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Lixo hospitalar não tem coleta em 60% das cidades do RN

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Andrielle Mendes
repórter

No Rio Grande do Norte, cerca de 60% dos municípios (98 de 167) envia o lixo hospitalar para lixões a céu aberto. A média fica bem acima da regional (11,5%) e da nacional (15,4%). Os riscos dessa prática são potencialmente distribuídos para toda a população, não se limitando a catadores de resíduos ou a quem sobrevive de reciclagem de material. O incidente com o Césio 137 em Goiania, no ano de 1987, ilustra bem as possibilidades de danos que existem por trás do descarte do lixo proveniente de hospitais, unidades de saúde, clínicas e necrotérios sem o devido cuidado e procedimentos previstos. Em setembro daquele ano, Roberto Santos Alves e Wagner Mota Pereira, catadores de sucata, entraram nas antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia, em Goiás, e saíram carregando um cilindro de ferro de mais de cem quilos. Eles tentaram abrir o cilindro com uma marreta durante uma semana. Depois, venderam o cabeçote de uma bomba de Césio 137, usada em tratamento de câncer, para  Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho. Devair   violou o lacre e encontrou uma pedra azul no interior do cilindro. Ofereceu a ‘joia’ à mulher, distribuiu pequenos pedaços entre vizinhos e parentes. Pelo menos, onze pessoas morreram, 250 se contaminaram e 600 entraram para o grupo de risco em função do ‘espalhamento’ do Césio 137.
Nos lixões do interior, como em Caicó, não é difícil flagrar o descarte de medicamentos e lixo hospitalar
No Brasil, cerca de 60% dos resíduos de saúde coletados são descartados de maneira inadequada, em locais impróprios, trazendo risco à saúde pública, segundo a Associação Brasileira de empresas de Limpeza Pública (Abrelpe). Clébio Azevedo, diretor da Serquip no RN – recentemente vendida para a Sterecycle e única autorizada a tratar o lixo hospitalar do estado – acredita, entretanto, que o índice no RN seja menor. Segundo ele, 80% dos ‘resíduos de serviços de saúde’ produzidos pelo estado são incinerados pela empresa.

Segundo a Abrelpe, cerca de 2,3 mil toneladas de lixo hospitalar são recolhidas por ano no RN. A quantidade representa 1% de todo lixo hospitalar recolhido no País. Os dados são do Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil – 2010. O percentual de municípios que enviam lixo hospitalar para lixões a céu aberto no Rio Grande do Norte – quase quatro vezes maior que o do Nordeste e o do Brasil – preocupa, afirma Maria Auxiliadora Barros, do Departamento de Serviços de Saúde, da Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do RN (Suvisa/RN). “O descarte de resíduos de serviços de saúde de forma inadequada e em locais inapropriados pode ferir e infectar catadores e poluir o meio ambiente”, explica.

A Suvisa, explica Auxiliadora, fiscaliza os hospitais potiguares com frequência. Quando detecta alguma irregularidade, autua e exige que o hospital  dê o destino correto aos seus resíduos. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), por sua vez, diz fiscalizar a unidade de tratamento da Serquip, única autorizada a atuar no ramo.

Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico mostram que 63% dos municípios brasileiros possuem coleta de resíduos de serviços de saúde. Deste total, 18% utilizam algum tipo de tecnologia de tratamento;  36% queimam o lixo hospitalar a céu aberto e quase 35% não adotam qualquer tipo de tratamento. “Estudos de saneamento ambiental indicam uma carência de utilização das técnicas corretas de disposição dos resíduos em solo”, afirmou o técnico da Gerência de Infraestrutura em Serviços de Saúde da Anvisa, Luiz Carlos da Fonseca e Silva, ao Portal Saúde, do Ministério da Saúde.

Catadores denunciam descarte irregular

Caicó, a 267 km de Natal, era um dos municípios potiguares que não tratavam o lixo hospitalar. Algumas unidade de saúde, como o Hospital Regional, até incineravam seus resíduos, entretanto, boa parte do lixo proveniente de clínicas, hospitais e unidades municipais de saúde ia parar no lixão da cidade. Hoje, os resíduos são coletados e tratados pela Serquip. Catadores que vivem no lixão afirmam, entretanto, que parte do lixo hospitalar da cidade ainda é descartado no local.

“Vem sim para cá. Eles (os motoristas das caçambas de lixo) queimam logo. Não deixam a gente chegar perto”, afirma um dos catadores, que não quis se identificar. Ele mesmo já se feriu. Pisou numa seringa e precisou retirar a agulha que entrou no pé. Não foi ao hospital, porém. Desinfectou o ferimento com iodo, cujo frasco também encontrou no lixão.

