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Marcas resistem ao tempo

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Roberto Lucena – repórter

Há exatos 25 anos, no dia 30 de novembro de 1986, a população do município de João Câmara acordou assustada. Era madrugada de um domingo, por volta das 3h30, quando a terra tremeu e sacudiu prédios, derrubou casas e levou temor e desespero à uma população estimada em 14 mil habitantes. As lembranças do abalo sísmico que atingiu 5.2 graus na escala Richter resistem ao tempo. As histórias daquela “madrugada de terror” são contadas pelos mais velhos e há prédios que ainda guardam marcas do tremor. Hoje, durante sessão solene na Câmara Municipal dos Vereadores, haverá lançamento de um livro sobre o episódio e personalidades da época serão homenageadas com a entrega do título de Cidadão Camarense.
A aposentada Maria de Nazaré, que perdeu a casa com o tremor, em 1986, recebeu um novo imóvel com sérios problemas estruturais
A aposentada Maria Nazaré Silva, 84 anos, apesar da idade avançada, lembra bem como reagiu aos abalos. “Eu estava dormindo e de repente a cama começou a tremer. Acordei desesperada atrás dos meus filhos, puxando eles para fora de casa. Graças a Deus deu tempo sair e ninguém se feriu, mas minha casa destruiu todinha, não sobrou nada”, disse. Dona Maria Silva foi uma, entre tantas outras pessoas, que precisaram sair de suas casas, ou do que restou delas, após o abalo mais forte.

#SAIBAMAIS#Após duas décadas e meia do episódio, muita coisa mudou em João Câmara. O aspecto de cidade do interior mudou com a chegada de novas tecnologias, avanço social e a presença de centros educacionais como Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Porém, alguns aspectos continuam o mesmo. O comércio, que sofreu forte queda em 1986 – há relatos de prejuízos de 80% – continua sendo a principal atividade econômica do município.

A feira livre, realizada aos sábados, ocupa boa parte das ruas do Centro e reúne milhares de pessoas. Muitas são de municípios circunvizinhos. É possível comprar quase tudo: da cebola ou tomate, passando por roupas e objetos de decoração, a motos e aparelhos de celular. Foi nesse cenário, no sábado passado, que a reportagem da TN encontrou e conversou com personagens vivos da história de João Câmara. O agricultor José Barbosa, 74 anos, contou que “uma coisa daquelas a gente não esquece nunca, meu filho. Minha casa rachou todinha. Graças a Deus não caiu, mas a gente que ir pra casa dos parentes”.

Já o aposentado Francisco Xavier de Melo, 80 anos, relatou que da casa onde ele morava com a esposa e um filho não restou nada. “O chão tremia todo. Minha casa era de tijolo e destruiu toda. Eu achava que o mundo ia acabar. Que ia abrir um buraco no chão e João Câmara todinha ia para dentro dele. Foi um sofrimento muito grande”. Apesar da tragédia, Francisco não saiu da cidade. Diferente da maioria, preferiu ficar e “esperar que as coisas melhorassem”, afirmou.

De acordo com o vereador e então prefeito de João Câmara em 1986, João Ribamar Leite, estima-se que 10 mil pessoas fugiram da cidade após os maiores tremores. “Foi um verdadeiro êxodo. As pessoas iam embora porque temiam que novos abalos acontecessem e não havia onde ficar. A cidade ficou vazia”, contou. Não há números oficiais, mas sabe-se que muitas famílias firmaram residência em cidades como Jandaíra, Natal e Parnamirim. “Mas muita gente também voltou. Foi preciso reconstruir a cidade e isso fez com que outras pessoas viessem morar aqui”, completou Ribamar.

Os abalos sísmicos devastadores em João Câmara viraram notícia internacional. Nos dias que se seguiram, o Rio Grande do Norte recebeu a visita de ministros do governo José Sarney. O ministro do Interior da época, Ronaldo Costa Couto, foi à cidade e anunciou a liberação de Cz$ 2 milhões (dois milhões de cruzados) para recuperar os danos provocados pelo tremor.

