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Maricultura cria nova fonte de renda para comunidades

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SUSTENTABILIDADE - Mulher levanta algas cultivadas em Rio do Fogo

Potencial do mar para o cultivo de algas virou fonte de renda nas mãos de dois grupos de mulheres do litoral norte potiguar: entre os clientes, indústria paulista e comércio local. Mais do que investir para ganhar até 18 vezes mais do que antes de se organizarem em grupos, elas mostram que “viver é adaptar-se”, sobretudo em regiões onde pouco mais do que a pesca de subsistência garante o sustento da maior parte da população de Rio do Fogo e Pitangui.

Detentor da primeira e única licença ambiental do país para cultivo do algas, o projeto de Rio do Fogo uniu 11 mulheres da comunidade em torno do cultivo de algas em uma área de 10 hectares no mar.  Elas já tinham habilidade no extrativismo com outras espécies de algas, de menor valor comercial. Por enquanto estão vendendo só o pó, como matéria-prima para indústrias. O beneficiamento é terceirizado na associação de explotadores de algas local. Erinalva Batista da Silva, 30 anos, mais conhecida como “Regina” diz que sempre foi assim: o marido, pescador, ela catadora de “cisco” (alga). No projeto há pouco mais de um ano, ela diz que o dinheiro ganho com o trabalho das algas ajuda muito em casa.

O projeto é fruto de uma parceria do governo federal com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). De um lado, o programa fornece instrumentos, insumos, acompanhamento e capacitação. Do outro, as mulheres dão seu tempo, seu trabalho e sua esperança. “Além de totalmente afinado com o meio ambiente, está ligado à questão de gênero, incluindo as mulheres no orçamento familiar”, destaca o  consultor da FAO Ricardo de Cerqueira.

Ele está fazendo a reavaliação rotineira que projetos ligados à FAO passam a cada dois anos. Ele comentou que o potencial de uso das algas cultivadas pelas 11 mulheres que integram o programa em Rio do Fogo é grande. “É possível, por exemplo, integrar essa atividade com a do turismo, incluindo pratos a base de algas no cardápio de pousadas e hotéis do estado”, diz ele. Outros planos futuros para as algas colhidas lá são a produção de alimentos, com base nos conhecimentos que elas já têm, como produção de iogurtes e gelatinas, e com indicações que serão feitas a partir de um contrato fechado com a UFRN. Entre outros objetivos, serão investigadas as propriedades das espécies cultivadas.

Responsável pela área de nutrição desse contrato, a professora Ana Vládia Bandeira Moreira explica que há poucos estudos sobre as espécies de algas em cultivo no litoral potiguar. Contudo, ela explica que, em geral, elas são ricas em proteínas que auxiliam na manutenção dos ossos e antioxidantes, atuantes no combate aos radicais livres, que desgastam as células. Além disso, essas plantas têm um grande poder como espessante, necessário em produtos como laticínios, e gelatinas. Mas a professora destaca que também estão sendo investigados os fatores antinutricionais, componentes existentes nas algas que podem prejudicar a absorção de nutrientes.

Gerido pela Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seape), entidade com status de ministério que está ligada diretamente à Presidência da República, o programa de Desenvolvimento das Comunidades Costeiras (DCC) começou a atuar em 2005 no Rio Grande do Norte, quando foi criado o grupo de trabalho estadual para cuidar dos projetos a serem construídos no estado. São 15 entidades, como Capitania dos Portos, UFRN e Secretaria Estadual da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape). Dois consultores cuidam do acompanhamento direto às mulheres envolvidas, tanto em questões práticas como a montagem dos equipamentos em Rio do Fogo, quando em procedimentos administrativos em Natal.  Eles têm apoio da prefeitura com a cessão de um terreno para secagem das algas e um prédio para abrigar a sede provisória, onde são guardados equipamentos e feitos os treinamentos.

A duração é de cinco anos. Neste período, os desafios são diários, mas o maior deles é fazer essas mulheres tomarem as rédeas do negócio após o fim do projeto. Um dos coordenadores, Remo Renê Pimentel, diz que o objetivo é fortalecer a autonomia dessas microempreendedoras, fazer com que elas se integrem a fornecedores e compradores e tornem-se uma microempresa auto-sustentável. “Estamos trabalhando para que dentro de cinco anos eles consigam se emancipar”, diz Remo. Nesta linha, o coordenador ressalta que há projetos para fabricação de alimentos que podem ser comprados por programas como o de aquisição de alimentos da Companhia Nacional de Alimentos – a mercadoria é adquirida de pequenos produtores e incluída no cardápio de escolas, hospitais, creches e outras entidades públicas.

Entenda como funciona o cultivo

Antes do projeto, as mulheres apuravam R$ 0,30 com o quilo seco do “cisco”, a alga encontrada naturalmente na praia e colhida há gerações pelos moradores, a maioria mulheres. Agora, com cada quilo moído – já sem água, que representa 90% do peso, e triturado em forma de pó – consegue-se até R$ 7 por quilo.