“A gente encontra seringa, soro, luva. O homem que traz o lixo queima na mesma hora”, afirma outro catador, que vive no lixão há um ano. O ‘homem que traz o lixo’, cujo nome será preservado, é motorista da Prefeitura de Caicó e nega o descarte irregular. “Eu trago apenas lixo comum do hospital”, explicou, visivelmente nervoso.

A equipe de reportagem, que vasculhou o lixão, não encontrou nenhum ‘resíduo de serviço de saúde’ no local. Segundo os catadores, o lixo havia sido descartado e queimado na semana anterior.

O diretor do Hospital Regional de Caicó, Nildson Dantas, reforçou a versão do motorista. Segundo ele, apenas o lixo comum é descartado no lixão. “O infectante, é acondicionado em recipientes especiais e recolhido pela Serquip uma vez por semana. Não tenho conhecimento de descarte irregular em  Caicó. O último caso foi registrado há quase dez anos, quando o assunto começou a ser discutido na Câmara de Vereadores”, afirmou Nildson. Os catadores defendem sua versão. “A verdade cabe em todo lugar”, diz um.

Apreensão de lençóis vindos dos EUA gera discussão

A Polícia Rodoviária Federal em Pernambuco apreendeu no dia 27 de outubro cerca de cem quilos de lençóis com inscrições de hospitais dos EUA. O material era semelhante ao apreendido no porto de Suape (PE). A apreensão dos lençóis foi feita em uma fiscalização de rotina, na BR-316, em Ouricuri (636 km a oeste de Recife). Segundo a Polícia Rodoviária Federal, parte do material apresentava manchas e tinham aspecto de usado. Os lençóis estavam sendo transportados no porta-malas e no banco traseiro de um Fiat Uno, conforme publicou a Folha de São Paulo. O veículo tinha placas de Santa Cruz do Capibaribe (205 km de Recife), cidade onde a Polícia Federal, o Ibama e a Receita apreenderam cerca de 25 toneladas de lençóis importados dos EUA que estavam sendo vendidos como retalho.

Novos casos foram registrados em outros estados. Em Serra de São Bento, no Rio Grande do Norte, por exemplo, um jovem descobriu que o bolso de sua bermuda havia sido confeccionado com lençol de um hospital. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou também à Folha de São Paulo, que a vigilância em portos do país foi reforçada após a descoberta de dois contêineres vindos dos Estados Unidos que continham lixo hospitalar, no porto de Suape, Pernambuco. “Nós não vamos permitir que qualquer país  mande lixo hospitalar para o Brasil. A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] está cumprindo seu papel, que é detectar o problema, orientar as vigilâncias estaduais e reforçar a vigilância em portos e lugares de passagem desses lençóis”, afirmou ao jornal.

Bate-papo

Sérgio Macedo » Coord. de Meio Ambiente do Idema

A pernambucana Serquip é a única empresa autorizada a tratar o lixo hospitalar produzido no RN. Em 2009, a empresa atendia 45 dos 167 municípios potiguares, ou seja, 26,9%. Este número subiu de lá para cá?
 

Não sei responder.

O senhor saberia dizer qual o destino do lixo hospitalar produzido nos municípios não atendidos pela Serquip?

Os municípios não atendidos geralmente descartam os ‘resíduos de serviços de saúde’ nos lixões. Alguns colocam cal por cima. Outros queimam. Mas de uma maneira geral, as prefeituras que não tem contrato com a empresa enviam o lixo hospitalar para os lixões e depositam no mesmo local onde depositam o lixo doméstico.

Imagino que essa não seja a forma mais adequada de descartar este tipo de resíduo..

Não.

Este descarte deve trazer inúmeros riscos à população.

Sem dúvida.

Que tipo de riscos traz?

Nos lixões, encontram-se catadores. Não só adultos, mas também crianças e idosos (que podem se ferir ou se infectar). Encontram-se também animais, que podem atuar como vetores de doenças.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), no Brasil, 60% do lixo hospitalar é descartado de forma inadequada e em locais impróprios, trazendo risco à população.  No RN, o percentual é maior ou menor?

Eu acredito que seja maior. A maioria dos municípios potiguares não têm contrato com a Serquip e descarta os ‘resíduos dos serviços de saúde’ nos lixões.

Maior quanto?

Eu não sei dizer, mas é, com toda certeza, bem maior.

Como o Idema acompanha este processo?

O órgão fiscaliza periodicamente o incinerador da Serquip e verifica se ele está operando de acordo com  a licença.

O Idema dispõe de pessoal suficiente para fiscalizar não só a empresa, mas as unidades de saúde, clínicas, hospitais e os lixões?

O Idema não fiscaliza os lixões, porque eles não são licenciados.

O Idema conta com quantos fiscais para o RN?

16. (O orgão, porém, compartilha a gestão com secretarias municipais de Meio Ambiente de seis municípios, quase todos na região metropolitana).

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