Feriado, passei o 15 de novembro em casa. Na televisão não vi nenhuma notícia sobre o aniversário da proclamação da República (lá se vão 129 anos), nenhum ato oficial ou não, um evento cultural, uma banda de música desfilando. Na internet, o mesmo placar: zero a zero. No começo da noite houve um pronunciamento oficial do presidente Temer. Falou sobre o seu governo e mostrou-se cordial com o Bolsonaro. Sem emoções. Aqui, soube que o governador decretou ponto facultativo na sexta-feira esticando o feriadão até hoje, domingo. Civismo puro. A Tribuna do Norte publicou matéria sobre um projeto que acho bacana: “Caminhada histórica de Natal”, esticada do Centro da Cidade à Ribeira. Foi, ontem, sábado. Mas no roteiro não consta nenhuma parada diante do prédio onde foi proclamada a República no Rio Grande do Norte.
Fica na Ribeira, rua Chile, com fundos para o rio Potengi. Foi Palácio do Governo (palácio e residência) nos últimos anos da Monarquia (a partir de 1869) e no começo da República. Lá ficou até 1902 quando Alberto Maranhão transferiu a sede do governo para o palácio da Praça Sete de Setembro, hoje Palácio Potengi, transformada em Pinacoteca que está fechada. O antigo Palácio da Rua Chile, que hoje abriga a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão, também está fechado para “obras de restauração”. O Teatro também. Na Ribeira só não fecham as fossas.
O sobrado da Rua Chile, 106, foi palco de grandes acontecimentos históricos desta província de memória fraca. Lá se hospedou o Conde d’Eu, com saudades da Princesa Isabel. Em seus salões, anos depois aconteciam os primeiros encontros do movimento abolicionista e logo em seguida as primeiras trocas de ideias pregando a República, culminando no dia 17 de novembro com a aclamação do nome de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão como o primeiro presidente republicano da província do Rio Grande do Norte.
Durante a segunda grande Guerra Mundial, funcionou no mesmo prédio um os mais importantes cabarés de Natal, o Wonder Bar, que teve sobrevida até a década de 1960/70. Ocupava os dois andares superiores, um deles com um terraço aberto sobre o Potengi. O térreo era loja de comércio. Subia-se pela escadinha da lateral, beirando o rio. Foi lá em cima onde aprendi a dançar bolero.
Mas a proclamação da República no Rio Grande do Norte que ali ocorreu está fora dos roteiros históricos e das agendas oficiais. Talvez até da prova do Enem. Fora a proclamação e seu principal personagem, Pedro Velho, que além de político, grande líder, foi medico, professor, diretor de escola, jornalista. Mais: gostava de tocar piano. Fundou “A República” (junho de 1989), que seria um dos mais importantes jornais do Rio Grande do Norte. Pedro Velho nasceu na mesma rua Chile (antes, rua do Comércio), 178, não muito distante do Palácio onde governou o Rio Grande do Norte por tres vezes. A primeira, por aclamação; a segunda (de 1892 a 1896) por eleição. (No meio das duas temporadas, era vice-governador, e assumiu o comando do banco: de setembro a novembro de 1890).
Para celebrar o 15 de Novembro resolvi transcrever trechos da crônica que tem o título de “O primeiro tipográfico de ‘A República’”:
Pedro Velho começou a lutar para fazer o órgão republicano e não havia quem quisesse imprimir o futuro jornal. João Carlos Wanderley topou a parada. A República circulou no dia 1º de julho de 1889. Há setenta anos passados…
José Alcino foi o tipógrafo da quase totalidade do primeiro número de “A República. Levava as “provas” para a revisão de Pedro Velho que, quase sozinho, escrevera todo o texto. Diga-se de passagem, que Pedro Velho nunca tinha corrigido uma prova tipográfica na sua vida. Ignorava todos os sinais e foi José Alcino o professor, riscando com o lápis as anotações.
Até 22 de abril de 1908 José Alcino trabalhou como tipógrafo de A República.
Pedro Velho comprara a João Carlos o prelo e as velhas caixas de tipo e foi José Alcino, com o grande Augusto Leite, o distribuidor e lavador de tipos, arranjando a tipografia e dispondo a precária e difícil aparelhagem necessária.
Desde 1918, quando comecei a farejar jornalismo, conheci José Alcino e nunca deixei de perguntar pela sua história humilde e bonita de operário que se tornara histórico. José Alcino era homem de leitura, poeta, sabendo dizer, aos raros íntimos, versos e evocando o tempo que o encantava. Colaborara em inúmeros jornalzinhos e pertencera ao grupo de ‘Le Monde Marche’, com sua revista “Oásis”, de existência sugestiva e mesmo batizando uma geração, a geração do ”Oásis”, 1894-1904.
Augusto Severo foi gerente de A República, fazendo as contas das despesas, comprando papel e tinta e pagando aos operários nos sábados. Possuo um recibo com sua gloriosa assinatura.
A melhor caligrafia para compor era a de Pedro Velho. A meio lá e meio cá, era de Nascimento Castro. A ultra-péssima, de Braz de Melo. Quando este escrevia “afogado” só José Alcino entendia a garatuja.
Pedro Velho, mesmo deputado, governador, senador da República, gostava de ir dar uma prosa nas oficinas. Dos próceres republicanos um, apenas, sabia compor: a Augusto Severo, eu aprendera como Augusto Leite. Não sabia “distribuir”. O melhor distribuidor era José Alcino. Campeão de velocidade.
Em 1908 passou para o Tesouro do Estado e aposentou-se, velho. Faleceu a 8 de fevereiro de 1957. Nascera em Natal a 22 de janeiro de 1873. Tinha 84 anos feitos.Foi, historicamente, o primeiro tipógrafo de A República”
Esta crônica de Cascudo foi publicada em A República, edição de 01 de julho de 1959.