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Maitê Proença: “Votamos na utopia e a utopia não deu certo”

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TALENTO - Maitê Proença Gallo

Já passava das 23 horas quando Maitê Proença sentou numa das mesinhas do hall de entrada do Teatro Alberto Maranhão para a entrevista. Ela demonstrava aparente cansaço, mas foi franca na entrevista. Longe do perfil de grande estrela, Maitê se mostra uma pessoa simples e assume: "É difícil você conseguir ser uma pessoa inteira dentro de tantas concessões que se é obrigado a fazer. Meu caminho é tentar fazer com simplicidade". E logo nos primeiros momentos da entrevista ela avisou: “hoje sou uma Maitê muito mais confortável". Este conforto vivido pela atriz talvez justifique a iniciativa de lançar um livro ("Entre ossos e a escrita") com crônicas que, muitas vezes, contam fatos da sua vida particular. E ainda ela escreveu e estrela uma peça de teatro (Achadas & Perdidas) onde ela mesmo assume fazer um relato um pouco "autobiográfico". "Acho que todo mundo (autor) faz isso (contar a própria vida). Só que alguns camuflam mais e outros menos. Se você não fizer isso, é difícil que saia alguma coisa que preste."

Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Maitê Proença fala da incursão pela literatura e aborda também a política. Mostra-se decepcionada com a política brasileira e assume que não trabalharia em campanha eleitoral, atuação que já teve no passado. Uma Maitê Proença simples, de argumentos concretos e uma escritora de poucos planos, mas muitas ações, é essa pessoa que fala a seguir.

• O seu ingresso no mundo da literatura é só uma incursão ou você tenta se fixar neste “novo universo”?
Não sou de planos. Sinto necessidades e as expresso de alguma forma. Agora saiu dessa forma literária que, felizmente, tem dado certo porque as pessoas gostam, é um lugar onde estou dando a minha cara a bater. Normalmente quando você está em uma área e quer mudar de setor as pessoas falam logo: por que essa pessoa não fica lá no canto dela? Acho que isso não aconteceu e por si só já é agradável. Estou em um momento da vida em que tenho coisas a dizer porque essa Maitê que está aqui agora se sente mais confortável na pele dela do que em qualquer outro momento.

• E o que lhe incomodava antes?
O que me incomodava era que, quando você é mais jovem, tem uma forma mais agressiva de se expor, você não tem tolerância para as coisas ou até você vai com veemência em excesso e não chega às pessoas da forma certa. Você não conquista o que você quer por excesso de fervor ou então timidamente. Você não sabe se deveria ter falado. Chega um momento em que se você me perguntar algo eu vou pensar e responder. Não há nada entre a sua pergunta e a minha resposta que não seja a verdade.

• Você disse que “dá a cara a bater”. Escrever uma peça e atuar, é um risco maior, torna-se uma vidraça maior para ser atingida?
Eu fiz o melhor dos dois mundos, que é juntar a intérprete com a autora. Conseguir fazer isso e ter êxito, uma comédia precisa que o público ria, ela resulta. Essa não é uma comédia qualquer. Quando me propus a escrever achava que não saberia escrever. Então eu dei para três pessoas escreverem, não saía nem perto do que eu gostaria. Então pensei que teria que escrever. Mas eu não sabia como fazia. O ator ler a peça de teatro, mas eu lia do ponto de vista do ator e não do autor.

• Você está conhecendo o teatro sob um novo ângulo?
Estou enxergando por um lado que eu nunca tinha percebido.

• Melhor ou pior?
Muito interessante. Veja bem, acho que todas as peças que a gente pega, todo mundo as reescreveu. O Neil Simon, com peças encenadas no mundo inteiro, tenho certeza que ele fez exatamente como eu fiz com essa aqui. A primeira vez que foi encenada essa peça (Achadas & Perdidas) tinha um formato e hoje tem outro. Nesses três meses que estamos com ela em cena ela evoluiu. Quando a gente lê Shakespeare você não imagina que ele passou por várias etapas. Vocês estão vendo a forma final. Eu tive que entender que é assim. Quando eu não estava gostando era porque não estava pronta. Ela só fica pronta depois que você vê a reação do público. O teatro precisa disso. Não é um trabalho literário como um romance, que você termina e diz que acabou.

