebida”.

Quanto ao papel do poder público, Stenio Barros acha que ainda há muito o que ser feito. Faltam iniciativas de educação do povo e unidades de internamento. No RN, não há um centro público sequer para a permanência dos dependentes. “Essa legislação que querem mudar sobre a publicidade é válida, mas não resolve o problema”.

Com a falta de locais adequados no sistema público, resta aos jovens recorrerem a lugares como o Instituto Potiguar de Combate e Prevenção às Drogas – Comunidade Nova Aliança. Há três anos a instituição evangélica trabalha com recuperação de dependentes. Murilo Vieira, 46, é o idealizador do local, e ex-usuário de drogas. 

 Jovens que tentam se controlar

Jordão Douglas e Matchellon Jaime são amigos e colegas de faculdade. Ambos com 20 anos, costumam tomar uma cervejinha nos fins-de-semana, ou em qualquer outro dia, desde que seja “especial”, como o Dia do Geólogo, profissão que estão aprendendo. Jordão começou a beber nas festas do curso pré-vestibular e Matchellon, nas viagens de campo do ensino técnico, ambos com 17 anos.

“Primeiro bebi cerveja, depois veio o uísque, vodka, cana, tequila, tudo”, contou Jordão sobre as tais festinhas. Apesar do aparente exagero, ele conta que tenta se controlar, para não exagerar. “Meus pais sempre me orientam, me dizendo a que a bebida pode levar”, explicou. Jordão diz que bebe nas festas para ficar mais desenvolto.

O colega de sala contou que começou a beber escondido dos pais, mas que um dia, resolveu contar tudo. “Um dia tomei coragem e falei, na boa mesmo”. Ele também se disse ponderado, já que não gosta quando o pai bebe. “Não gosto porque quando ele bebe, o pessoal fica zoando dele”, explicou o rapaz. 

No meio da festa, uma jovem chamou a atenção, com um copo de água mineral na mão. Sorria, dançava e brincava assim como as amigas que bebiam, mas nada de pôr álcool na boca. Cibelle Santos, 21, é assim. Se diverte nas festas, mas longe do álcool. Convicta de seus princípios, a jovem conta que teve formação religiosa e que por isso não bebe. “Aprendi que isso é uma coisa ruim pra mim. Nunca tive vontade experimentar. Prefiro uma água de coco”.

Mulheres descobrem o prazer do álcool

Elas chegaram lá também. Depois da independência financeira, da liberdade sexual, do direito de escolher o momento certo para a maternidade, de cargos de destaque no poder público, as mulheres conquistaram também há algum tempo, o direito – sublime para os homens – de se reunirem em grupos e tomarem um choppinho depois do expediente.

Não somente isso. Elas agora vão para forrós, boates, e muito mais, sem necessariamente estarem acompanhadas por indivíduos do sexo oposto. “Às vezes estamos à caça. E outras, queremos só tomar umas e conversar”, dizem orgulhosas. Alguns homens curtem o avanço feminino, outros, se assustam. Mas o fator preocupante é mesmo orgânico. Pesquisas científicas dizem que o corpo feminino é mais sensível aos danos causados pelo consumo excessivo do álcool.

Na noite do chamado Alto de Ponta Negra, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE encontrou quatro exemplos de mulheres que se dizem bem resolvidas e que por costume se reunirem de vez em quando para um “happy hour”: Verônica Rrozz, 31, corretora de seguros, Sueli Soares, 32, representante de vendas, Denúzia Neves, 29, recepcionista e Liz Carneiro, 49, empresária.

A primeira afirmação que chama a atenção foi de Liz, a dona do bar onde as senhoritas estavam. “As mulheres daqui bebem demais”, disse, enfática. A empresária já teve outros bares no interior do Ceará e em Fortaleza e está em Natal há dois anos. Segundo ela, as moças daqui não brincam na hora de beber e se igualam aos homens. “Elas bebem de tudo, vomitam pra caramba. Fico impressionada”, reafirma.

A empresária estranha e diz que a meninada de hoje não está muito a fim de flerte. São de todas as idades, mas os grupos são separados. Geralmente, mesas só com meninas e outras só com meninos. E com base nisso, Denúzia faz outra afirmação bombástica. “Os homens de Natal são moles demais, não têm iniciativa”, diz a recepcionista.

Verônica explica que o fato de beberem sozinhas, é um reflexo direto do caráter independente da mulher contemporânea. “Não gosto de depender de homens. Sou independente financeiramente, não sou casada, não tenho filhos e estou muito feliz”, contou. E Sueli, contou sua história sobre como começou a beber, mostrando que as mulheres também “se iniciam” como a maior parte dos homens. Ela conta que tomou seu primeiro porre em uma festa de São João de rua, em companhia de amigos, quando tinha 14 anos. Mas diz que apesar da pouca idade com que começou a beber, hoje controla a situação, e sai apenas para bater um papo, regado a uma boa cerveja. “A gente conversa sobre tudo. Falamos de Casseta e Planeta, futebol e sexo”.

