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Livro gratuito traz 28 receitas com ingredientes fora do convencional

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Tádzio França
Repórter

Elas estão por toda parte, nos canteiros, calçadas e praças. E são uma delícia. As PANC – Plantas Alimentícias Não Convencionais – fazem parte de uma extensa biodiversidade com potencial para atuar em várias questões alimentares. No entanto, ainda são desconhecidas pela maioria das pessoas. Uma iniciativa para reverter esse quadro é o livro digital e gratuito “Culinária Selvagem: Saberes e receitas de plantas alimentícias não convencionais”, fruto de um trabalho coletivo entre o Departamento de Nutrição da UFRN e diversos colaboradores. A obra já conta com 11 mil downloads.

Publicação, que já tem 11 mil downloads, traz receitas de iguarias como o doce de monguba, cujas sementes podem inclusive ser consumidas cruas

As sementes do livro estão no Laboratório Horta Comunitária Nutrir (LabNutrir), um projeto de extensão iniciado em 2017 com a função de pesquisar a diversidade e a potencialidade de plantas ligadas à região e ao bioma da caatinga. No processo, as PANC foram adquirindo a prioridade nos estudos.  A horta multidisciplinar, que fica nos fundos do DENUT, conta atualmente com 131 espécies, sendo a metade delas PANC ou plantas com potencial medicinal, e a outra metade, plantas convencionais como berinjela, tomate, jerimum, etc.

Michelle Jacob, coordenadora do LabNutrir e professora do Departamento de Nutrição, explica que foi ao abrir para a comunidade os estudos realizados pelo LabNutrir, que a idéia do livro se configurou. “Foi em uma dessas aulas abertas, onde o gastrólogo Nilson Cordeiro atuava como professor convidado e a professora e artista Ângela Almeida estava como participante, que surgiu a ideia. Ela comentou que algumas daquelas receitas dariam um livro. Começamos a trabalhar na semana seguinte”, conta.

“Culinária Selvagem” levou um ano para ser feito. As 28 receitas que compõem o livro foram criadas, testadas, degustadas e aprovadas em um dos laboratórios do DENUT. Houve colaborações de chefs de cozinha como Deborah Sá e Nilson Cordeiro, nutricionistas como Neide Rigo, e outros talentos da cozinha natural como Paulo Emílio, dono do restaurante local Doce Lar Vegana. Foram utilizados 12 tipos de PANC na elaboração dos pratos, que renderam molhos, suflês, quiches, pães, doces, e até uma paella.

Iguarias não convencionais

A versatilidade culinária das PANC foi algo que Michelle Jacob constatou com gosto. Ela se diz particularmente fã da conserva de trapoeraba, similar à rúcula ou espinafre; as receitas com a castanha da monguba, deliciosa e nutritiva. Ela rende leite vegetal, doce de leite, no formato de pralinés, além de virar farinha e ser a base de uma variedade imensa de preparações. A monguba lembra o cacau. Tem ainda chutney de camapu, molho de cana-do-brejo, suflê de chanana, quiche de coriru, pão de ora-pro-nóbis, paella vegana de PANC, entre outras.

O chutney de camapu, feito a partir de planta originária do Peru

Segundo a pesquisadora, várias PANC tem potencial para caírem no gosto do paladar das pessoas. “Estudos vêm demonstrando que sabor e facilidade de acesso são fatores muito relevantes para as pessoas na hora de escolher o que vão vender, no caso dos produtores, e comprar, no caso dos consumidores”, diz. Baseado nisso, Michelle afirma que plantas como o bredo, a beldroega e o mastruz são as mais acessíveis; por outro lado, camapu e monguba se destacam pelo sabor que agrada em cheio.

“Com base nesses estudos e na experiência que tenho com o tema, acho que a maior barreira que temos hoje para a popularização dessas plantas seja a ausência delas nos mercados, que é o reflexo do baixo investimento que temos nas cadeias produtivas de alimentos nativos ou locais”, explica a professora. Ela ressalta que boa parte dos ingredientes do livro estão na horta do LabNutrir, onde as pessoas podem ir para coletar as plantas, desde que se sintam seguras para identificá-las corretamente. Tem couvinha, beldroega, trapoeraba, mastruz, palma e até algumas árvores de monguba.

