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Maisa vive últimos dias de agonia

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ATO - João Batista cuida da liquidação da dívidas trabalhistas

Reerguer um gigante caído é uma tarefa difícil quando não há outros gigantes por perto, sobretudo se a queda foi causada por fraqueza. Mas, a despeito do tamanho do esforço necessário para isso, a segunda Vara da Justiça do Trabalho de Mossoró quer vender os bens que restam ao complexo industrial Maisa. Oficialmente, a companhia ainda está ativa, mas encerrou suas atividades há mais de três anos. E assim, entre grandes galpões desativados e repletos de sujeira, dívidas trabalhistas que precisam ser quitadas, esperança de ex-funcionários e descrença de empresários, a Maisa tenta ter um fim digno à empresa que já foi um ícone da fruticultura brasileira.

Em sua fase de ouro, a Maisa empregava seis mil pessoas e chegou a faturar US$ 60 milhões (R$ 129 milhões) anuais, exportando 60% de sua produção e levando sua marca a todo o mundo. Para alguns, as altas taxas de juros, a falta de incentivo governamental ao setor primário e a paridade que dólar e real tiveram no início dos anos 90 foram as principais causas da queda e afogamento em dívidas que nem todo o patrimônio da Maisa podem pagar. Para outros, houve incapacidade dos gestores para enfrentar estes problemas. O fato é que Mossoró, a Região Oeste potiguar e o Rio Grande do Norte devem à empresa o início da fruticultura irrigada, de descobertas, como as dos poços rasos, a pesquisas com frutas. A cultura do melão, “cria” da Maisa, é o melhor exemplo disso. Hoje o RN é o segundo maior exportador da fruta no Brasil, perdendo apenas para Petrolina. No ano passado, foram US$ 95 milhões (R$ 204 milhões), volume que deve aumentar cerca de 10% este ano.

Atualmente, a Maisa está sendo posta à venda através de alienação judicial. O modelo foi adotado depois do fracasso de um leilão realizado em julho passado – a primeira tentativa de venda dos bens depois do fechamento da empresa. No dia 1º de março de 2007, serão recolhidas propostas que devem ter valor mínimo de R$ 4,5 milhões para o centro administrativo, o poço 10, a fábrica de beneficiamento de castanhas, a marca Maisa, a Fazenda Pedra Preta, uma área aberta de 80 hectares e outra para beneficiamento de melões. Para quem não conhece o complexo, vale lembrar que se trabalha com campo e indústria.

Antes de março, é possível que todo esse patrimônio seja vendido, mas o preço sobe para R$ 5,3 milhões. Se mesmo assim ainda não houver compradores, há, ainda, coleta de ofertas nos dias 15 de maio e 5 de julho. Cada item pode ser vendido separadamente, se não houver proposta melhor pelo conjunto. O dinheiro obtido com o negócio vai quitar a dívida trabalhista de R$ 9 milhões – reduzidos para R$ 5,8 milhões em acordo -, nos quais estão envolvidos cerca de 1,5 mil trabalhadores.

Comprar os bens, entretanto, é apenas o início dos esforços que o novo dono terá que empregar. Apesar de o comprador não herdar dívidas, estima-se que seriam necessários R$ 2 milhões para deixar toda a estrutura funcionando. Mas, para que ela voltasse a ter o vigor de antes, trabalhando em três turnos com estoque farto, era preciso pelo menos mais R$ 8 milhões em investimentos. Esse dinheiro para reparos na estrutura e nos equipamentos e para a compra de novas máquinas seria imprescindível diante das condições em que os bens se encontram hoje. Na unidade de beneficiamento de melão, por exemplo, equipamentos foram levados pela Justiça comum. A área, com cerca de um hectare construído, hoje é apenas um galpão sujo e descuidado. No galpão onde as castanhas beneficiadas eram estocadas, hoje há somente restos de material de escritórios. São móveis, documentos, aparelhos de ar-condicionado e estantes, levados para lá depois da invasão de integrantes de movimentos sociais nos prédios administrativos, em 2003. No entanto, a estrutura, pelo seu porte e localização, tem potencial de exploração comercial para diversos fins. Assim como a fábrica de sucos e polpas, pertencente ao Banco do Brasil e que deverá ser vendida em um processo independente.

