Sara Vasconcelos – Repórter
O silêncio de quase dois meses – destoante da propaganda das melhorias realizadas durante a intervenção da Semtas no Instituto Juvino Barreto – foi quebrado esta semana, pela atual gestão, com um dossiê que, entre outras coisas, constatou um suposto uso indevido de R$ 72 mil de reservas financeiras dos idosos e dívidas, que somam R$ 206 mil. As constatações se referem ao período em que a administração ficou à cargo da diretoria interventiva – entre junho de 2010 a meados de janeiro – por determinação do Ministério Público Estadual. Atualmente, a instituição abriga 135 idosos, sendo 52 homens e 83 mulheres, em quatro vilas, cinco pavilhões, sendo três femininos e dois masculinos.
O “Relatório situacional pós- intervenção, sem interdição, do Instituto Juvino Barreto”, cujas informações foram coletadas, em cada setor, no período de 17 a 31 de janeiro, foi enviado a Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso, aos gabinetes da governadora e prefeita, ao Conselho Municipal do Idoso, com fotografias que ilustram a situação. E será apresentado hoje, às 9h, à imprensa, durante entrevista na sede da entidade. O documento elaborado pelo Conselho Gestor e diretoria executiva da entidade, solicita explicações e reparação imediata dos prejuízos.
“Houve todo um desarranjo, mas maquiaram tudo. Hoje o que entra só dá para a folha de pagamento e alimentação, mesmo assim com falta de muitos alimentos que empobrece a dieta”, frisa Mozanita Medeiros, membro do conselho gestor e presidente da Associação das Voluntárias Assistenciais do Juvino Barreto (Avajub).
Segundo o relatório, foi detectada uma diferença a menos de R$ 72.607,80 referente aos 30% dos proventos dos idosos. Em 28 de junho passado, segundo o documento, a diretoria anterior repassou à interventiva R$ 94.989,20 correspondente ao acúmulo dos 30% mensais da aposentadoria de 56 idosos. Em 17 de janeiro – segue o texto – fora devolvido R$ 22.381,40 correspondente a 57 idosos, sem quaisquer especificações de quanto pertencia a cada um, tampouco o detalhamento de como e em que o dinheiro dos internos foi gasto.
Segundo o Estatuto do Idoso, os abrigos só podem dispor de até 70% da aposentadoria dos seus moradores. O residual é destinado para fins pessoais. No Juvino Barreto, explica a secretária administrativa Ricarla Santos, os 30% em geral servem de reserva para casos de internamentos, quando é preciso pagar diária de R$ 80, para acompanhante.
Ainda conforme o relatório, “o setor administrativo e financeiro foi entregue em completa desordem” e não houve prestação de contas, nem foram encontrados contratos de prestação de serviços, faturas, extratos bancários do período e documentos institucionais após a transição.
O valor das dívidas levantadas pelo conselho gestor, até 31 de dezembro, é de R$ 206 mil. Sendo R$ 83 mil referente a prestação de serviços e fornecedores e outros R$ 122 mil, equivalentes a dívidas previdenciárias e fiscais.
O último valor se refere, conforme apontado no relatório, ao descumprimento de obrigações trabalhistas, como o atraso no pagamento do 13º salário, divididos em três parcelas, acrescendo em quase R$ 8 mil os encargos sociais; além de atrasos no pagamento de salários e o não repasse às instituições financeiras dos encargos sociais (FGTS, INSS e PIS) descontados dos funcionários no período.
As dívidas, segundo Ricarla Santos, impedem a renovação de convênios com o governo do Estado e Prefeitura, principais mantenedores da entidade, reduzindo ainda mais o já minguado orçamento para manutenção da casa, que tem 66 anos. “Não temos como tirar certidões negativas”.
Para se manter, o Instituto depende dos repasses das três esferas administrativas. O Governo Federal repassa R$ 7.500 por ano para gastos com alimentação; a prefeitura, que transferia R$ 17 mil por mês, prometeu contribuir com R$ 42.500 mensais desde dezembro de 2010, mas até agora não efetuou o pagamento; o Governo do Estado tem o compromisso de repassar R$ 798 mil por ano – mas no ano passado o recurso foi bloqueado. Juntas, as aposentadorias rendem cerca de R$ 42 mil, as doações ficam na média de R$ 30 mil e o bazar rende mais R$ 3 mil mensais.
Quadro de funcionários permanece incompleto
A atual diretoria do Juvindo Barreto também questiona a majoração em R$ 22 mil (33%) da folha de pagamento da Instituição durante a intervenção. Apesar do aumento, constata o documento, as contratações exigidas pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) não foram concluídas. Segundo o relatório, caberia a direção interventiva contratar sete técnicos de enfermagem, para totalizar os 32 determinados pela promotoria, e redistribuir cinco funcionários para outras funções, dos quais dois desses passariam a cuidadores. Ao final, aponta o dossiê, ainda faltam cinco técnicos de enfermagem e houve a contratação de cinco cuidadores.
