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Marize Castro: 35 anos de poesia

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Thiago Gonzaga
Escritor

Lemos estarrecidos nos noticiários que o atual Presidente do Brasil, quer, a todo custo, um dos seus filhos como Embaixador nos Estados Unidos. Recomendaria ao Governante a leitura de dois livros interessantíssimos que talvez abrissem mais sua mente e o levassem a não mais tomar atitudes esdrúxulas: Bandeirantes e Pioneiros do escritor e diplomata Vianna Moog e Raízes do Brasil do historiador Sérgio Buarque de Holanda. Ainda poderia sugerir, caso tenha alguma dificuldade na leitura, que se concentre no capítulo deste livro intitulado “Homem cordial”. Ensaio notável, que trata da cordialidade do povo brasileiro, porém, cordialidade no sentido que remete ao coração (cor, cordis), ou seja, o jeitinho brasileiro de fazer as coisas, baseado na camaradagem, na amizade. Essa cordialidade brasileira, que a princípio seria algo positivo, pode tornar-se negativa, por sair do âmbito privado para o público. Sempre queremos beneficiar os mais próximos, “os de casa” mesmo que isso prejudique a coletividade. O tipo cordial é individualista, avesso à hierarquia, arredio à disciplina, desobediente a regras sociais e afeito ao paternalismo e ao compadrio. Evidentemente, não se trata de um perfil adequado à vida civilizada numa sociedade democrática. Mas é o que se encontra com frequência no nosso meio, infelizmente.

Por fim, se o Presidente gostasse de literatura, ainda lhe indicaria, um terceiro livro, que está completando 35 anos do lançamento, Marrons Crepons Marfins, da poeta e jornalista Marize Castro, publicado em 1984.

A história de Marrons Crepons Marfins, começaria em 1983, ainda inédito, quando venceu o Prêmio Galux de Poesia, promovido pela Fundação José Augusto. A comissão do concurso era composta por ninguém menos que Luís Carlos Guimarães, Diva Cunha e Vicente Serejo. O livro começou a repercutir meses antes do lançamento oficial e em 31 de julho de 1984, Cassiano Arruda Câmara, na sua tradicional coluna

Roda Viva, também exaltou as qualidades literárias de Marize Castro, corroborando com o que falou Nei Leandro de Castro em apresentação do livro: “Marize é o grande nome da poesia norte-rio-grandense ao lado de Myriam Coeli e Zila Mamede”.

Marrons Crepons Marfins foi lançado no Solar Bela Vista, numa noite de sexta- feira, às oito horas, o calendário registrava a data 14/12/1984. Parceria da Fundação José Augusto e Editora Clima, o lançamento do livro foi um dos mais badalados e comentados da cidade. Toda a intelectualidade natalense aplaudiu e recebeu com entusiasmo a jovem poeta estreante. Na edição do jornal “O Poti” de 13 de janeiro de 1985, o escritor e crítico literário José Jacome Barreto publicou análise positiva sobre o livro afirmando que Marize era a definitiva revelação da poesia produzida em solo norte-rio-grandense, trazendo em seus versos, “talento, coragem e muita autenticidade”. Ainda nessa mesma década, vários poemas de Marize Castro foram publicados país afora, como por exemplo, no Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, além de merecerem uma indicação de leitura no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo, muito simbólico para nós.

Reconhecida como uma das melhores poetas nascidas no Rio Grande do Norte, Marize Castro faz parte de uma geração que renovou a nossa tradição poética, ao lado de Socorro Trindad e Diva Cunha, tornando-se uma respeitável expressão da poesia brasileira dos últimos trinta anos. Aqui no Estado, foi esse trio de poetas que, praticamente, deu início a uma intensa produção, valendo um grito de liberdade dentro das propostas do movimento feminista, em face da injusta situação da mulher na sociedade. Tendo sua “liberdade” cerceada por anos de predomínio machista e silêncio, elas conseguiram finalmente espaço para falar de seus corpos, de seus desejos, de seus direitos, da forma que achavam mais conveniente. Além de quebrarem um paradigma, pelo menos a nível local, expressaram o rompimento com o fazer poético provinciano, numa perspectiva de independência literária da mulher.

As três escritoras foram pioneiras, de forma mais explicita, no Estado, deixando de lado, temáticas sentimentais – o amor, o sertão, a solidão, a família – para tratar em seus versos, da emancipação da mulher.

Socorro Trindad deu início, pelo menos com mais visibilidade, a esse processo de transição, na poesia potiguar, com uma poesia mais libertária, mais ousada, digamos assim, o qual vai se concretizar com Marize Castro, na época com apenas 21 anos de idade, em seu livro de estreia, e Diva Cunha com Canto de Página (1986) trazendo a mesma proposta, onde é visível a influência de algumas poetas daquela geração, como, por exemplo, Ana Cristina Cesar.

Nas primeiras páginas de Marrons Crepons Marfins de Marize fica evidente a marca de um trabalho sob nova perspectiva poética, onde a mulher não vai mais usar seus versos como se fossem anotações intimas, mas, sim, como um grito de liberdade. O livro tem bastante ironia, militância feminista, e claro, algumas dores e angústias do eu-lírico. Jornalista e editora, além de poeta, com textos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, Marize Castro começou suas atividades literárias bem jovem, no início da década de 1980, participou da Comissão de Literatura do Festival das Artes do Natal, publicou uma espécie de panfleto poético “ À luz de spots”, anos depois já dentro da sua atuação profissional, foi editora do jornal “O Galo” entre 1988/1990, conseguindo manter regularidade na circulação do jornal, com excelente conteúdo de interesse local e nacional, o que a levou a receber Prêmio Incentivo à Cultura da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, entregue na Academia Brasileira de Letras.

Marize Castro destaca-se, sobretudo, pela sua produção poética, da qual fazem parte, além da obra de estreia, os seguintes livros: Rito (1993), Poço. Festim. Mosaico, publicado em 1996 (livro bem diferente dos outros trabalhos da poeta, pois sua linguagem é muito próxima da prosa,) Esperado Ouro (2005), Lábios-Espelhos (2009), Habitar Teu Nome (2011) e A Mesma Fome (2016). Está provada a sua excelente produtividade nesses seus 35 anos de poesia.

Um exemplo da poética de Marize Castro a seguir – “Predestinada”: Nua, às três da madrugada, /ainda escavo minas /instaladas em minha alma. Nesses versos, ao utilizar como título a palavra “Predestinada”, o eu-lírico é um ser limitado ao destino convencional da mulher, que é servir ao homem e seus desejos sexuais. A autora joga com palavras, no intuito de demarcar a presença feminina, direcionada ao anseio de não reprimir seus desejos.

Marize Castro descreve circunstâncias várias em outros versos que mostram partes do corpo feminino supostamente postas em contato intenso, e assim denota quanto o erotismo feminino evoluiu e destacou-se na poesia norte-rio-grandense.

A poeta nascida em Natal, no início da década de 1960, vai ultrapassar as barreiras da província e transformar-se numa intérprete que representa a mulher brasileira, dentro do universal com seu valor existencial, na revalorização totalizante do segundo sexo.

Ao longo dos anos iria surgir uma geração de poetas todas praticamente recebendo influências, sobretudo de Marize, que se tornou uma espécie de ícone da poesia produzida em solo norte-rio-grandense. Voltando ao Senhor Presidente, dedicamos-lhe um poema do livro de estreia da autora, “The End”: Não há de ser tragédia. /No máximo, comédia.

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