A receita do trabalho do projeto vai variar de acordo com os resultados da colheita, o preço obtido junto aos fornecedores e a quantidade de quantas mulheres trabalhando. Mas em conta com números aproximados, baseados nas informações colhidas pela reportagem, pode-se calcular que, com o desconto de R$ 1 ou R$ 1,50 cobrado para a moagem, podem ser R$ 5,50 ou R$ 6, pelo menos 18 vezes mais do que se ganhava antes. Mesmo com a necessidade de divisão entre as integrantes do grupo, elas garantem que agora é muito melhor. Em safra, se forem colhidos 150 quilos por semana, eles se transformam em, aproximadamente, 100 quilos de pó. Já paga a moagem, podem ser apurados R$ 2,4 mil por mês.

Estrutura

O cultivo é feito atualmente em 11 balsas, que são estruturas de canos de PVC unidos por cordas em formando quadrados flutuantes, aos quais as redes – chamadas de “cestas” – são penduradas, com as mudas das algas dentro.  As mulheres passam até quatro horas dentro d’água, seja para colher as algas ou para fazer reparos nas balsas – nessas horas, há maridos que se empolgam juntam aos dois coordenadores (ambos homens) e ajudam na parte mais pesada. Quando há colheita, o trabalho inclui carregar o paquete, levar até a praia para, de lá, carregar de carroça até a área de secagem. Até dois dias, as algas secam e perdem o tom vermelho, tornando-se pardas. De lá, ensacadas, saem para a moagem. Da trituração vem o pó, que é vendido às indústrias.

Estando lá, é possível ver a atividade não promove poluição visual, tampouco prejudica o banho na praia – mesmo que ela fosse movimentada – porque as balsas estão a cerca de 50 metros da areia.

Economista que trabalha na área de aqüicultura há 20 anos, Antônio-Alberto Cortez destaca como esse tipo de cultura pode ampliar as possibilidades econômicas e sociais de lugares como Rio do Fogo. “As outras atividades, como a pesca e o turismo, são fortes, mas não têm condições de absorver toda a população”. Ele diz que o Rio Grande do Norte hoje “representa a síntese da pesca brasileira”. Cortez lembra que o estado já possui tecnologia de ponta usada na pesca industrial, e desenvolve atividades em estuários e açudes. “As experiências em maricultura eram o que estava faltando para sermos completos”, diz o professor da UFRN e sub-secretário de pesca do Estado, “tanto temos potencial no cultivo de algas como de ostras”.

Projeto tem resistido  à “fragilidade institucional”

O projeto em Rio do Fogo começou a ser executado em 2006 e a capacitação inicial das mulheres levou três meses. Mas o cultivo começou somente em julho do ano passado. Isso porque o licenciamento ambiental, um dos fatores que destacam o projeto em nível nacional, não foi uma conquista simples, levou um ano para sair. Sem experiência nesse tipo de autorização específica para algas,  o Idema não teve agilidade, além de esbarrar em discussões sobre a competência da execução do procedimento – seria atribuição do órgão federal, o Ibama, ou do estadual, o Idema? O projeto também encontrou resistência na incredulidade de muitos dos maridos no sucesso do projeto de suas mulheres.

Outro problema que atingiu – e ainda atinge – o andamento das ações é a “fragilidade institucional” da cidade, onde há um histórico de intervenções judiciais na Prefeitura e problemas da mesma linha envolvendo entidades da própria comunidade. Os coordenadores dizem que, embora seja o projeto uma iniciativa do Governo Federal, esse cenário afeta a credibilidade, tendo em vista a importância do envolvimento da comunidade nas ações do programa. Além disso, Rio do Fogo já viu outras atividades semelhantes sucubirem à “fragilidade institucional” local.

A carência da população  força as maricultoras a lutar também contra o vandalismo. Construíram quatro vezes uma pequena tenda na areia, em frente à área das balsas. Quatro vezes as estacas foram roubadas. “São os drogados, que vendem de tudo pra comprar droga”, denunciam, expondo a insegurança que contrasta com a aparência de tranqüilidade do município de 9,7 mil habitantes.

Fatores como os citados acima podem ter contribuído para a evasão do projeto, que tinha mais de 30 pessoas no começo e agora conta com 11. “Mas vamos mostrar a Rio do Fogo que a gente vai conseguir”, assegura Pitita, uma das mais empreendedoras do grupo. Para ela, muitos conterrâneos estão mais interessados em resultados imediatos e só vão acreditar nas maricultoras quando houver mais dinheiro circulando na cidade. “Eles têm que entender que as coisas só vêm com muito trabalho”, diz.

Pitangui avança com projeto independente

O projeto de Rio do Fogo já serve de inspiração para outras comunidades. Há pouco mais de seis meses, incentivadas por Carlos Pitangui, liderança comunitária daquela praia, 15 delas começaram a estudar o trabalho das maricultoras no DCC.  A impossibilidade de levar o mesmo programa para Pitangui não as intimidou. Com dinheiro do próprio bolso – o grupo fez rifas e bingos – começaram a comprar matéria-prima para seu projeto. Além disso, cada uma investe quatro reais por mês, pagos nas reuniões semanais.