O crescimento da folha se deve ainda a rescisão de quatro operadores de telemarketing (previsto no TAC) e a contratação de doze novos funcionários para o setor. Por outro lado, o valor global das doações em 2010, segundo o relatório anual do serviço de telemarketing cedido pela Eco Consultoria, apresentou crescimento expressivo, fechando o ano em R$ 347. 963,01.
Informações
“Também não temos informações, documentos que demonstrem como e em que essa quantia foi usada. Sabemos que continuamos em situação precária e estamos organizando leilões para concluir a reforma da enfermaria feminina”, observa Mozanita Medeiros. Na tarde da última quarta-feira, enquanto a reportagem esteve no local, os funcionários recebiam os salários, referente a fevereiro.
Relatório aponta, também, problemas de abastecimento
Segundo relatos do serviço social que constam no documento, os idosos foram encontrados sem sandálias, roupas de cama e de banho ao término da intervenção, além de terem ficados os meses de outubro e novembro sem fralda geriátrica. Enquanto foram encontrados no Bazar, doações de 76 lençóis, 47 toalhas de banho e cinco cobertores coloridos. O serviço dá conta ainda que houve atraso na compra de medicamentos.
Morador há seis anos, José Leonardo Vieira, 80 anos, confirmou a Tribuna do Norte que teve problemas com os calçados e lençóis. “A única melhoria foi a água mineral, que antes a gente bebia da torneira. Eu me enganei com eles”, afirma.
Fotografias anexas, mostram o mau condicionamento de alimentos, junto com materiais de limpeza e higiene. O armazenamento, explica Mozanita Medeiros, contribuiu para perda de alimentos doados. O relatório registra ainda a falta de carne, frango e peixe – sendo as refeições complementadas com ovo e sardinha – além de complementos nutricionais e a suspensão do controle informatizado do estoque. “Era servido carcaça de frango e ovo, na falta de carne e peixe”, acrescenta Mozanita Medeiros. A falta desses alimentos perdura até hoje. Enquanto, na despensa, uma tonelada de feijão em sacas, estão sem condições de consumo.
Promotora se diz surpresa com dados
Por telefone, a promotora de justiça de Defesa do Idoso Iádia Gamo, que determinou e acompanhou a intervenção no Instituto, disse a TRIBUNA DO NORTE que ficou “abismada” com as fotos da desorganização na cozinha e despensa, e demais fatos apresentadas no relatório. “Estive visitando o local até dezembro e nenhuma vez isso foi verificado”.
Quanto ao uso indevido do dinheiro dos idosos, a promotoria já tomou providências. “O uso desse percentual, que é do idoso e não da instituição, que detém os 70%, fere o Estatuto do Idoso. A Semtas já foi notificada a depositar os recursos numa conta poupança, que será aberta”, informou a promotora. Segundo ela, a Semtas apresentou à pedido relatório rebatendo cada ponto questionado.
A promotora ratificou que seis meses não é suficiente para se fazer “milagres” e que não cabe a discussão de quem errou ou acertou mais.
“Ao meu ver, a intervenção fez o que podia e estamos investigando se houve irregularidades. E é preciso avaliar se a instituição tem condição de continuar com a quantidade de internos, mediante aos custos para mantê-los e a receita do instituto”, pondera.
Todos os documentos referentes as dívidas acessórias, explica Gamo, foram enviadas pela promotoria ao Ministério Público Federal que irá investigar o recolhimentos dos encargos sociais e não quitação junto as instituições financeiras. A assessoria de imprensa do MPF, informou que não foi localizado no sistema de registro de processos a entrada do documento.
Recurso teria sido utilizado em acordo com MP
O secretário de ação social e trabalho do Município Alcedo Borges, reconheceu que durante o período em que a entidade esteve sob administração interventiva, foram usados recursos provenientes da reserva dos internos e até dos encargos sociais. Entretanto, Borges enfatiza que o uso indevido “não configura dívida”, uma vez que foi aberto um processo de ressarcimento, com acompanhamento do Ministério Público, justificado pela necessidade de garantir alimentação e pagamento de funcionários, frente ao bloqueio do convênio do governo do Estado. “Não tive acesso ao relatório, mas será reembolsado R$ 66 mil, até terça-feira, dia 22”, garante.
A prestação de contas, segundo o secretário, não foi realizada devido negligência da atual gestão do JB, que se negou a participar da transição no dia 16 de janeiro. As dívidas trabalhistas apontadas no relatório, acrescenta Alcedo Borges, existiam antes do MP determinar a intervenção.
“É preciso deixar claro que houve intervenção por determinação do MP, e fomos indicados para administradores do caos, com a missão não de pagar dívidas, mas estancá-las”.
A Prefeitura aguarda o aditamento dos contratos de trabalho da entidade, com audiência prevista para hoje no Ministério Público do Trabalho, para regularizar o repasse do convênio de R$ 42,5 mil, que ainda não foi pago este ano. Borges ilustrou um prêmio de R$ 20 mil ganho pelo Instituto Juvino Barreto por ser a 5ª melhor instituição de apoio ao idoso em todo o país. A avaliação foi feita durante a gestão da Semtas.