sábado, 20 de abril, 2024
25.1 C
Natal
sábado, 20 de abril, 2024

Mais assombroso que a imaginação

- Publicidade -

Hillel Italie
Associated Press

Nova York (AE) – Ainda que tenham passado dez anos, os fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001 superam qualquer imaginação. “Não creio que a arte possa ‘competir’ com algo como o 11 de Setembro”, diz Jess Walter, cujo romance posterior, “The Zero”, foi finalista do Prêmio Nacional do Livro norte-americano, em 2006. “Que poderia ser mais nítido que as imagens daquele dia, tenhamos visto elas pessoalmente ou pela televisão? Quem poderia filmar um filme tão vívido como o que vemos ao fechar os olhos: a torre soltando fumaça, o céu azul, o segundo avião que se inclina até a outra torre?”
As torres gêmeas do World Trade Center, um dos símbolos da riqueza e modo de vida dos norte-americanos, dias depois dos atentados, lembra filmes sobre o fim do mundo
Dezenas de livros, filmes e outras obras narraram e analisaram os atentados, suas causas, consequências tanto emocionais como culturais e políticas. As reações vão desde a dor discreta da obra “The Guys”, de Anne Nelson, até o bem-sucedido thriller cinematográfico “Babel”, de Alejandro González Iñárritu. Mas nenhum personagem fictício ou história inventada penetraram na mente como os próprios fatos. Nenhum filme pôde igualar o poder e o horror das cenas borradas do avião ao chocar-se contra uma das Torres Gêmeas ou a foto da Associated Press de um homem que cai da outra torre.

O 11 de Setembro inaugurou uma nova classe de medo. Desde os sermões dos puritanos que chegaram no século 17, a imaginação norte-americana evocou um deus iracundo, fantasmas de pecados, o holocausto nuclear, espiões da Guerra Fria, assassinos solitários e invasões de extraterrestres. Os ataques foram um pesadelo de outra classe: planejados a milhares de quilômetros; dirigidos não pelo chefe de um Estado, mas por um fanático exilado; realizados não por profissionais, mas por um grupo de voluntários suicidas.

Nossos terrores são globais, como em “Shalimar, o equilibrista”, de Salman Rushdie, um romance sobre um artista da corda bamba convertido em assassino e ambientada entre a Califórnia e a Caxemira. Em “Syriana”, protagonizada por George Clooney e Matt Damon, história paralelas incluem um consultor em energia em Genebra, um agente da CIA no Irã e migrantes desempregados no Paquistão. Em “Babel”, protagonizada por Brad Pitt e Cate Blanchett, o destino de um pastor de cabras marroquino se entrelaça no deserto com o de uma norte-americana de San Diego.

“Os norte-americanos tinham essa velha sensação de isolamento e inviolabilidade, e o 11 de Setembro foi o fim da sensação irresponsável de que haviam ganhado a Guerra Fria”, afirmou Jonathan Galassi, presidente e diretor da editora Farrar, Straus & Giroux, que acaba de publicar “The Submission”, um romance de Amy Waldman sobre um norte-americano de origem paquistanesa que ganha um concurso para desenhar um monumento às vítimas de um ataque similar. “E de repente apareceram inimigos distintos, problemas diferentes que eram piores, muito piores.”

Penetrar na mente do outro é uma façanha para qualquer autor de ficção, mas alguns trataram de desentranhar os pensamentos dos extremistas. Em “The Last Days of Mohammed Atta”, Martin Amis rastreia o fim de um dos autores do atentado. “Terrorist”, de John Updike, começa com as reflexões de um adolescente muçulmano ante as tentações do Ocidente: “Estes demônios tratam de tirar-me de Deus. Todo dia, na Escola Secundária Central, as meninas rebolam e brincam e mostram seus corpos suaves e seus cabelos sedutores.”

Romance sobre o 11 de Setembro frustra críticos

Os críticos discutem até que ponto os escritores foram capazes de responder diante desses fatos. Michael Rothberg, na revista especializada American Literary History, escreveu um ensaio intitulado “A Failure of the Imagination” (Um fracasso na imaginação), no qual criticou os autores por se concentrarem excessivamente em suas próprias emoções. Em um ensaio de 2007 na Esquire, Tom Junod analisou “Falling Man”, de Don DeLillo, e sustentou que o autor havia descrito melhor o mundo pós-11 de Setembro em seus romances anteriores ao 11 de Setembro, como “White Nouse” e “Mao II”.

“Falling Man”, descreve Junod, “é a melhor demonstração até o momento de que quando os aviões se chocaram e os edifícios ruíram, entramos na ‘era da não-ficção’, na qual o jornalismo está melhor capacitado que a ficção, incluída a dos escritores mais dotados e ambiciosos, para apreender o que sucedeu e, mais importante ainda, o que está acontecendo”.

John Freeman, diretor da revista literária “Granta”, crê que não existe gênero artístico “capaz de comprimir uma dinâmica tão complexa em uma só narração ou forma”. Como Junod, reconhece que os jornalistas “começam a apreender o contexto amplo desses fatos e como são muito maiores que a cidade de Nova York ou Osama bin Laden”. Mas também defende “Falling Man”, livro de DeLillo situado no dia do ataque em Nova York, por ser “o único livro que captura o olho da tormenta”.

“Todo o resto que li ou vi busca a redenção ou algum sentido”, escreveu Freeman, em um e-mail. “Com seu estilo inquietante e fantasmagórico, com essa triste história de gente que trata de chegar a sua casa após o ataque e não consegue, ‘Falling Man’ é o único livro que tem o valor de nos recordar que ainda não há maneira de encontrar sentido para semelhante trauma.”

Professor  indica “A Teia de Charlotte”

John Duvall, professor de Inglês na Universidade Purdue, elogia “Falling Man” e “The Zero”, pela pertinência do ponto de vista social e político e acredita que o 11 de Setembro afetou tanta gente de maneiras distintas que nenhum livro pode abarcar tudo.

“É como perguntar que escritor resume melhor a vida e a cultura dos afro-americanos”, escreveu Duvall em entrevista por e-mail à Associated Press. “Não existe uma cultura afro-americana monolítica, e eu creio que não exista um sentimento monolítico norte-americano frente ao 11 de Setembro. E, ainda que houvesse, este não seria o mesmo que em 2002.”

Algumas narrativas são anteriores aos fatos ou não os mencionam de maneira direta, como “White Noise”, de DeLillo, um romance de 1985 que narra um desastre, ou “The Plot Against America”, de Phillip Roth, ambientada nos EUA nos anos 1940, mas em que muitos veem uma advertência sobre a era pós-11 de Setembro. Os ataques estão tacitamente presentes em “Liberdade”, de Jonathan Franzen.

Mohsin Hamid, cuja novela “The Reluctant Fundamentalist” é a história de um imigrante paquistanês e o fracasso do sonho americano, acredita que “A Teia de Charlotte” é ideal para os leitores contemporâneos. “É um relato totalmente fictício, mas incrivelmente honesto sobre a inevitabilidade da morte, sua natureza cíclica, o fato de que é triste e o fato de que se aceita”, disse, ao comentar o clássico infantil de E.B. White.

“Se eu tivesse de recomendar um livro sobre o 11 de Setembro, sem dúvida ‘A Teia de Charlotte’ estaria entre os primeiros da lista. Nas sociedades seculares ocidentais, o discurso sobre a morte foi relegado à religião. Eu creio que deveríamos colocar ‘A Teia de Charlotte’ no centro e dizer ‘vejam, devemos aceitar que vamos morrer e que é preciso um pouco de valor’.”

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas