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Lembrando a Intentona

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Woden Madruga [[email protected]]

Na semana que passou foram lembrados aqui em Natal e me parece que também em Mossoró, os 80 anos da Intentona Comunista que ocorreu em três capitais brasileiras: Natal, Recife e Rio de Janeiro.  Se a memória não me falha – e ela já dá topadas –  acho que é a primeira vez a insurreição é celebrada com certa pompa, incluída na pauta cultural da aldeia. Esteve em Natal a historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Luís Carlos Prestes com Olga Benário, primeira mulher do líder comunista. Aqui ela fez uma palestra na Biblioteca Central Zila Mamede, da UFRN, sobre o tema “As lições do levante de 1935” e autografou o seu livro Luiz Carlos Prestes – Um comunista brasileiro.

Aproveitei a ocasião para dar uma relida no livro de João Medeiros Filho, 82 Horas de Subversão (Intentona Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte, publicado pela Gráfica do Senado Federal em 1980. Sobre o assunto o autor já havia publicado em 1937 o livro Meu Depoimento.  João Medeiros Filho era o Chefe de Polícia do Estado (governo Rafael Fernandes) quando ocorreu a intentona. Foi preso pelos comunistas. Dois anos depois contou a sua história sobre a insurreição. Alguns trechos de “Meu Depoimento” são transcritos neste segundo livro, cujo prefácio é uma carta de Edgar Barbosa, então diretor da Imprensa Oficial (jornal A República) ao tempo da intentona.

João Medeiros filho abre o primeiro capítulo do livro, escrevendo assim:

– As diretrizes da insurreição de 1935 foram nitidamente comunistas. Tudo obedeceu, não resta dúvida, à orientação direta do Partido Comunista Brasileiro, de acordo com as ordens recebidas da Legação Soviética de Montevidéu. Criando-se a Aliança Nacional Libertadora nos moldes estabelecidos pelas instruções baixadas no 7º Congresso da 3ª Internacional de Moscou, expandiu-se o programa de “reivindicações populares e de combate ao imperialismo e ao latifúndio e contra as chamadas leis de opressão às liberdades democráticas, conforme bem situou a questão o Delegado Belens Porto, no Relatório sobre o levante do 3º Regimento de Infantaria e da Escola de Aviação do Rio de Janeiro na madrugada do dia 27 de novembro daquele ano, em prosseguimento ao que aqui e em Pernambuco ocorrera nos dias 23 e 25 do mesmo mês.

Os primeiros tiros 
Mais adiante, o doutor João Medeiros (como assim sempre o tratei, tive o privilégio de sua amizade) narra os primeiros instantes do levante, com o título de “Deflagração da Intentona:

“Irrompeu o movimento comunista nesta capital no dia 23 de novembro de 1935, à noite.

Dia normal, sem uma preocupação maior. Apenas, pela manhã, recebi um telefonema do “21”, informando que algumas praças do Batalhão tinham sido expulsas por incapacidade moral. Fato banal esse, em polícia. Tomei as providências comuns, recomendando aos delegados que se precatassem contra esses elementos.

Pelas dezenove e meia hora, aproximadamente, estava na Avenida Rio Branco, em companhia do Capitão Genésio Lopes, Delegado Auxiliar, quando se ouviram os primeiros disparos. Dirigimo-nos imediatamente ao local onde partiram os tiros e lá nos deparamos com forças do Exército. Ato contínuo, fomos ao quartel da Policia Militar e, depois de breve entendimento com o Capitão Joaquim de Moura, ficou a unidade de prontidão. Dali seguimos até a Inspetoria de Polícia, antiga Guarda Civil, transmitindo ordens no mesmo sentido. No trajeto, nosso automóvel foi alvejado.

Entramos no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, e nos avistamos com o Governador e o Secretário-Geral, narrando as ocorrências, sem pode explicar o seu significado. Fui diversas vezes, pessoalmente, ao Colégio Pedro II, vizinho ao Teatro, tentar uma ligação telefônica, e nada consegui. À notícia de que havia soldados do Exército nas imediações da sede do Banco do Brasil, na Avenida Tavares de Lira, esquina com a Rua Dr. Barata, resolvi observar as coisas de perto. Depois de fazer recomendações ao Cabo que os comandava, ainda imbuído da ideia de que era legal, entrei no escritório da Cia. Força e Luz, na mesma avenida, e pedi uma ligação para o Batalhão Policial, sendo informado de que estavam sendo atacados.

A prisão 
O dr. João Medeiros prossegue sua narrativa:

“Deveria ter compreendido no momento, confesso, que as anormalidades tinham um caráter subversivo. Liguei para o “21”, sendo cortado a ligação. Mais um motivo para desconfiar. Devia estar cego e surdo, para não reconhecer a verdade. Telefonei para a detenção, renovando as ordens de prontidão dada à Polícia Militar e à Inspetoria de Polícia. Ainda no Teatro, ponto de convergência, pois ali estava o Governador, sugeri a este afastar-se para um local seguro nas imediações, e, em seguida tomei a deliberação de ir à Rua João Pessoa, na Cidade Alta, onde se dizia estar o Major Jacinto Tavares à frente de um contingente policial.
Embora estranha a informação, agi automaticamente, como se a prudência não me aconselhasse outra atitude. Nessa ocasião, prontificou-se Daniel Serquiz Farkat a sair comigo no seu automóvel, o que fiz juntamente com José Seabra de Melo, em demanda daquela artéria da cidade. Lá chegando, avistei não o Major Jacinto Tavares, mas o Sargento Amaro Pereira, meu conhecido, com forças do Exército. Perguntando-lhe sobre a natureza dos acontecimentos, disse-me que estava cumprindo ordens, e, se quisesse uma confirmação, poderia encontrar-me com o Capitão Cordeiro, meu amigo, que estava no quartel do “21”. Aí então esqueci as advertências que a mim mesmo fazia e me metia na boca do lobo. Ao transpor o portão do “21”, cercaram-me, ansiosos, sendo desarmado e recolhido ao xadrez das praças.
 Não sei se erro em contar estas coisas, tão inexperiente me revelei. Sempre me deixei levar pelos impulsos, no que tardiamente procuro me corrigir. De qualquer maneira não fugi, não me escondi. Estava, parece, magnetizados pelo desejo de fazer algo que me recomendasse aos que me haviam solicitado a colaboração em momento difícil. Se tivesse havido omissão de minha parte, seria tachado de covarde. Enfrentando a horda dos desordeiros, certo de que estava cumprindo o meu dever, máxime se armava uma cilada para o engodo da presença do Capitão Cordeiro no “21”, talvez seja julgado com alguma condescendência. ”

O Governo 
O secretariado do governo Rafael Fernandes era assim constituído:  Secretário-Geral, Aldo Fernandes Raposo de Melo; Chefe de Polícia, João Medeiros Filho; Comandante da Polícia Militar, major Luiz Júlio; Diretor da Educação, cônego Amâncio Ramalho; Diretor da Saúde, dr. Armando China; Diretor da Fazenda, Boanerges Leitão de Almeida; Diretor de Agricultura, Renato Dantas; Chefe da Casa Civil, Paulo Viveiros; Diretor da Imprensa Oficial, Edgar Barbosa; Diretor da Estatística, Anfilóquio Câmara; Procurador-Geral do Estado, Bruno Pereira; Oficial de Gabinete do Governador, Jocelym Vilar; Ajudante-de-ordem, capitão José Bezerra; Delegado auxiliar, capitão Genésio Lopes. Prefeito de Natal, engenheiro Gentil Ferreira de Souza.

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