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Livro descreve dia a dia das Farc

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VIOLÊNCIA - Atentado das Farc atinge militares e também civis“No dia seguinte, horas depois que cessou a tempestade, tivemos que enterrar quinze camaradas, enquanto ouvíamos –olhe que ironia– o choro poderoso do bebê da dona Clara, um belíssimo menino que eu acabava de trazer ao mundo entre os gritos de dor da mãe e os estrondos das bombas. Aquelas bombas inclementes, eu pensava, estavam dando à luz as últimas notícias da guerra.”

É com essas palavras que a guerrilheira Solangie anuncia, no livro “Últimas Notícias da Guerra” (editora GEEMPA, 2006), que acabara de nascer o filho de Clara Rojas. Seria uma história como outra qualquer, não fosse o detalhe inusitado: seqüestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Clara encontrou o amor nos braços de um guerrilheiro.

A história de Clara Rojas é narrada pelo jornalista colombiano Jorge Enrique Botero, que passou dez anos acompanhando a rotina dos guerrilheiros. Clara era assessora de campanha da ex-candidata presidencial colombiana, Ingrid Betancourt, em 23 de fevereiro de 2002, quando ambas foram seqüestradas pelas Farc. As duas permanecem cativas até hoje, ao lado de dezenas de outros reféns.

Botero construiu o relato de “Últimas notícias da guerra” tendo como mote o polêmico nascimento do filho de Clara Rojas e Rigo, o guerrilheiro. Botero contou como acompanhou de perto a rotina da guerrilha e, o mais importante: o filho de Clara existe, de fato. Quem confirmou o fato foi ninguém menos que o porta-voz das Farc, o comandante Raúl Reyes.

“O livro é fruto de um trabalho de reportagem, um trabalho longo e paciente na selva (colombiana). A história principal, o filho de Clara, é totalmente verdadeira. Em uma entrevista em abril deste ano, Raúl Reyes, chefe das Farc, confirmou o nascimento do menino. Mas tive que utilizar alguns elementos de ficção para poder contar a história, como a descrição do parto de Clara, por exemplo”, conta o autor. No livro, o parto é feito de uma maneira bastante traumática, com uma faca de cozinha.

Segundo Botero, a criança deve ter hoje por volta de três anos de idade, mas o jornalista acredita que é muito difícil que ela tenha permanecido junto da mãe. “O menino está vivo, a guerrilha nunca deu notícia de sua morte. Mas ele não deve estar junto de Clara, porque as condições do cativeiro na selva são muito duras”, afirmou.

Botero tem observado de perto o comportamento dos guerrilheiros há dez anos. O livro, um dos frutos desse trabalho de reportagem, conta fatos reais utilizando uma narrativa literária, típica do que ficou conhecido como “novo jornalismo”. A história principal é narrada por Solangie, uma bela guerrilheira que fala de sua vida enquanto vemos o desenrolar das histórias no cotidiano das Farc.

Alguns elementos podem ser ficcionais, mas o jornalista garante que Solangie existe mesmo. “É uma jovem belíssima, nascida em regiões duras da selva, onde o Estado não existe e o poder está nas mãos da guerrilha. Juntei a esse maravilhoso personagem os relatos de vida de muitas outras guerrilheiras que conheci ao longo de mais de dez anos de reportagem no mundo das Farc. Dessa forma, Solangie acabou sendo uma soma de muitas ‘Solangies’”, conta Botero.

O jornalista retrata fielmente a rotina espartana que levam guerrilheiros e seqüestrados. “Eles costumam levantar-se muito cedo, antes das cinco da manhã, e sua principal distração é escutar o rádio, que só pega nas primeiras horas do dia. Também costumam ler e escrever muito”, comenta.

As famílias dos seqüestrados enviam mensagens para os reféns através das emissoras de rádio. As mensagens vão ao ar num programa que se chama “vozes do seqüestro”. É por meio dele que guerrilheiros e cativos podem se inteirar do que está acontecendo fora dali. “A selva é muito densa, praticamente não se vê sol. O clima é chuvoso e úmido, e as doenças mais comuns para os que vivem na selva são a malária e a leishmaniose”, diz Botero.

Além da dureza que o próprio ambiente impõe, a rotina dos guerrilheiros também segue um rígido código de conduta, que proíbe, por exemplo, o namoro entre guerrilheiros e reféns. Por isso, de certa forma, o bebê de Clara e Rigo não deixa de ser um elemento de desordem na rotina da guerrilha.

Para as famílias dos reféns, muitos há anos em poder das Farc, o livro de Botero ajuda a construir uma imagem mais sólida do que pode ser o cativeiro perdido no meio da floresta. Através de seu relato, vemos que guerrilheiros e seqüestrados, no fim das contas, são humanos e, como tais, acabam sobrevivendo apesar das privações, da tristeza, da luta e do sangue derramado nos inevitáveis embates com o exército colombiano.

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