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Marina Lima se conecta ao presente

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Adriana Del Ré
AE

O passado foi vivido, diz Marina Lima, enfática. Dona de muitos sucessos – até hoje tocados nas rádios -, Marina, se quisesse, poderia passar os próximos anos de carreira cantando seus hits. Ela não quer. “O que realmente me move é o meu trabalho, é criar”, afirma ela. Essa inquietação foi uma das razões que a levaram a se mudar do Rio para São Paulo. “Falei: preciso procurar um lugar que me estimule a produção. No Rio, chegou um momento que parecia, para mim, que os próprios cariocas não estavam muito interessados no que eu tinha a dizer, como se eu fosse o Corcovado, o Pão de Açúcar, como se eu fosse uma entidade.”

E, se ainda restam dúvidas sobre esse discurso da cantora, seu novo disco autoral, Novas Famílias, 0 21.º da carreira, é a prova de como Marina está conectada com o hoje, em “música, letra e dança”. Em suas composições, Marina, tanto sozinha quanto em parceria, joga luz sobre temas atualíssimos, talvez de uma maneira nunca antes vista em sua trajetória. “Não acho que a arte tem que ser engajada. Arte não é jornalismo, não vou descrever o que acontece no dia a dia. Passa num outro lugar. Agora, num momento como está o Brasil, se eu não olhar para o lado e não me colocar, vou ser muito egoísta, não dá. A coletividade importa muito.”

A começar pela faixa Novas Famílias, de sua autoria, que abre o álbum e dá nome ao novo trabalho. Nela, Marina fala sobre a crise hídrica em São Paulo e a descoberta de água em Marte, mas também celebra as recentes conquistas de direitos no Brasil, como a lei da união estável de pessoas de mesmo sexo, e dos novos amigos que ela fez em São Paulo, e que formam seus novos grupos, sua ‘nova família’ na cidade. “Céus, e essas novas famílias/Com terras molhadas de amor/Minando qualquer ditador”, canta, num trecho.

Em Só Os Coxinhas, parceria dela com o irmão Antonio Cicero, faz um funk com os códigos típicos do gênero, para ridicularizar a quem ela considera “coxinha”. “Essa gente chata, cheia de ideia, de regra. Eu já tinha uma parte: ‘Agora abaixa um pouquinho, agora solta o mindinho’. Quando eu levei para o Cicero, ele quis fazer também. A gente, quando compõe, tem o negócio do humor mesmo. Aí ele foi completando com Feito Um Pica-Pauzinho. Quis fazer uma coisa que não era ofendendo nem agredindo, era ridicularizando, fazendo com humor.” A parceria com Cicero rendeu ainda a canção Juntas, em que Marina revisita poeticamente São Paulo, fazendo um paralelo entre o entardecer da cidade, que ela vê da janela de sua casa, com vista para o Pacaembu, em comparação ao do Rio.

São Paulo está bastante presente no disco, não? “Acho que tem uma coisa do Brasil. São Paulo aparece, mas o Rio também, tem Belém, Parnaíba (cidade de seu pai, no Piauí). O Rio vem comigo, faz parte de mim, tenho uma relação com a natureza, com o mar. Em São Paulo, logo que me mudei pra cá, me lembrava de Washington, onde morei quando era pequena, uma cidade onde não tem mar, mas tem muito verde.”

Ainda da dupla Marina-Cicero, a cantora resgata o antigo sucesso Pra Começar, que, pela primeira vez, ganha versão em estúdio (originalmente, foi lançada ao vivo, em 1986, no disco Todas Ao Vivo) e dialoga com o restante do álbum por causa da atualidade de sua letra. Há ainda outras parcerias, como em Do Mercosul, com Silva e Dustan Gallas; e uma única canção que não é de seu cancioneiro, Climática, de Klébi Nori e Gian Correa.

Na bela Árvores Alheias, outra composta solitariamente por Marina, ela se inspirou em um poema de Fernando Pessoa para falar sobre sentimentos que são universais, de “histórias velhas que o tempo levou”. “Percebi que, volta e meia na minha vida, aparecem pessoas de um ciclo atrás, que não souberam agir e querendo agir agora. Não tem mais nada a ver, são sombras de árvores alheias, aquilo ficou.”

Pop em sua essência, Marina não só flerta com o funk, como avança para outros estilos e gêneros, como tecnobrega, samba e música eletrônica. Reflexo do caldeirão rítmico presente em São Paulo, que se tornou, há tempos, ponto de encontro e morada de músicos de várias partes do País.

O flerte com as texturas eletrônicas, por exemplo, vem desde Fullgás. De lá para cá, Marina foi estudando, se aprimorando no assunto. Para ela, a música eletrônica lhe dá independência. “Eu não fazia parte de nenhuma banda. Geralmente, componho no violão A música eletrônica me trouxe acesso a todos os timbres possíveis, então posso fazer verdadeiros esqueletos, programar baixo… Aí, quando chamo um músico com quem quero trabalhar, ele parte de um ponto de partida todo pronto.”

O tempo de Marina é hoje, mas, não raro, fatos do passado voltam à conversa. Depois que revelou, anos atrás, que um erro médico lesionou suas cordas vocais e que teve depressão, sua voz tornou-se foco de curiosidade a cada novo disco, a cada novo show. A potência vocal de Marina pode não ser mais como de outrora, mas ela se adaptou à interpretação mais intimista, menos rasgada, estilo, aliás, facilmente identificável em uma geração mais nova de cantoras. “Isso tem quase 20 anos. A questão da voz, quando aconteceu, foi em um momento em que eu entrei em ‘tilt’. Eu não estava feliz com minha carreira, só tinha eu de cantora pop no Brasil, e tudo vinha em cima de mim. Não queria ficar numa redoma. Juntou tudo e também a depressão. Isso passou, está superado. Canto tudo o que quero no disco, minha voz é minha voz. Reconheço ela, cuido dela como sempre cuidei.” E ela diz isso como se esse capítulo precisasse ser virado pelos outros, porque, para ela, já foi. “[ ]Não tenho uma história nem profissional nem emocional que eu queira resgatar. As coisas estão bem resolvidas.”

Empoderada desde sempre, a cantora fala também da união das mulheres para denunciar casos de assédio e abusos. “Uma coisa que a gente não era”, diz. “As redes sociais talvez tenham trazido mais uma consciência coletiva, mais gente entende que não está só.” Musa do pop, ela chegou a sofrer assédio? “Nunca passei por isso, assédio nunca, mas tinha uma história de que mulher não compõe, tentavam me diminuir. Isso sim.”

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