“De 2003 para cá temos trabalhado só os problemas, sem perspectiva de geração de riquezas”, diz o advogado João Batista Pinheiro, que cuida da liquidação das dívidas trabalhistas da Maisa. Ele conta que, até 1993, a empresa não tinha deficiência econômica e estava a pleno vapor. A desvalorização do dólar e as altas taxas de juros – que recaíam sobre os empréstimos – fizeram o conglomerado definhar até receber o golpe de misericórdia, a desapropriação de 20 mil hectares, entregue para se transformar em um assentamento rural.

“Acredito na retomada da Maisa”

Envolvido no processo de venda da Maisa há mais de um ano, o titular da segunda vara da Justiça do Trabalho de Mossoró, José Dario de Aguiar Filho, é o mais otimista em relação à retomada da Maisa. Para ele, os potenciais da estrutura e da mão-de-obra acessível, além dos possíveis créditos que uma nova empresa poderia ter naqueles espaços, são fortes argumentos para atrair investimentos. Sua fé na retomada da indústria não se abalou nem quando a primeira tentativa de venda, o leilão de julho passado, fracassou.  Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE, ele explica como se deu o processo que levou os bens da Maisa a leilão e como ele pretende fazer esta transação finalmente dar certo.

TRIBUNA DO NORTE – Como foi  a negociação para envolver a fábrica de sucos e polpas, hoje pertencente ao Banco do Brasil?
JD – Não tive dificuldades porque já trabalhei no banco e sabia que a fábrica era do banco. Dei a idéia, o banco topou. Isso foi mais ou menos em abril ou maio. Procurei fazer um leilão judicial e um leilão administrativo.

• Mesmo com essa organização, os leilões não atraíram propostas. O que aconteceu?
JD – No dia 20 (de julho) foram feitos dois leilões e não houve licitantes. Àquela época, no dia 19 de julho, toda a comunidade financeira internacional paralisou por conta da manifestação do Banco Central norte-americano (Fed). Esse foi um fator que, ninguém pode negar, tirou a expectativa de êxito do leilão. O segundo é o tempo (entre o acordo e o leilão), que foi muito curto (50 dias) e nenhum grande conglomerado empresarial compra um negócio desses sem um período de estudo, de maturação, de preparação do dinheiro. Foi feita divulgação através de quase 300 cartas para os principais grupos empresariais do país, inclusive da área de sucos. Mas não deu certo.

• E como será agora?
JD – Então, parti para refletir no que tinha acontecido e, no consenso junto aos colegas que estão auxiliando nesse  acordo tenho comandado, resolvemos que a solução era que, ao invés de se vender por leilão, deveríamos fazer uma alienação judicial na forma do artigo 1.113. Porque, se obtido o consenso em torno do valor, eu poderia vender como se fosse uma venda qualquer, sem depender de um leilão. Então foi estabelecido um preço mínimo de alienação desses bens e foi estabelecido um preço global pelo o qual eu poderia entregar os bens, que é acima do valor do preço mínimo, que é de R$ 4,5 milhões. A qualquer momento, quem depositar R$ 5,3 milhões recebe os bens.

• Já existem alguém interessado?
JD – Eu tenho tido contato com o mundo empresarial. Dois grupos locais que se interessaram. Em um deles, houve um contratempo de um dos componentes desistir, o que esfacelou um pouco as perspectivas das outras cinco pessoas. Há também informação de advogados de que vem gente conversar conosco dentro de dias. Há ainda um empresário local que tem interesse. E também estive conversando com uma pessoa que têm vínculo com o mercado exterior, uma empresa dele já tem participação de uma grande multinacional.

• E se não aparecer ninguém outra vez?
JD – Nesse processo, a gente tem que ter paciência. Acredito que daqui para julho esteja resolvido. Se não for, isso pode ser prorrogado ate dezembro. Mas acho que, antes disso, já em março, teremos a venda tanto da fazenda como da fábrica. É sempre difícil você ver uma empresas virar pó e querer fazê-la ressurgir do pó.

