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Magnólia Figueiredo: “As mulheres são determinadas”

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Vicente Estevam repórter de Esportes 

A secretária de Esportes e Lazer, Magnólia Figueiredo é uma daquelas mulheres persistentesA secretária de Esportes e Lazer, Magnólia Figueiredo é uma daquelas mulheres persistentes e nada melhor que comemorar o Dia Internacional da Mulher com uma entrevista, onde ela mergulha fundo no universo feminino dentro do esporte de alto rendimento. A desportista trata, nesta entrevista à Tribuna do Norte, de assuntos jamais perguntados antes e não foge das questões consideradas polêmicas, como o assédio sexual no meio esportivo, que pode ser encarado como um dos problemas para o surgimento de novos valores no setor. Magnólia reclama do relativo preconceito nas questões de patrocínio, onde a força masculina continua prevalecendo em termos de valores, salienta que a mulher não deve ser olhada mais como “aquele cristalzinho que pode se quebrar” e acredita na equiparação dos valores financeiros mediante aos resultados técnicos. Quanto à falta de novos nomes femininos potiguares no cenário nacional, a secretária ressalta que não é por falta de produção de jovens revelações no RN, salientando que o problema é a falta de uma política para segurar os nossos melhores atletas no Estado.

Depois dos fenômenos Magnólia Figueiredo e Virna, o RN está meio carente no cenário desportivo nacional de destaques femininos. A que se deve isso?
Não é que nosso estado não esteja produzindo atletas de alto rendimento, nós produzimos sim, mas o problema é que não temos uma política capaz de segurar esses jovens por aqui. Na semana passada mesmo nós perdemos uma atleta, coincidentemente do sexo feminino,  que foi convidada para competir em Uberlândia. Infelizmente nós não conseguimos viabilizar mecanismo para segurar nossas principais revelações.

O interior do RN é pródigo em revelar talentos para o atletismo. Isso continua funcionando bem?
Currais Novos continua produzindo grandes atletas do sexo feminino, o trabalho desenvolvido por lá é muito bom, mas também já foi obrigado a ver algumas das suas jovens revelações irem embora. Isso nos preocupa porque a gente sabe que todas são frutos de trabalho de pessoas muito capacitadas da nossa terra. Nosso grande temor é saber que esse êxodo também é expansível as demais modalidades esportivas do nosso estado e a probabilidade disso ocorrer aumenta muito quando nós ficamos sem referências. É uma pena que isso esteja ocorrendo.

A Secretaria de Esportes pretende combater isso de que forma?
Nós já estamos com algumas intenções de interferir neste processo e espero que sejam possíveis de viabilizá-las a partir dessa temporada para conquistar apoios reais com a finalidade de reter os nossos principais atletas aqui. Temos ciência de que algo necessita ser feito com urgência.

Nós estamos num século aonde as mulheres vêm ganhando cada vez mais espaço. É muito difícil ela se projetar no esporte?
Não, hoje eu tenho a certeza que não mesmo. Eu acho até que as mulheres quando decidem fazer algo são muito sérias, mostram muita determinação. Tantos que o resultado técnico das mulheres no esporte tem evoluído muito nos últimos tempos. Por certo tempo nós fomos proibidas de executarmos e treinarmos em algumas modalidades que antes achavam que eram para homens, mas hoje isso acabou e as mulheres estão podendo demonstrar a força que elas têm e acho que é muito mais pelo compromisso.

No campo meramente esportivo, as coisas são iguais para homens e mulheres. Estou falando em termos técnicos?
Se você tem pessoas capacitadas, estrutura física que são determinantes a qualquer atleta, mais a determinação de fazer, acredito que as mulheres vão continuar se projetando pelo próprio compromisso e a seriedade que costumamos encarar as situações.  Nós sabemos que devemos nos fazer representar e a última Olimpíada já foi uma demonstração desse novo cenário onde tivemos um número expressivo de mulheres em nossa delegação. E a gente sabe que os Jogos Olímpicos é um evento extremamente seletivo,  onde o funil para se chegar lá é muito grande e nós conseguimos um espaço superior ao dos homens.

Todos os tipos de preconceito em relação ao “sexo frágil” já foram quebrados ou existem algumas barreiras que persistem e atrapalham as mulheres a vencerem no esporte?
Acho que existe sim, mas cabe a mulher lutar para minimizar esses obstáculos, essas discriminações. Acredito que elas são discriminadas até por essa luta, quando começaram a assumir mais o direito que é dela. Nós sabemos que levamos desvantagem nos níveis de patrocínio ainda, a coisa não é homogênea porque se acredita muito mais na força masculina. A mulher ainda é considerada como aquele cristalzinho que vai se quebrar e na verdade ela não é.  Ainda existe essa diferença, mas nós estamos conquistando espaço e acredito que dentro em breve estaremos equiparadas com os homens.

