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“Licitação não é comprar o mais barato”

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Os 167 municípios e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte receberam, até a semana passada, R$ 2.522.272.510,69 de recursos provenientes do Governo Federal. Essa quantia chegou aos cofres públicos potiguares por intermédio de diversos programas nas várias áreas de atuação do Poder Público. Cabe à Controladoria Geral da União (CGU) acompanhar, auditar e fiscalizar a aplicação desse montante. Para tanto, algumas ações são programadas a cada início de ano. Uma delas será posta em prática amanhã. Trata-se do 36º “Sorteio Público de Municípios” que passarão por uma auditoria nas contas públicas durante o período de uma semana. Dessa vez, três municípios potiguares, com até 500 mil habitantes, serão sorteados numa lista composta por 70 municípios em todo país. Mas essa não é a única atividade da CGU. À frente da CGU/RN há quatro anos, Moacir Rodrigues de Oliveira recebeu a TRIBUNA DO NORTE para contar como é desenvolvido o trabalho desse órgão de assessoramento da Presidência da República.
Moacir Rodrigues de Oliveira, chefe da CGU/RN
Como é realizado o trabalho da CGU no país e no RN?

A CGU tem um órgão de representação em cada Estado do país. Apesar do nome ser Controladoria, temos a Secretaria Federal de Controle que faz fiscalização e auditoria. Todo e qualquer órgão público federal, aqui no Estado, é passível de uma auditoria. Fazemos o que chamamos de avaliação de gestão. Somos os responsáveis também de realizar auditoria em todo o “Sistema S”. É interessante separarmos o que é auditoria e fiscalização. Todo órgão público tem uma missão. Na auditoria, queremos avaliar como está o desempenho daquela unidade no que se refere à atividade finalística dela. É um trabalho muito dinâmico que atua sobre realidades diferentes.

Como são feitas as fiscalizações?

As prefeituras e o Estado recebem um volume muito grande de recursos provenientes da União. São três os instrumentos de transferência de recursos da União: transferência constitucional (FPM e royalties, por exemplo). Nesse caso, a CGU não fiscaliza porque é recurso próprio e aí quem fiscaliza é Tribunal de Contas do Estado. Mas há outras duas formas de repasse que fiscalizamos: transferências legais ou fundo a fundo (PSF, Farmácia Básica, Merenda Escola, Bolsa Família, PET, por exemplo); e as transferências voluntárias, usadas para obras e aquisição de equipamentos.

E para fazer essa fiscalização, é necessário que haja uma provocação de outro órgão?

Não. No início do ano, estabelecemos uma hierarquia dos programas de governo e estabelecemos, para o resto do ano, quais as ações serão fiscalizadas e com quais objetivos. Algumas demandas vão acontecendo ao longo do ano, seja através do Ministério Público, Polícia Federal, cidadão ou notícia em algum veículo de comunicação. Antes de inicializar os trabalhos, fazemos uma análise da denúncia ou notícia.

O que está no topo dessa hierarquização?

Cada ano modifica. Depende de alguns fatores. Pode haver um pedido da Presidência da República. Suponhamos que seja solicitado, pela presidenta, um diagnóstico do programa Bolsa Família no país. É lógico que um pedido desse vai para o topo das prioridades da CGU. Pode haver um pedido do Congresso Nacional. As obras do PAC, por exemplo. É importante ressaltar que a CGU é um órgão de assessoramento da Presidência. A nós compete dar diagnóstico de políticas públicas. Mapeamos riscos, mas também oportunidades.

Como está o quadro de pessoal na CGU/RN? É satisfatório?

Falta pessoal. E isso, muito antes de ser um problema, é um bom sintoma. Quando falta gente, é porque há serviço ainda a ser feito. A instituição, à medida que falta pessoal, demonstra que o trabalho dela é útil à sociedade, que ela traz repercussão. Atualmente, somos 32 servidores ao todo divididos nos cargos de técnico de finança de controle e analista de finança de controle. Genericamente, chamamos todos de auditores.

Esse número, suponho, não é o ideal…Qual seria o número ideal?

Está bem aquém da necessidade. Mas não podemos projetar.

Quando vocês realizam fiscalizações nas prefeituras, através dos “Sorteios Públicos”, quais diagnósticos são mais comuns?

Desde 2003 realizamos esses sorteios. Ao nos relacionarmos com as prefeituras, o maior produto que uma auditoria pode trazer é um diagnóstico. Percebemos que a maioria das prefeituras é carente de capacitação. O perfil dos servidores precisa ser melhorado mediante capacitação: como executar bem um programa de governo, como fazer uma boa administração, como fazer uma boa fiscalização, como adquirir bem.

Por falta de preparo desses servidores, acaba-se perdendo dinheiro público?

Acho que diminui a eficiência. Precisa de atenção nas licitações. Muitos pensam que a licitação é comprar o mais barato. Não é isso. Na licitação, tem que comprar pelo melhor preço, não o menor. Você precisa comprar aquilo que a administração precisa como melhor preço, que nem sempre é o menor. A falta da boa especificação do objeto na licitação faz com que a Administração compre um produto ruim.