Indústria formou gerações

A Maisa não foi marcante somente na economia do Rio Grande do Norte, mas também na história de milhares de pessoas que cresceram junto com a empresa e que têm fé em seu renascimento. Danielle de Queiroz Oliveira, 28 anos, chegou no complexo aos dois anos de idade, quando seus  pais vieram de Fortaleza para serem funcionários da Maisa, onde ela começou a trabalhar com 24 anos, no setor de controle de informações da fábrica de sucos. Atualmente está desempregada, mas tem certeza que estaria trabalhando se a Maisa não tivesse fechado. “Fui criada aqui dentro. É muito ruim ver tudo como está agora. Nessa época estávamos todos nos preparando para as festas de Natal da empresa”, relembra.

A saudade e a gratidão é um sentimento comum entre eles. Sebastião Nunes de Lima, 57 anos, hoje aposentado, trabalhou por 24 anos na fábrica de sucos. Era encarregado da produção, supervisionando o processo, da chegada da fruta à saída da mercadoria. “Sinto saudades. É muito triste ver tudo parado”, diz ele. O engenheiro civil e sanitarista Luís Antônio Pinheiro Barbosa, 56 anos, foi funcionário da Maisa entre 1988 e 2000, na área de água e energia, e acompanhou a descoberta e o desenvolvimento dos poços rasos (com águas frias, diferente do que se usava até então). “A Maisa foi uma escola. Me realizei profissionalmente”.

Muitos dos ex-funcionários ainda moram na Vila Maisa, onde há mais de 600 casas. Entre eles, há vários que ainda esperam receber dinheiro vindo de dívidas trabalhistas. Uma deles é Maria Enilda Soares da Silva, 42 anos, que hoje vive de um pequeno comércio montado na vila junto com o marido. Ela começou a trabalhar com o pai, aos 13 anos, na limpeza dos campos de caju da Maisa. aos 24, passou para o almoxarifado. Maria Enilda diz não saber quanto tem para receber. “Mas quem espera por Deus não cansa”, diz a católica.

Outros moram no Projeto de Assentamento Maisa (PA Maisa). Os ex-funcionários não aceitam que a área seja chamada de Eldorado dos Carajás 2. “É o MST que quer esse nome, não nós”, diz Danielle, se referindo ao movimento social que também está integrado no assentamento. No local, que até hoje espera ser o “modelo de reforma agrária” anunciado em 2003 pelo governo federal, gente como Danielle cultiva frutas, como melancia.

Indústria serve de modelo

O impacto do fechamento da Maisa foi compensado aos poucos, com o surgimento e fortalecimento de novas empresas e produtores que seguiram os passos da “empresa-mãe” e ganharam espaço nos mercados interno e externo. A referência à companhia é forte e entidades como o Comitê Executivo de Fitossanidade (que representa fruticultores) e a Associação Industrial e Comercial de Mossoró (Acim) planejam prestar homenagens a José Nilson de Sá e Geraldo Rola, fundadores da Maisa.

Dirigentes destas entidades, Francisco de Paula Segundo (Coex) e Vilmar Pereira (Acim), acreditam que é difícil a Maisa voltar a ser o que era. “Seria preciso o interesse de uma multinacional, como um milagre”, diz Pereira. Contudo, eles ressaltam a riqueza da herança que a empresa deixou, observando que a maior parte dos empresários da fruticultura na região é ou tem ex-funcionários da Maisa em seus quadros. Eles apontam as altas taxas de juros e a desvalorização do dólar como os vilões da morte da Maisa. “Todo exportador no começo do plano real teve crise, principalmente os grandes. Isso pode acontecer conosco caso o dólar continue caindo. Tanto que a nossa orientação agora é que os produtores dêem mais atenção ao mercado interno”, observa Segundo.

Custo do empréstimo gerou dívidas

Pereira também culpa o governo pelo fechamento da companhia: “É uma política governamental desastrosa contra o setor primário. Os produtores são discriminados pelo governo. Em todo o mundo o setor primário é subsidiado e aqui não temos sequer uma política específica”. Para ele, o custo dos empréstimos fez com que a Maisa acumulasse dívidas.

Já o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Mossoró (CDL Mossoró), Manoel Neuzo Leite, avalia que o cerne da implosão da Maisa está na má administração, sobretudo em relação à captação de empréstimos de bancos estatais.  Ele também diverge dos colegas empresários em relação ao futuro da empresa. “A expectativa é que alguém compre e bote para funcionar”, declara Neuzo.

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