• Nesta peça, você disse que viria primeiro para o Nordeste para evitar o tom crítico do eixo de São Paulo. Isso não é preconceito com nossa região?
Acho que vocês não entenderam. Eu vim primeiro para o Estado de São Paulo, que é o Estado mais rico do nosso país, que as pessoas são mais cultas. Tem os barões de café e as pessoas tomam para si uma postura mais arrogante. Foi lá que comecei a peça. Pelo contrário, o público do Rio e São Paulo é viciado. O que queria era diversificação de platéias. Eu queria ir para uma platéia diferente. Queria pegar uma platéia de praia, depois interior, depois contexto urbano e outro bem rural. Queria ver como a peça funcionava com os muitos brasis que temos. Queria ver a peça para gente diferente. E o Brasil é feito de gente muito diferente. Estou vindo para o Nordeste, já poderia ter ido para São Paulo, não precisava ter vindo para cá. Quis vim porque achava que vir para o verão no Nordeste era unir o útil ao agradável. Minha opção era ir para São Paulo agora. Mas falei: fazer o que em São Paulo em janeiro? Então vim para o Nordeste.

• Sua peça é autobiográfica?
Ela é bastante autobiográfica. Mas é lógico que você vai ler o livro e tem histórias que depois foram transpostas para o teatro.

• Não lhe incomoda ver sua vida exposta?
Acho que todo mundo faz isso, não há autor que não faça isso. Só que alguns camuflam mais e outros menos. Se você não fizer isso, é difícil que saia alguma coisa que preste. Veja Woody Allen escreveu sobre judeu, neurótico, nova-iorquino, não poderia ser mais gueto e vira universal.

• Uma peça estrelada por Maitê Proença é mais fácil viabilizar financeiramente?
Não sei. Acho que uma vez que essa forma que estou fazendo não é a mais fácil. Se tivesse estreado no Rio e fosse êxito seria mais fácil. Acho que dessa forma que eu fiz é talvez mais difícil.

• Como escritora você se preocupa com a cultura de pouca leitura do brasileiro?
Eu não penso nisso quando estou escrevendo. Eu penso nisso quando o livro sai publicado e aí eu penso: será que vai ter alguém para ler?

• No seu livro você conta a história da perda da sua mãe, qual sua intenção ao trazer essa história para sua peça de comédia?
Esse é um capítulo do livro que escrevi que já está com 150 páginas, mas que provavelmente não publicarei. Falta, com certeza, umas 150 ou 200 páginas a mais para ele virar um romance. Mas falei que não ia tirar da geveta, porque não gosto mais. Eu peguei o primeiro capítulo e transformei numa crônica isolada.

• Você imortalizou a Dona Beija, hoje mostra um outro lado. É o rompimento de uma barreira?
É tudo uma evolução, a gente vai andando. Não sou uma pessoa que traça linhas. Daqui a dez anos, quando eu olhar para trás, poderia te responder essa pergunta. Mas agora não tenho a menor idéia desse momento.

• Você já participou de campanhas políticas. Hoje estamos num momento delicado da política, está decepcionada?
Eu estou muito impressionada como todas as outras pessoas. Não há outra forma. É um momento em que a gente olha para frente e não vê muita perspectiva. A gente sabe que tem tudo para funcionar e não funciona. E também nós acreditamos e votamos na utopia e a utopia não deu certo. O que vai sobrar agora?

• Você participaria de outra campanha?
Nesse momento absolutamente. Estou com um imenso ponto de interrogação na cabeça e acho que essa confusão toda deveria ter resultado no depurar desse material corrupto e separar o joio do trigo. Continua um grande imbróglio e não vai parar aí. Começamos um processo de limpeza, mãos limpas. Na Itália foi tudo muito radical, aqui não. Parece que as pessoas (brasileiras) se desanimam no decorrer das coisas. Tenho teoria a respeito, já até escrevi crônicas.

• Dizem que a pessoa se realiza quando tem um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Você está realizada?
Fiz os três, já plantei a árvore, mas não me sinto realizada porque se não a vida fica desinteressante. Mas essas três coisas foram cumpridas e dá um certo prazer e olhar e ver que elas estão feitas.

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