Há algum programa da CGU que oriente esses servidores?

Temos vários programas. Temos o programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”, em que vamos às prefeituras capacitar as pessoas. Passamos uma semana capacitando os conselheiros e lideranças locais. É preciso se aproximar dessas pessoas para elas terem noção de como analisar uma prestação de contas, saber o que é indicativo de uma nota fiscal falsa. É treinamento prático.

Qual outro programa existe?

Temos o “Fortalecimento da Gestão”, onde o público é o servidor da prefeitura. Temos também o “Debate Acadêmico”, onde reunimos os universitários e apresentamos palestras para capacitá-los para fiscalizar recursos públicos. Mostramos como o Portal da Transparência funciona. Muitos jovens que moram em Natal, por exemplo, são oriundos de municípios do interior. No “Portal”, ele pode verificar que foi destinado um recurso para determinada obra e, em visita ao município dele, observa que a obra não foi realizada. Ele pode fazer a denúncia e vamos fiscalizar.

Como está o fluxo de denúncias através do site?

Recebo, em média, duas ou três denúncias por semana. Primeiro fazemos um mapeamento para saber o grau de verdade dessa denúncia. Como você disse, estamos em ano eleitoral, chega muita denúncia que na verdade só cria um fato. É preciso o cuidado de fazer as avaliações preliminares e levantamentos para não gerar uma ordem de serviço, mandando dois auditores, com um custo alto, para não apurar nada.

E qual o caminho após a denúncia e apuração do possível dolo?

O que ocorre é que, quando vem um aviso de denúncia de má aplicação de recurso público, se a CGU pode intervir para estancar esse desvio, é lógico que não vamos ficar esperando derramar o leite para depois dizer que o leite derramou. Já tivemos casos onde fomos fiscalizar determinada prefeitura. Chegando lá, percebemos que havia sido liberado um recurso para uma obra, mas a parte que estava feita não estava executada como devia. Então, pedimos para bloquear o recurso que estava na conta até que aquela parcela que não estava bem executada fosse modificada. Há uma confusão com outros órgãos. Não compete à CGU cuidar dos recursos dos ministérios. Nosso trabalho é de assessoramento à Presidência da República. Se, por exemplo, encontramos um recurso do Ministério da Saúde que foi mal aplicado, o que devemos fazer? Informar à Presidência da República ou ao Gabinete Civil, o ministro da pasta tem que ser notificado e ele é quem deve pedir para agir. Nós, depois, vamos lá verificar se a situação foi corrigida.

E como o gestor é penalizado?

Nós temos diversos procedimentos. É preciso identificar, no comportamento do gestor, se há algum indicativo de dolo e má fé. Havendo esse indicativo, temos parceria grande com PF e MPF. Temos acordo de cooperação com o Tribunal de Contas do Estado. Os órgãos estão percebendo que precisamos trabalhar em conjunto.

Nesses quatro anos à frente da CGU/RN, como o senhor avalia o gestor potiguar?

Na verdade, como em todo lugar, temos comportamentos para todos os gostos. Há gestores que precisam de mais assessoramento e gestores que praticam uma administração arcaica, patrimonialista e que, se brincar, ele anda com um talão de cheques da prefeitura no bolso, sem respeitar normas. Mas é bom que se diga que a administração pública tem evoluído. Os casos mais graves de corrupção, com maior repercussão, nós não queremos estar longe. Queremos estar perto. Independente de quem seja o gestor, é importante que a CGU esteja presente na abertura de um edital de uma obra grande, por exemplo. Podemos ajudar o bom gestor e coibir a ação do mau gestor.

O gestor está ciente que o cidadão tem armas de controle e fiscalização?

O gestor que tem compromisso com o eleitor está preocupado em se aproximar da CGU, de entender o Portal da Transparência e de praticar a Lei de Acesso à Informação. Mas tem o gestor que quer desconhecer a ação de qualquer pessoa como se o município fosse uma propriedade dele mesmo. Mas nunca tivemos problemas para ter acesso a qualquer documento. Entendo que um dia teremos que fazer um curso para capacitar gestores. Eles vêm de áreas diferentes: tem o agropecuarista, médico, empresários, e a dinâmica da administração é outra. Há critérios, impessoalidade. Parte dos gestores ainda não entenderam esse princípio da impessoalidade. Há outros que não entendem também o que é moralidade.

Nesse período que o senhor está à frente  da CGU/RN, houve algum caso que chamou mais atenção?

Temos várias operações realizadas e outras estão em curso. A mais recente foi a “Operação Êpa”, que começou num trabalho de rotina, chamamos os parceiros habituais e conseguimos identificar a aplicação de recursos em desfavor do interesse público. Podemos falar também da “Operação Via Ápia” que ocorreu no Dnit. Algumas pessoas foram presas e o diretor foi afastado.

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