Quer dizer que a prática do trabalho normal também invade o campo esportivo em questão de diferença salarial entre homens e mulheres?
Com certeza, hoje o esporte de alto rendimento é encarado como uma profissão, então ele também acaba aderindo a este modelo existente dos níveis salariais. Como eu falei, nós estamos conquistando espaços, principalmente através de resultados técnicos, que é o que fala mais alto no esporte e vai chegar um momento em que deverá ocorrer essa equiparação de salários.

Você, como atleta, surgiu num momento em que tudo era mais difícil, principalmente no RN. Então, o que fez Magnólia dar certo no cenário esportivo?
Foi o casamento perfeito das pessoas que encontrei pelo caminho. Meus primeiros técnicos: professor Lindomar, Armando Lima e depois o professor Figueiredo. A ousadia de todos os desafios, pois sabíamos de todas as dificuldades e queríamos inverter uma máxima dentro do esporte, a de que só obtém bons resultados quem trabalha em condições perfeitas. É lógico que isso é importante, mas se nós fossemos esperar pelas condições ideais, acredito que ainda hoje nós não teríamos feito essa carreira. Repito, foi um grande desafio, mas sinto um grande orgulho daquilo que conseguimos realizar.

Na época você teve o apoio que precisava?
Tive sorte de receber ao longo dos anos apoios importantes do Município e do Estado e de encontrar um ambiente favorável no meio da minha família. O pensamento convergia muito para facilitar a situação. Eu estava focada nos resultados, a me desenvolver quanto atleta, com atenção nos resultados que deveria obter para chegar ao patamar desejável e isso terminou minimizando as dificuldades encontradas pelo meio do caminho.

As opções que deve fazer e os sonhos femininos atrapalham no desenvolvimento e na formação de uma atleta. Foi muito difícil para você tomar essas decisões?
A administração é imprescindível na vida da pessoa, não foi tão difícil para mim porque sempre consegui conciliar bem os meus projetos e as minhas tarefas. Para mim tudo foi muito bem administrado e consegui conciliar duas faculdades, pós-graduação, tempo para família e o tempo para o treinamento numa boa, a escola mesmo no ensino médio. Às vezes ocorria da necessidade de eu estar na faculdade nos dois horários e ter de treinar nos dois horários também, mas para tudo se encontrava uma solução, embora tudo sendo muito corrido, tudo fez parte de um planejamento e quando se trabalha de forma organizada as coisas tendem a darem certo. Minha vida sempre foi muito pautada, teve a hora de eu casar, ter filho, me graduar tudo foi planejado de uma forma a não provocar interferência em minhas opções.

Mas isso é um agente que dificulta muito o ingresso da mulher no esporte de alto rendimento?
No meu caso não, minhas decisões sempre foram muito respeitadas, na hora que eu casei, aos 18 anos, na hora que decidi fazer os cursos na universidade, na hora que quis construir uma família. Todas as decisões foram muito bem pensadas, planejadas de forma a não provocar interferências. Eu sei que hoje uma dificuldade de conciliação de uma série de fatores, mas acredito que isso esteja ocorrendo pela própria dificuldade que as pessoas têm de fazer um planejamento correto da sua vida, do seu cotidiano. Priorizam algo em detrimento de outro.

As questões econômicas também costumam atrapalhar?
Nas condições de vida atuais as mulheres quando chegam aos 18 anos geralmente começam a ser cobradas pelos pais a se casar ou buscar um emprego para auxiliar na renda da família, isso falo principalmente baseada no perfil daquelas que optam pelo atletismo. De uma forma geral elas não são tão incentivadas a continuar na prática desportiva quanto os homens.

Você tem uma menina. Por que ela não quis seguir a mesma carreira da mãe no esporte?
Na verdade ela vivenciou muito a minha atuação quanto atleta, participou de vários eventos comigo, acredito que tenha sofrido muito na hora de me ver competindo, mas ela foi uma pessoa muito estimulada a tomar as decisões dela. Ela faz a prática de esporte muito mais para manter a saúde do que voltada para o alto rendimento. Isso foi respeitado, mas tenho certeza que as nossas vivencias levaram-na a ser uma pessoa muito mais determinada. Tanto que apesar de ser filha única, há seis anos, mora fora de Natal e optou por uma profissão que não tem nada a ver com a carreira dos pais. Alguma coisa no compromisso de responsabilidade, determinação nós conseguimos passar para ela, hoje acho que minha filha é uma pessoa completamente realizada.