Leite com castanha de monguba, semente que lembra o cacau

Outra forma de acesso é buscar feiras de produtores. A referência em Natal neste ramo é a Cecafes, que fica no cruzamento da Jaguarari com a Mor Gouveia. As PANC, em geral, são plantas espontâneas. “Assim, muitos produtores apesar de terem essas plantas crescendo espontaneamente nos seus plantios não as levam para a feira porque não há demanda”, diz. Uma boa opção é conversar e encomendar. Um terceiro caminho é aprender sobre as plantas e ficar atento ao seu redor.

Apesar de invisíveis para a maioria da população, há um interesse incipiente pelas PANC. Uma prova é o próprio “Culinária Selvagem”, que já teve até o momento mais de 11 mil downloads e mais de 13 mil visitas no repositório da editora da UFRN. Os acessos não vêm só do Brasil, mas também dos Estados Unidos, Irlanda, Finlândia, e até no Cazaquistão.

Apesar de o livro de receitas de plantas “exóticas” ser o mais acessado e baixado na história da editora universitária, ainda falta muito para que esse interesse das pessoas se concretizar em uma prática alimentar concreta. Para Michelle Jacob, o caminho que uma PANC percorre do campo para o prato deve passar inicialmente pela pesquisa, em vários âmbitos.

São pesquisas que demonstrem os vieses cognitivos relacionados à seleção dessas plantas pelos seres humanos; pesquisas de composição nutricional que fale sobre o potencial das PANC para tornar as dietas mais diversificadas; pesquisas antropológicas que mostrem como comunidades tradicionais cozinham essas plantas para que se possa saber melhor como explorar o potencial delas; pesquisas de gestão que aponte a forma mais estratégica de desenhar cadeias logísticas e aproximar quem produz e quem compra de forma viável, entre outras.

O que falta? “Falta investimento em pesquisa. Esse é o nosso maior gargalo hoje no Brasil. Enquanto não investirmos em pesquisas sobre biodiversidade alimentar, seguiremos sendo um hotspot de biodiversidade que come mal. É mais ou menos como morrer de sede em frente ao mar, como diz o Djavan”, lamenta a pesquisadora. Segundo Michelle, o estudo das plantas deve considerar toda sua complexidade, pois elas carregam várias histórias de aspectos nutricionais, biológicos, culturais, estéticos, ecológicos, e evolutivos.

A pesquisadora afirma que há mais de 300 mil espécies de plantas alimentícias no mundo, sendo que mais de 50% da energia que os seres humanos ingerem vem de apenas quatro plantas, que são arroz, trigo, milho e batata. A limitação vem da falta de conhecimento e também do preconceito em explorar outras alternativas. As PANC são em geral acessíveis e têm alto valor nutricional.

Quiche de cariru com queijo de cabra pode ser servido com salada crua

A escritora e artista visual Ângela Almeida conta que aprendeu e se deliciou com a experiência de fotografar e conhecer mais as PANC através das iguarias que registrou para o livro. “Quando pensa nas chananas florindo em pleno meio fio, é claro que vai estranhar degusta-las, porém, tudo é cultural, como se sabe. Por exemplo, eu não conhecia a monguba, que é uma árvore linda e tem várias dentro do campus. O gosto do doce de leite de monguba é maravilhoso, lembra a delicadeza das amêndoas”, declara.

Para realizar as fotos, Ângela conta que procurou trazer as PANC o máximo possível para o ambiente das receitas tradicionais, mostrando a beleza dos pratos que elas podem render. “Usei recursos plásticos bem simples, como a madeira, nada de talheres ou pratos sofisticados, tudo muito próximo da natureza originária das próprias plantas. Não usei luz, rebatedor, nada, só uma lente cinquentinha e fechei mais para passar a textura dos alimentos. Uma fotografia ‘selvagem’ também”, conclui.

Serviço:

O livro “Culinária selvagem: Saberes e receitas de plantas alimentícias não convencionais”, de Michelle Jacob, Nilson Cintra e Angela Almeida, pode ser baixado gratuitamente no Repositório Institucional da UFRN. Link: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/30669 

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