Com o dinheiro unido à criatividade e a vontade de ver  o projeto concretizado, atualmente elas têm duas balsas, cada ao custo de R$ 58. Em vez de canos, garrafas pet. No lugar das redes especiais, corda aberta para prender as mudas. “Nossa organização é muito grande”, orgulha-se Denise Baracho, 23 anos, uma das líderes do grupo. Além do empreendedorismo que elas demonstram quando falam em planejamento, controle de caixa e visão de longo prazo, o arrefecimento dos ganhos com a pesca e do próprio mercado do tradicional “cisco” foram empurrões na empreitada. O cisco estava sendo vendido a R$ 0,30 o quilo, e com complicadores. Se antes recebia-se o pagamento no mesmo dia, agora pode passar até um mês para a catadora ver a cor do dinheiro. 

Com as algas, elas fazem sabonetes e vendem para pequenos eventos, como aniversários e chás-de-bebê. Mas já contabilizam duas encomendas mais vultosas: uma já concretizada, de 100 sabonetes para o Centro de Artesanato de Jenipabu, e outra em produção, de 200 unidades para um evento da UNP. Os sabonetes são vendidos de acordo com o tamanho. Podem sair por R$ 0,50 ou R$ 7.

Pitangui também tem marcas de projetos malsucedidos, em um deles, a pessoa responsável pelo beneficiamento das algas, representando um importante instituição, usou a mão-de-obra local para produzir os sabonetes. Mas além de não ensiná-las detalhes como ingredientes e quantidades necessárias, foi embora levando a prensa usada para melhorar o trabalho. Mas elas encaram esse fato como arquivado.

Sandra Maria Nascimento, 23 anos, é a tesoureira e lembra que o dinheiro, até agora, foi reinvestido. “Tudo, tudo é custo. Até para ir pra Natal tem o custo da passagem do ônibus. E a gente já sabia que o lucro ia demorar a vir”. E isso não é motivo de espanto ou desistência. O projeto começou com 15 mulheres. Hoje são 23.

“O que queremos é apoio técnico”, diz Denise Baracho, “porque força de vontade a gente tem”. Elas começaram procurando as colegas maricultoras de Rio do Fogo e os dois coordenadores do projeto. Agora, elas querem  aprimorar os procedimentos e ampliar o mix dos produtos, incluindo itens como xampu. Atualmente, elas têm seus apoios em Carlos Pitangui, o principal articulador local, e e, Antônio Luiz Borges, marinheiro aposentado da Petrobras e que agora se dedica ao trabalho com a comunidade.

Ricardo de Cerqueira, o consultor da FAO que está reavaliando o projeto de Rio do Fogo, conheceu a iniciativa de Pitangui na semana passada. No encontro, ele deu sinais que de que as Marisqueiras são fortes candidatas à inclusão do programa Desenvolvimento de Comunidades Costeiras, que deve ampliar-se em breve nos estados onde atua.

“A gente tem até um email e comunidade no orkut”, destaca Sandra. Mais informações sobre a iniciativa de Pitangui no email [email protected], no telefone 9182-6231 (chip comprado com recursos do projeto) ou na comunidade Marisqueiras, no orkut.

Empreendedorismo no caminho dos ciscos

Nísia Maria Silva de Freitas, a Pitita, hoje tem 40 anos. Aos 10, ela aprendeu com a avó, que aprendeu com a mãe, que também herdou da família as técnicas rústicas para catar “cisco” (alga) na praia. Sem fazer parte das equipes dos barcos pesqueiros, há décadas as mulheres que vivem no litoral do estado têm no extrativismo de algas uma maneira de complementar a renda de casa. Mas, até antes do projeto, as habilidades nesse processo se resumiam conhecimentos simples, como não arrancar a raiz da planta, para que ela voltasse a crescer. Naquela época, a então adolescente Pitita usava o dinheiro do cisco – o equivalente a R$ 10, R$ 20 por semana, calcula ela – para comprar roupas.

O rendimento não melhorou muito nos anos seguintes. Em 2006, foi o marido dela quem a avisou sobre o novo assunto da cidade: gente do governo estava colocando para funcionar um grupo de pessoas para trabalhar com cisco. Mas depois que ela aderiu, ele não gostou de ver a demora para o projeto andar e reclamava que a mulher deveria deixar aquilo de lado. “A gente vai vencer”, rebatia Pitita.

Pitita, cujo marido é pescador, lembra que a pesca não está boa em Rio do Fogo. Os fatores climáticos explicam: com o prolongamento do inverno, a água fica mais fria e os ventos mais fortes, dificultando o trabalho dos pescadores artesanais. Nessas horas, a renda das algas se torna ainda mais importante.

“Mesmo com tanto trabalho, na praia a gente brinca, se diverte”, diz Pitita, que afirma amar o que faz e demonstra estar satisfeita com os resultados. Segundo ela, na primeira colheita, foram R$ 44 para cada uma. A próxima deve render R$ 300 por cabeça. 

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