domingo, 28 de abril, 2024
27.1 C
Natal
domingo, 28 de abril, 2024

Majorana desapareceu antes de ganhar o Nobel

- Publicidade -
Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado pelo Instituto de Física da UFRGS, professor visitante da Ufersa 
Se você não participa do seleto grupo de pesquisadores de física das partículas elementares, provavelmente jamais ouviu falar em Ettore Majorana. Na melhor das hipóteses ouviu falar muito superficialmente. Se fizer uma consulta na internet, vai se espantar com a quantidade de material a respeito deste siciliano: mais de um milhão de textos no Google. Eu, que navego em outros mares da física, só tomei conhecimento de sua existência no início dos anos 1980, quando vi, nos corredores do Instituto de Física da UFRGS, um cartaz anunciando a “International Conference on Neutrino Physics and Astrophysics Ettore Majorana”. Um colega da física nuclear disse-me pouca coisa. Era um brilhante físico italiano que desparecera em 1938 sem deixar vestígios. Naquela época não havia o Google para uma consulta rápida e descomprometida. Ir à biblioteca fazer uma busca na literatura significava desviar minha rota no rumo do meu doutorado. Depois disso, a roda-viva de um recém doutor em busca de financiamento para a pesquisa me fez esquecer Majorana. Foi somente em 1991, quando tive em minhas mãos o livro de Leonardo Sciascia, “Majorana desapareceu”, que resolvi conhecer melhor essa história. Se a boa escrita do premiado ensaísta e político italiano pode agradar o leitor de ficção, a fantasiosa narrativa pode incomodar o conhecedor da história da física, como deixarei claro na próxima crônica. 
Sciascia nos mostra muito bem o complexo cenário psicológico em torno de Majorana, mas é o físico francês Étienne Klein, festejado divulgador da ciência e autor do livro “En cherchant Majorana. Le physicen absolu”, publicado em 2013, quem nos mostra por que aquele siciliano, nascido em 1906 e desaparecido quatro meses antes de completar 32 anos, merece todas as glórias post-mortem que lhe foram conferidas, começando pela denominação de uma importante conferência internacional com seu nome. Antes disso, foi criado o “Ettore Majorana Foundation and Centre for Scientific Culture”, na aprazível e bucólica Erice, bem ali nas proximidades de onde ele foi visto pela última vez. Finalmente, quem conhece a história da física haverá de concordar com Étienne Klein: Majorana seria forte candidato ao Nobel de Física em algum momento depois de 1940, mas em toda sua curta vida ele menosprezou esse tipo de reconhecimento. 
Neste curto espaço editorial não cabe, em sua totalidade, a breve e rica vida de Majorana. Comecemos, portanto, pelo jovem de 22 anos que abandona o “enfadonho” curso de engenharia da universidade de Roma para aceitar o convite de Enrico Fermi e se transferir para o curso de física. Fermi, o grande Fermi, que logo após receber o Prêmio Nobel de Física de 1938 foge para os EUA, e lá vai liderar a construção da primeira bomba nuclear que o mundo viu explodir em Hiroshima; Fermi, o grande Fermi, que conduzia com mãos de ferro meia dúzia de jovens e talentosos físicos, os “ragazzi” da via Panisperna, a menos de um quilômetro do Coliseu, talvez tenha se chocado quando viu aquele jovem estudante de engenharia reproduzir, com uma simplicidade assombrosa, seus complexos cálculos de um modelo atômico que ficou conhecido como modelo Thomas-Fermi. Majorana era assim, fazia num estalar de dedos, e em pedaços de papel, cálculos que só alguns conseguiam fazer em muito mais tempo e com muito mais papel. Logo lhe deram o apelido de “Grande Inquisidor”, porque era o único a poder falar de igual para igual com Fermi, o “Papa”.
Em julho de 1929, um ano depois de sua transferência para a física ele defende sua tese de doutorado. É a primeira vez que na Itália alguém usa a física quântica para estudar o núcleo atômico. Majorana era assim, pioneiro na abordagem de problemas difíceis, mas relutava até não poder mais à publicação de seus resultados; um comportamento absolutamente incompreensível para um cientista. Somente em 1931, depois de muitos pedaços de papel jogados no lixo, com cálculos originais, e muita insistência de Fermi, Majorana publica seu primeiro artigo, na “Nuovo Cimento”, a mais importante revista de física na Itália.
Apesar de sua quase irredutível resistência à publicação, entre 1931 e 1932 a comunidade científica internacional toma conhecimento da existência de Majorana. Pelo número de citações que eles receberam de personagens importantes da história da física, Étienne Klein considerou 1931 e 1932 como os anos miraculosos de Majorana. Antes de desaparecer em 1938, Majorana publicou mais dois artigos, um em 1933 e outro em 1937. Por quê, com apenas oito artigos publicados Majorana transformou-se em personalidade quase mítica? E como se deu seu desaparecimento? Questões para a próxima coluna.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem, necessariamente, a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor.
- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas