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Linha de montagem no canteiro de obras

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Já foi o tempo em que um caminhão carregado de tijolos saía do depósito ou da olaria em direção à obra, deixando os cacos pelo caminho. Também ficou para trás a época em que os perfis de aço chegavam do distribuidor sem corte e dobra, pois as dimensões exatas nasciam na hora da colocação, demandando um tempo precioso dos operários.

Muita coisa ficou para trás nos últimos anos, desde que a grande construção civil se transformou numa linha de montagem. Hoje, quase tudo sai na medida do fornecedor, ajudando a diminuir o desperdício médio de materiais nas obras que já atingiu em passado recente inimagináveis 30%. Rotinas de recebimento, inspeção e armazenamento evitam que o lucro escoe pelo ralo junto com a água que lava as betoneiras – e nem esta se desperdiça mais com os novos programas de reaproveitamento de resíduos.

Hoje, os operários são treinados para manusear cada tipo de material empregado. Tudo está num manual – procedimento de execução do serviço – apresentado a ele no ato de sua admissão na empresa. Se vier transferido de outra obra já traz consigo a cultura de manuseio, o que o transforma num profissional cobiçado pela concorrência que opera nos mesmos padrões.

Composto por um grande contingente de analfabetos, o trabalhador admitido sem qualquer qualificação encontra nas construtoras seu meio de aprendizado e aperfeiçoamento – fica sabendo quais ferramentas irá utilizar no serviço e a melhor maneira de conservá-las e guarda-las.

Segundo José de Anchieta, vice-presidente do Sindicado dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil, dos 18 mil trabalhadores do setor no Rio Grande do Norte, 8 mil estão na Grande Natal e a esmagadora maioria ainda é formada por analfabetos.

Das centenas de construtoras de todos os portes, apenas duas ou três – na sua avaliação – mantêm escolas de alfabetização nos canteiros. Estão entre as que já conquistaram certificações ISO. Mesmo assim, 85% desses operários estão com suas carteiras assinadas e trabalhando quase ininterruptamente. O restante – formado por pessoas de todas as faixas etárias, dos 18 aos 55 anos – está alijado por absoluta falta de condições formais para o exercício da profissão, num mercado superaquecido.

“Como se pode esperar que um pedreiro tenha ânimo de largar a jornada de trabalho de um serviço bruto para pegar num livro à noite?”, pergunta José de Anchieta, ele mesmo um ex-operário que cumpriu todas as duras etapas do ofício para se transformar num dos 800 mestres-de-obras do Estado.

Com salário em carteira de 1.090 reais, mestres-de-obras são artigo de luxo no mercado e podem perceber até 2.500 reais, somados adicionais que recebe por fora. Essa especialidade é ainda mais disputada na medida em que as grandes construtoras fazem com que um único mestre cuide às vezes de algumas centenas de trabalhadores, auxiliado apenas por uma técnico em edificações (nível médio) que trabalha meio período. “Eu sei disso, já cuidei de centenas de operários sozinhos”, testemunha Anchieta.

Especialização e recursos tecnológicos

Capacetes diferentes também estabelecem diferentes funções. Hoje na maioria das grandes obras se trabalha com gruas, sucessores dos guinchos no transporte de material. Os elevadores tomaram não sem tempo o lugar das perigosas roldanas, o milenar sistema por meio do qual se erguiam coisas e pessoas.

Um software controla tudo, desde a hora em que o material é classificado e entra na obra, emite notas fiscais, além de gerenciar solicitações diárias de compra. O comprador faz uma cotação de preços e emite uma autorização de fornecimento, com vias para o fornecedor e para a obra, possibilitando a conferência da nota fiscal com o pedido gerado no programa. De posse da nota, na obra, os dados são lançados no sistema, que informa on line para o departamento financeiro, responsável pelos pagamentos.

A admissão de pessoal também é feita pelo software, gerando um formulário que vai direto para o departamento de pessoal de onde as novas informações são inseridas na folha de pagamento.

Tudo isso representou uma economia enorme de tempo e papel na comparação ao período em que tudo era gerido apenas pela matriz. Trata-se de um instrumento a mais quando a construtora estabelece o cronograma da obra perante o cliente.

Contudo, o desperdício é inevitável — é possível estimá-lo atualmente em algum ponto entre 10 e 15%. Como não bastasse, quem trabalha com construção em países desenvolvidos têm dificuldade para entender o número que consideram excessivo de operários por obra no Brasil. Também acham baixa a produtividade da mão-de-obra e precários os modelos de gerenciamento. Mas entendem que a explicação, no caso do Nordeste, é mais sociológica do que técnica. Alguns empreendedores europeus já pensam em trazer com eles um grupo de profissionais-chave para tocar seus empreendimentos, como os colonizadores portugueses, espanhóis e holandeses faziam séculos atrás quando estacionavam seus navios nas costas brasileiras.

Mais recentemente, as construtoras começaram a prestar mais atenção a um outro dado que poderia embaçar seus planos de ganhar dinheiro – o meio ambiente. Não só no cuidado com os licenciamentos, mas como uma série de outras exigências que já fazem parte da legislação ambiental brasileira.

Qualificação dos trabalhadores

Hoje, as grandes construtoras não aceitam mais operários analfabetos. Ainda não existem estudos precisos que determinem a produtividade desses trabalhadores. Mas o setor ainda se ressente do analfabetismo funcional, que se constitui um dos grandes gargalos nas estruturas fabris do mundo, causando imensos prejuízos pela incapacidade dos operários não conseguirem interpretar pouca coisa ou nada do que lêem. Por enquanto, essa é uma questão que nem se coloca no momento. O dado do analfabetismo funcional é algo tão sério na construção civil que os empresários já se dão por satisfeitos implantando uma escolinha dentro do canteiro de obras.

Outros problemas, mas estes imediatamente ligados ao sindicato dos trabalhadores, são o atraso de pagamento das quinzenas, uma questão mais comum entre as empresas terceirizadas para gerir a mão-de-obra; e o trabalho nos domingos e feriados sem a comunicação prévia. É proibido, mesmo que rendam horas extras dobradas. Nesses casos, o sindicato tem condições de paralisar as obras enquanto o problema não for solucionado.

Evolução dos procedimentos

Desperdícios que eram comuns: 

– Carregamento de tijolos saiam dos depósitos deixando os cacos pelo caminho; 

– Perfis de aço chegavam do distribuidor sem corte e dobra;

– Trabalhadores não recebiam treinamento específícos para o uso de cada material;

Mudanças na construção:

– Fornecedores entregam o material sob medida, aumentado a produtividade; 

– Rotinas de recebimento, inspeção e armazenamento evitam prejuízos;

– Programas asseguram o reaproveitamento de resíduos. 

– Operários são treinados para manusear cada tipo de material empregado;

– Manuais de procedimento de execução do serviço são apresentados no ato de admissão do trabalhador.

Números:

– Dos 18 mil trabalhadores do setor no Rio Grande do Norte, 8 mil estão na Grande Natal. 

– Mestres-de-obras recebem salários que variam de R$ 1.090 a  R$ 2.500.

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