O ambiente existente no esporte é sadio para mulher, ou os pais devem ficar atentos ao assédio que a filha corre o risco de sofrer?
As relações que são construídas no esporte dependem muito do que a pessoa quer. Na hora que você estabelece relação de amizade, companheirismo e de respeito essa regra não é quebrada. Mas no momento em que você também abre para outras possibilidades, elas ocorrem. Existem as pessoas que são respeitadas, eu tenho 32 anos dentro dessa área e as pessoas até hoje me acham muito séria. Mas é que as relações que estabeleci quanto a companheiro de treino e de competições foram sempre como amigos, pessoas que estavam numa prática com a mesma responsabilidade. Então sempre houve muito respeito neste sentido. O meu envolvimento com um técnico, que hoje é o meu marido, aconteceu muito tempo depois, mas por decisão minha tudo dentro de muito respeito.

“Teria mais rigor contra o doping ”

Mas, de fora, há muita gente que pensa diferente. Qual a orientação que uma garota deve seguir antes de ingressar na carreira?
Na verdade elas precisam ter cuidado onde vão começar a pisar, pois estarão num ambiente onde se cultua muito o corpo, algo que hoje é muito incentivado. Mas antes de cultura o corpo, antes de estabelecer qualquer tipo de permissividade é preciso se cultivar as amizades, o respeito para que façamos as nossas opções, como eu mesma fiz por uma pessoa que é do meio, seja uma decisão séria.

A nadadora Joana Maranhão recentemente revelou ter sido assediada por um técnico. Você acha que situações desse tipo prejudicam o ingresso de meninas no meio esportivo?
Esse é um temor dos pais, mas se o caráter da menina for bem trabalhado acredito que ela não terá qualquer dificuldade. Essa pelo menos nunca foi uma preocupação na minha família, eles sabiam que eu estava num ambiente que era propício ao assédio, devido ao relacionamento comum com o sexo oposto, porém eles tinham certeza de que eu era muito consciente das minhas decisões. Acho que os pais não devem temer isso, ao contrário, se eles confiam na educação e no trabalho em termos de valores, princípios e de formação, das suas filhas não devem se preocupar. Ao contrário eles devem saber que a opção feita pela menina está toda baseada nos conceitos vivenciados no seio da família.

O assédio existe, mas a pessoa bem orientada passa sem problemas por isso dentro do meio esportivo?
É preciso você saber o que deseja dentro do meio esportivo quando se está construindo uma relação com o sexo oposto, para mim tudo sempre muito claro, nunca houve nem de brincadeira esse tipo de situação. Não vou chegar aqui e dizer que nunca interessei a ninguém, mas se houve sempre foi muito limitado, pois as pessoas sabiam até onde poderiam chegar para tratar desse tipo de assunto comigo.

Alguma colega sua de atletismo já foi prejudicada por ter se envolvido demais na relação com o sexo oposto?
Muito desses assédios são encarados como uma forma de benefício por alguns atletas, geralmente quando existem casos de envolvimento atleta-atleta, atleta-técnico e atleta-dirigente, geralmente existem ouros tipos de interesse que permeiam. Você vê atletas que possuem um nível econômico muito baixo e que enxerga uma possibilidade de ter algumas necessidades básicas atendidas havendo esse consentimento. Como você não tem essa informação e a defesa por si, você acaba cedendo a algo, que comparado ao respeito que as mulheres devem ter por si mesma é algo que não tem preço. Nós precisamos valorizar a nossa pessoa para que tenhamos muito claro a construção dessas relações. Por mais que as mulheres se sintam instigadas em ceder a um assédio, elas devem antes pensar no valor que tem. Infelizmente existem pessoas que não tiveram a oportunidade de receber uma boa orientação e se mostram muito frágeis em determinadas situações.

O outro lado também existe?
Sabemos que sim, há casos de atletas que foram prejudicadas por não ter aceitado ceder a assédios. Há essa possibilidade também.

Mulher gosta de cremes e agora o controle antidoping detecta qualquer tipo de substância. Isso prejudicou a feminilidade?
Hoje existe o controle até da gravidez. Uma mulher que faz o exame e é constatado positivo para gravidez antes de alguma prova passou a ser considerado como doping. É provado os benefícios que as transformações hormonais de um início de gravidez traz a uma atleta. Eu sou totalmente favorável a este controle e se dependesse de mim o controle seria ainda mais rigoroso. Como sabemos não são apenas substância que melhoram o rendimento dos atletas, mas também os métodos de burlar esses controles. Acredito que a mulher não sai prejudicada dessa história.

Neste caso é melhor bancar uma de “careta” mesmo?
Isso vai muito da educação que cada um recebeu, nós não precisaríamos de estar lançando mão de artifício para tentar provar o que o nosso corpo estimulado na parte motora é capaz. Nós precisamos. Nós necessitamos ter essa ciência, é melhor ser julgado como uma atleta medíocre com corpo são e obtendo resultados de forma limpa, a ser um vencedor estimulado por substâncias proibidas.

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