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Literatura brasileira sem estereótipos

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Andrei Netto

Paris, (AE) – No imaginário do europeu, o Brasil é cada vez mais associado à ideia de uma jovem democracia em franco desenvolvimento, de uma nova fronteira econômica. As velhas concepções sobre a nação do carnaval, do samba, do futebol, entretanto, ainda têm força descomunal quando se fala de cultura Na literatura, esses estereótipos se revelam na expectativa do público, ainda em busca de autores que falem de “temas brasileiros” e exóticos, como a pobreza extrema, a violência, as contradições sociais. Para os jovens escritores que se lançam no exterior, é um desafio provar ao leitor que há uma literatura universalista no País.

Este é de certa forma o objetivo de seis escritores convidados pelo Itamaraty e pela Fundação Biblioteca Nacional a representar o Brasil no Salão do Livro de Paris de 2012, em curso neste momento na capital. Depois de dois anos longe da feira, um dos maiores eventos culturais da Europa, o País tenta atrair atenções para sua literatura, sugerindo ao leitor europeu que sua produção vai além dos best-sellers de Paulo Coelho e dos clássicos de Machado de Assis e Clarice Lispector.

“A ideia é que marquemos presença, que a nossa literatura saia de seu cantinho e mostre que fala para todo mundo, que não é só pitoresca; é também universal”, explica Simone Dias, chefe do setor cultural da embaixada em Paris e uma das articuladoras da volta do Brasil ao salão. No estande do País, bem situado e de porte, com 90 metros quadrados – tamanho acima da média da feira -, Adriana Lisboa, Adriana Lunardi, Arthur Dapieve, João Carrascoza, Maria Valéria Rezende e Tatiana Salem Levy terão a missão de representar a nova geração de autores. A ideia é estimular o diálogo com o público leitor francês, em um contato direto que desperte a curiosidade pela língua e pela literatura produzida hoje no Brasil.

O desafio não é pequeno. “O mais difícil é sair do estereótipo duro”, entende Maria Valéria, autora de O Voo da Guará Vermelha (2005), também publicado em Portugal, Espanha e França. “Ninguém sabe o que é a literatura brasileira no exterior. E a maioria de nós, autores, nem tenta ser conhecido fora, porque é muito complicado.”

Na quinta-feira, a reportagem discutiu durante duas horas com as quatro mulheres que representam o País – Arthur e João ainda não haviam chegado a Paris. A constatação é unânime: o desconhecimento sobre nossa produção literária é quase total no exterior. As razões são múltiplas e vão de questões objetivas, como a falta de leitores de português entre os editores de outros países, até vícios de alguns escritores brasileiros, ainda apegados demais a uma visão modernista da literatura, já superada em alguns grandes centros, como a França.

O maior dos obstáculos, entretanto, segue sendo a expectativa de que autores do Brasil falem de temas pitorescos. “Somos uma espécie de subgênero. Os editores esperam que falemos de algo que remeta à ideia que eles fazem do Brasil”, analisa Adriana Lisboa, autora de Azul-Corvo (2010). Adriana Lunardi, que apresenta em Paris Vésperas (2002), entre outros, concorda. “Quando o público estrangeiro descobriu Machado, Clarice? Ontem. Mas estamos falando de dois autores que fazem a literatura brasileira ter um caráter mundial. A cultura brasileira que atraía no exterior era outra.”

Daí a importância do esforço feito pela embaixada e pela Fundação Biblioteca Nacional para trazer de volta o País ao Salão do Livro realizado em Porte de Versailles. “Se existe um objetivo na mesa, é lutar contra essa imagem preconcebida da literatura brasileira”, sintetiza Tatiana, que fala em Paris de A Chave de Casa (2007) e Dois Rios (2011), romances publicados em Portugal, Itália, Espanha, Turquia, Romênia e França.

A boa notícia é que, na avaliação do ministro-conselheiro Alex Giacomelli, coordenador de Serviços Culturais do Brasil na França, o País tende a se tornar um emergente não só na economia, mas também na literatura. “Há um interesse em saber mais sobre a nossa cultura”, acredita. Essa é, na sua visão, a oportunidade de mostrar no exterior que nossos escritores não trazem apenas consigo brasilidade; trazem também um pedacinho do mundo.

Brasil tenta reaver espaço na Europa

O retorno dos autores brasileiros à cena literária francesa faz parte de uma nova política de valorização do Salão do Livro de Paris, à qual a embaixada do Brasil se lançou em 2011. Depois de dois anos de afastamento, a representação diplomática constatou a perda progressiva de espaço dos escritores do País, apesar do interesse crescente dos editores franceses pelos ficcionistas brasileiros.

Até 2009, a Biblioteca Nacional organizava a participação dos escritores do evento, imprimindo sua política cultural, enquanto o Itamaraty se encarregava do apoio logístico. Mas, desde então, a BN prioriza outros eventos, e tinha desistido de Paris pelo custo e pelas dificuldades operacionais. Em 2011, a embaixada acertou com a direção da Biblioteca Nacional o retorno ao Parque de Exposições de Porte de Versailles, dividindo os custos. A preocupação dos diplomatas era reverter a perda de influência dos autores em uma das capitais mundiais da cultura. “Estávamos perdendo espaço e tínhamos de voltar para o Salão de Paris”, justificou Simone Dias, chefe do Setor Cultural da embaixada.

A escolha dos autores convidados foi feita pelo Itamaraty. Entre os critérios, estava a descentralização, de forma a impedir que a presença brasileira no Salão do Livro se transformasse no feudo de autores de algum Estado. “Queríamos trazer um pessoal novo, não em idade, mas em proposta”, explica Simone. “O critério é que todos sejam gostosos de ler, que tenham qualidade e que atraiam o leitor.”

O resultado da proposta foi uma ofensiva cultural brasileira em Paris. O slogan do estande, “Este país tá diferente”, remete à letra de Chico Buarque, é publicado em português – mesmo em veículos de imprensa franceses – e tem como objetivo desafiar o leitor a não apenas se interessar pelo idioma, mas a buscar compreender suas nuances e informalidades. O resultado da mobilização, segundo Simone, já se faz sentir. “As editoras estão correndo atrás da gente, querendo nomes para publicar na França.”

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