Governo combate o uso abusivo de bebidas

No dia 23 de maio deste ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto nº 6117, criando a Política Nacional do Álcool (PNA), que estabelece uma série de medidas e diretrizes para combater o uso abusivo de bebidas alcoólicas. Faz parte do documento do Governo Federal o aumento da rede pública de atendimento a dependentes, a capacitação de professores para que trabalhem a prevenção junto aos alunos, a restrição da venda de bebidas em rodovias e a realização de um estudo de impacto do uso álcool como motivo de acidentes nas estradas.

Com base na mesma legislação, a  Agência Nacional de Vigilância Santária prepara novas regras para a publicidade da cerveja no rádio e na TV. A nova regulamentação proíbe a veiculação de comerciais entre 8h e 20h. Além disso, obriga os anúncios a trazerem treze mensagens sobre os diversos danos causados com o consumo abusivo do álcool, no lugar da mensagem “Beba com moderação”. As restrições, que atualmente atingem somente bebidas com mais de 13 graus Gay-Lussac, como uísque e cachaça, passarão a valer para as que tiverem 0,5 graus Gay-Lussac, atingindo além da cerveja, os chamados “coolers” ou “icers”. As frases de efeito também deverão ser incluídas na mídia impressa.

“Hoje evito até vinagre”

Ele conheceu o inferno. O fim da linha. O menino do interior do Estado que aprendeu a tocar violão com 16 anos, fez de seu dom um atrativo para amigos e namoradas, mas também o instrumento que o fez, naturalmente, conhecer o álcool. Com pouco tempo, dependia da bebida para respirar, andar, viver. Hoje, com 35 anos, Marcelo Pereira (nome fictício) está internado na Comunidade Terapêutica Nova Aliança. Cansou de lutar sozinho e agora, após um mês de tratamento, sonha com a música, com seu trabalho artístico, longe da droga.  

Você começou a beber com que idade e em que situação?

Com 16 anos eu comecei a tocar violão, os acordes. Aí nisso, todo final de semana eu me adaptei a tocar com os amigos nos bares, só pra tomar cachaça mesmo. Pra comemorar alguma coisa, um aniversário, comemorar a vitória do time, a derrota do time. Aí dois anos após, já vi que estava dependente, não conseguia mais parar.

Como você percebeu que estava dependente?

Porque eu comecei a sentir umas ressacas que parecia que eu tava à beira da morte. E essa ressaca só passava quando eu tomava uma. “Uma” entre aspas, né? Tinha que ser “uma grande”, uma noitada. Aí fui me acostumando. Aí no outro dia acordava de ressaca, aí de novo, de novo e de novo.

E daí você passou a se embebedar todo dia…

Todo santo dia.

E sua vida em casa, como era? Como seus pais viam isso?

Eu era filho de pais separados, né? E meu pai já era alcoólatra. Ele faleceu devido à doença causada por alcoolismo. Eu já era traumatizado por conta disso e minha mãe já me avisava que podia acontecer comigo, e tal… E o pior é que aconteceu.

E qual foi a reação dela quando você se viciou?

Ela sempre me acolheu. Sempre me acolheu bastante.

Quando foi que você decidiu que precisava de ajuda?

Porque já não tava mais tocando violão. Estava relaxado, não me importava mais com nada. As meninas não queriam namorar comigo… Minha mãe já me falava sobre casas de recuperação. E a primeira vez já tinha uns 26 anos de idade, mas não adiantou porque não fui de coração. Foi mais pra fazer a vontade dela. Já agora, estava me atrapalhando profissionalmente. Perdia muitos contratos. Fechava um negócio com uma pizzaria, mas uns dias antes já arranjava uma desculpa pra não ir, mas era pura história. Na verdade era a tremedeira, a ressaca, nem lembrava das letras das músicas, as notas das músicas.

E daí foi quando você decidiu procurar ajuda por conta própria…

Foi. Foi quando eu falei: eu preciso, eu preciso, eu preciso… E como sempre, tive a força da minha mãe, que nunca me abandonou. Ela nunca me disse: “só venha pra casa quando estiver sóbrio”. E acho que isso foi fundamental. Acho que se não fosse por ela, aí é que eu ia me entregar mesmo.

E como você está hoje, após um mês de tratamento?

Organicamente estou muito bem mesmo. Super disposto. Me alimentando bem, dormindo na hora certa, praticando esportes. Eu estou feliz.

E o que você espera da sua vida? Com o que você sonha?

Rapaz, eu sonho só com a musicalidade mesmo. Pra eu crescer profissionalmente. E pra eu chegar lá eu tenho que extinguir o álcool de vez, sabe? Não posso triscar, até vinagre eu estou evitando. Porque meu único obstáculo é só o álcool mesmo… 

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas