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Lembrando a Casa do Estudante

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Jahyr Navarro
Médico

Há poucos dias vi pela televisão uma notícia que deixou-me incrédulo, ante a possível derrubada do prédio onde durante anos se instalou a Casa do Estudante. Em certos momentos a razão se atira pela janela, uma vez que derrubado, leva consigo parte do nosso patrimônio histórico e também – como se sabe –, este prédio já foi tombado pelo patrimônio arquitetônico em 1993. De repente… o destino!

Sua história teve início quando abrigou o hospital de Caridade, uma Escola de Aprendizes, um quartel da Polícia Militar e por fim a Casa do Estudante. A notícia em si, não causou-me estranheza, já que estou bem acostumado com a insensibilidade dos nossos governantes com relação aos nossos símbolos. Mas, lá no recôndito do meu ser, uma tristeza a mais se acumula ao lado de outras tantas.

A primeira Casa do Estudante ficava em Petrópolis, precisamente na rua Seridó, em frente à residência do sr. Miguel Dantas, pai do desembargador Wilson Dantas, já falecido. De um lado, confrontava-se com a rua Ana Neri e separada por esta, ficava o colégio Sete de Setembro, cujo espaço físico está sendo ocupado hoje pela Universidade Potiguar. Do lado oposto, uma mercearia completava uma das esquinas do quarteirão. 

Conheci esta Casa quando fiz parte de um time de vôlei que disputaria um torneio em suas quadras. O nosso time – o Centro Esportivo – nasceu dos treinos realizados no quintal da nossa casa, na rua Princesa Isabel e dele, faziam parte os nossos amigos e colegas da mesma rua. Eles não tinham nomes, eram todos apelidados: Biguá, Touro, Magricela, Cavaco, Pescoção, Parrudo e Tim. Mesmo carregando o peso desses apelidos, vencemos com certa facilidade o torneio disputado.

Daí em diante, fizemos amizade com a turma da Casa, quando passamos a frequenta-la com certa assiduidade, inclusive, participando de suas festinhas em prol de suas necessidades cruciais, com direito ao sorteio dos mais variados brindes. Numa dessas, fui premiado com um corte de tecido de cor marrom – a cor do azar – e desde então, nunca mais vencemos uma só partida.

Nos desvairos de nossa juventude, costumava ir ao lado do meu irmão Jurandyr e demais amigos da mesma rua, nadar no Potengi, atravessa-lo a nado ou, explorar sua outra margem na baitera de “seu Zezinho”. Quando descíamos ladeando a praça João Tibúrcio – hoje só destroços – e atingíamos a rua Passos da Pátria, avistávamos o quartel da Polícia Militar com sua parte frontal toda crivada de balas, uma das sequelas do ataque comunista em 1935.

No dia 30 de novembro de 1953, o então governador Silvio Pedrosa inaugurou o quartel da Policia Militar, na av. Rodrigues Alves, no mesmo terreno que ele próprio havia doado dois anos antes, quando era prefeito da cidade. Com essa mudança, o antigo quartel foi sendo preparado para receber a Casa do Estudante.

Com sua ocupação, tudo transcorreu na maior tranquilidade durante décadas. Em sua frente, uma bela quadra esportiva funcionava plenamente e tendo no fundo a antiga balaustrada que servia de proteção e sempre cheia de curiosos em dias de jogos. Depois de toda tranquilidade, começaram a surgir problemas que se acumularam ao ponto de chegar ao estado de penúria em que hoje se encontra. Mas, derrubar o prédio talvez não seja a medida mais adequada. Existem outras, desde que se preserve a estrutura física para que sua história seja lembrada.

Recordar que nele muitos sonhos foram concretizados. Muitas confidencias ouvidas por suas paredes, ainda permanecem sob um silêncio sepulcral e, as frias e insones madrugada de estudos, jamais serão esquecidas. São feridas que deixam cicatrizes para que dela tudo seja lembrado. Com sua destruição a Casa não será tão facilmente esquecida. Será lembrada através de cada figura humana que um dia teve a sorte de tê-la como sua moradia.

Dos amigos que fiz ao longo da vida, muitos eram de lá e estão no quadro emoldurado das minhas recordações. Entre os que já se foram e os que ainda se encontram vivos, cito: Dary Dantas, Wellington X. Bezerra, Antônio Filgueira, José Daniel Diniz, Abreu Júnior, Júlio Batista, Dagmar Maia, José Carlos da Silva Neto – o grande do vôlei – Clezito, João Viana, Severino Arcanjo, Jorio Marques e muitos outros.

Se porventura a solução final for direcionada à sua destruição física, no meio de seus escombros, encontrarão a minha revolta ao lado de todas as tristezas acumuladas. Finalmente, vejo que na verdade somos apenas passageiros do tempo. 

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