O governador de então, Radir Pereira (que substituíra José Agripino, eleito senador), decretou estado de calamidade pública. João Câmara viria a sentir um novo tremor de terra três anos depois.

Moradores esperam por reformas

Em 1986, pelo menos 1.200 casas foram destruídas. Dessas, cerca de 500 foram reconstruídas pelo Batalhão de Engenharia do Exército com recursos alocados pela Caixa Econômica Federal. A maioria das residências que foi abaixo era feita de taipa. Curiosamente, a reconstrução conduzida pelos militares foi utilizada a mesma técnica empregada pelos moradores, porém, com uma diferença: o tipo de madeira usado. Ao invés de paus retirados da vegetação local, o Exército usou madeira serrada em forma de ripas. O que poderia, à primeira vista, significar um avanço na técnica de construção das casas, mostrou-se, como o passar do tempo, ser ineficaz e inadequado para sustentar o barro.

O resultado da manobra arquitetônica mal planejada está nas paredes de diversas casas. Muitos moradores esperam uma resposta da Justiça para conseguir uma reforma. É o caso da aposentada Maria Nazaré Silva. Após o maior tremor que derrubou a casa dela, Maria Silva foi embora com esposo e filhos para o município de Touros. Depois de três anos, retornou à João Câmara. Enquanto esteve na cidade litorânea, os militares construíram a casa onde ela mora até hoje. O lugar tem cinco cômodos: três quartos, uma sala e um banheiro. Em todas as paredes, há marcas do desgaste causado pelo tempo e pequenos abalos que aconteceram durante os anos. A filha de Maria Silva, Damiana Josileide Silva, 29 anos, explicou a batalha para conseguir uma nova reforma. “Desde que a gente se mudou para cá, os problemas apareceram. O material não é bom, as madeiras não sustentam o peso do barro e a situação agora é esse. Há anos luto na Justiça para que ajeitem esse casa mas, até agora, nada foi feito”.

Audiência Pública relembra data

Hoje o dia será de lembranças e homenagens em João Câmara. Às 9h, na Câmara Municipal de Vereadores, será realizada uma audiência pública proposta pela Prefeitura com a presença do prefeito Ariosvaldo Targino de Araújo, um representante da Defesa Civil do Estado, ex-prefeito e atual vereador José Ribamar Leite e Monsenhor Lucena, pároco da cidade. À noite, por volta das 21h30, também na Câmara, haverá uma sessão solene para entrega de Títulos de Cidadãos Camarenses.

Receberão a honraria: Edvan Martins, vereador de Natal que à época era jornalista da Rádio Cabugi; José Antônio Moreira, professor de geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Alberto Veloso, professor de geofísica da Universidade Nacional de Brasília (UNB); João da Mata, doutor em física; Joaquim Mendes, doutor em geofísica da UFRN; Juraci Mário, técnico em eletrônica da UNB; Marcelo Assunção, professor da Universidade de São Paulo (USP) e Mário Takeya, professor de física da UFRN.

Antes da entrega dos títulos, o professor Alberto Veloso lançará o livro “O Terremoto que Mexeu com o Brasil”. De acordo com o professor, o objetivo do livro “é contar e explicar a longa sismicidade em João Câmara enfatizando os danos ocorridos, o êxodo parcial da população, o seu regresso, o processo de reconstrução e a volta da normalidade na cidade”, disse.

Para Edvan Martins, voltar a João Câmara para receber a homenagem é uma forma de voltar ao passado. Durante 60 dias, o atual vereador na capital morou na cidade e, através da Rádio Cabugi, transmitia as notícias sobre o terremoto. “O que mais me impressionou foram as rachaduras na torre da igreja, as casas destruídas e o pavor da população”, disse.

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