terça-feira, 23 de abril, 2024
26.1 C
Natal
terça-feira, 23 de abril, 2024

Lenine 90 anos, presente

- Publicidade -
Alex Medeiros
Tive o prazer de compor a pauta da sessão especial de ontem do Conselho Estadual de Cultura, através de uma live no YouTube, realizada para marcar os 90 anos de nascimento do jornalistas, escritor e historiador Lenine Pinto. Transcrevo aqui o breve comentário que fiz a respeito do seu perfil pessoal e da brilhante militância no jornalismo, que foi berço para o nascimento da sua verve de historiador, função que o consagrou no Rio Grande do Norte e gerou referência no Brasil.
Falar sobre o jornalista Lenine é nunca permitir esquecer-se do contexto em que se deu nele a gênese da atividade. É imprescindível destacar que estamos tratando de um cara que aos 19 anos entrevistou Luiz da Câmara Cascudo e com ele estabeleceu diálogo pessoal e interação profissional. E se isso não for suficientemente gigantesco, reforce-se a condição de virtuose que com 17 anos resgatou em Recife, nas páginas do Diário de Pernambuco, em novembro de 1947, a revolução poética de Jorge Fernandes, nosso primeiro modernista, numa reportagem vinte anos após o lançamento do histórico “Livro de Poemas”.
Lembrar desses dois feitos do garoto Lenine, me remete a um antigo diálogo no programa de televisão de Flávio Cavalcanti, no tempo das imagens em preto e branco, entre dois intelectuais que discutiam sobre qual canção era mais esplêndida na história da MPB: Águas de Março, de Tom Jobim, ou Viagem, de Paulo Cesar Pinheiro. A peleja encerrou quando um deles disse, que o maestro Tom Jobim compôs uma maravilha aos 47 anos, mas Paulo teve uma epifania aos 15 anos.
Então, além de ter um peso mais que significante o gênio precoce de Lenine na aurora da sua atuação, convém imaginar o contexto em que isso se deu, ao final dos anos 1940 e de uma guerra mundial que mudou paradigmas no planeta. 
Ninguém melhor que Cascudo pra dizer o que foram aqueles tempos: “Preferia ter nascido em 1940? Tentação aos nascidos em 1898. Não estou arrependido do século XIX, encanta-me haver conhecido o século XX menino, rapaz e velho. Com todos os lucros e perdas, ter viajado de cavalo e ver a astronave, o recado e o telefone transoceânico, guarda-comida e geladeira, futuros contemporâneos não entenderão exatamente a paisagem que vi modificar-me”.
Pois bem. No meio das transformações da década de 40, o jovem Lenine também foi se modificando levado por sua curiosidade, pela ousadia, pela teimosia, por uma transgressão inerente da sua personalidade, como atestam grandes e longevos amigos. 
E ali naquela sua inquietação, que se manifestara desde o primário no colégio Pedro Segundo e depois no científico no Atheneu, houve a confluência inevitável da imprensa e da historiografia. Porque quase sempre onde se levanta um jornalista curioso e bom narrador do seu tempo, já está sentado o historiador. Foi assim com tantos do naipe dele: Cascudo, Rubem Braga, Joel Silveira, Carlos Heytor Cony, José Hamilton Ribeiro, Ruy Castro, pra citar alguns.
Lá naqueles dias juvenis do repórter, amadurecia o futuro historiador, a partir das condições e do talento já existentes, como disse Rubem Braga a respeito do testemunho da Segunda Guerra, em 1944, no Diário Carioca: “Tenho olhos, vejo as coisas, leio as notícias; e tenho mão, e conto e escrevo, e depois sai no jornal”. 
Esse detalhe de “depois sai no jornal”, nas circunstâncias do Lenine jornalista, é o elemento a posteriori que desperta o historiador. Basta nos debruçarmos sobre dois momentos marcantes da vida de Lenine para constatar isso: os textos nos contextos da Segunda Guerra e a entrevista que deu a dimensão poética de Jorge Fernandes. 
Nas duas situações, a ação de reportagem catapultou o processo histórico. No caso do modernismo em Jorge Fernandes, ele foi apenas – e ao mesmo tempo essencial – o jornalista que permitiu a profundidade dos historiadores que vieram depois para esmiuçar a grandiosidade do poeta. E no caso da guerra, ele próprio se transformou em historiador.
Lenine Pinto foi, além dos aspectos profissionais, uma personalidade grandiosa das nossas cultura humana e geografia social; afetuoso às vezes, controverso idem, doce e ácido de acordo com a temperatura comportamental do ambiente.
Não era fácil ser convencido de algo que não conhecia com profundidade ou então por pura birra mesmo. Há casos hilários em sua convivência social, como o dia em que levantou da festa de aniversário de uma amiga jornalista logo que um conjunto musical começou a tocar: “vim ver você e falar com nossos amigos e não ouvir zoada”. 
No Clube dos 100, confraria que frequentou por anos, quis se retirar um dia porque um velho amigo de infância, Dalton Melo, não parava de dar atenção a um jovem, e só voltou à mesa quando avisaram que o rapaz era o neto do confrade. 
Entre 18 e 19 anos, depois de ter trabalhado para os militares americanos, foi contratado por uma empresa inglesa. Um dia dormiu no serviço e após um grito do chefe britânico, este indagou porque estava coberto com a bandeira inglesa: “das que tem aqui, era a do tecido mais quente”, respondeu, cinicamente. 
Na adolescência no Atheneu, enrubesceu uma linda professora, filha de almirante, e escandalizou a escola num transe de desejo contemplando as pernas da jovem mestra. Passou meses fora do colégio, suspenso pelo diretor Celestino Pimentel. Até nos deixar, em 23 de junho do ano passado, manteve seu gênio atrelado a uma personalidade não tão fácil de dobrar, como nas tantas vezes em que não deu a menor bola aos críticos daqui e d’alhures. 
- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas