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Maurício de Sousa: “A experiência virtual não é autossuficiente”

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Yuno Silva – repórter

Difícil não reconhecer na figura do cartunista Maurício de Sousa o papel de professor. Criador da Turma da Mônica, fenômeno dos quadrinhos nacionais com 50 anos de estrada, Maurício se orgulha de reconhecer o papel “de cartilha para alfabetização de milhões e milhões de pessoas” em suas revistas. Aos 77 anos de idade, e com planos de passar dos 120 para conseguir realizar tudo o que pretende, o pai da Mônica e da Magali – e de mais 400 personagens – esteve em Natal no início da semana para abrir a programação da terceira edição da Feira do Livro e Quadrinhos de Natal (FLiQ). Do alto de seus pouco mais de 1,55 metro de altura, sempre sorridente e atencioso, Maurício de Sousa se agigantou diante de um público que lotou o anfiteatro do Campus da UFRN, para falar sobre sua turma e de como tudo começou há seis décadas – quando atuava como repórter policial e desenhava tirinhas do cãozinho Bidu para o jornal onde trabalhava.
Maurício de Sousa: A cada seis meses, as línguas das tribos mudam, surge uma gíria nova, palavras que passaram por transformações semânticas
Sempre atento às mudanças do perfil de seu público, em 2008 ele criou a revista da Turma da Mônica Jovem para atender a nova demanda; além de emplacar, hoje a publicação é considerada o maior fenômeno editorial do mercado ocidental de HQs, com tiragem de 600 mil exemplares. Seguindo esse caminho, ele está lançando a revista Chico (Bento) Moço e experimentando no campo das graphic novels “para adultos jovens” – em novembro, durante a Feira Internacional de Quadrinhos em Belo Horizonte, lança a quarta novela gráfica baseada em seus personagens intitulada “Piteco Ingá”, cuja história ‘pré-histórica’, criada por um desenhista paraibano radicado na Itália, é ambientada no sertão da Paraíba. Maurício de Souza concedeu a seguinte entrevista para a TRIBUNA DO NORTE.

Quando você começou a desenhar já pensava em criar histórias para crianças?

Comecei muito jovem, aos 17 anos, ainda estava muito próximo da minha infância. Geralmente o escritor escreve sobre experiências pessoais, o que sentiu, viveu, tem que ter bagagem para ter o que contar. Como eu tinha que criar histórias e ainda estava muito próximo da minha infância, foi lá que fui buscar inspiração: meu cachorrinho Cuíca virou Bidu, me via como um menino entre o Franjinha e o Chico Bento. Era garoto de roça, do interior, vivia no mato, brincava na rua com a molecada, só vestia sapato para ir na escola. Consequentemente minhas personagens eram crianças, era o que eu sabia fazer e desenhar, só que eu trabalhava em um jornal, publicação voltada para o público adulto que publicava tirinhas norte-americana. Mas, acidentalmente, aconteceu das minhas histórias chegarem até os filhos dos leitores do jornal. Criança gosta de criança, de ler historinhas com crianças, e logo o Bidu caiu nas graça do público infantil. Não planejei nada, acabou dando certo na base acidental.

Seus personagens são inspirados em pessoas próximas, da família…

Exatamente. Com o sucesso das historinhas precisava criar mais personagens: foi aí que vieram o Chico Bento, baseado em um tio-avô, o Franjinha parece com um sobrinho mas tem uma postura mais minha. Depois surgiram Cebolinha, Titi, Xaveco, todos com personalidades de amigos da época. Até que me perguntaram das meninas, cadê as mulheres? Não sabia como funcionava a cabeças delas, na verdade até hoje não sei e vou passar a vida inteira tentando entender e não vou conseguir, mas enfim, tinha que resolver o problema. Depois de um tempo, já trabalhando em casa, percebi que tinha três mulherzinhas em casa, minhas filhas Mariângela, a Mônica e a Magali – estavam com três anos e meio, dois anos e meio e um ano e meio, respectivamente. Um dia vi a Mariângela cortando o cabelo da Mônica escondida da mãe, ficou aquele caminho de rato e daí surgiu a personagem. A cabelinho da Mônica veio daí, e ela arrastava um coelho de pelúcia azul maior que ela pela casa. No outro canto vi a Magali comendo uma melancia. Puxei a personalidade de cada uma e deu certo. Hoje, 50 anos depois, elas continuam a mesma coisa: Mônica continua brabinha, Magali gulosa, Mariângela (a Maria Cebolinha) continua aprontando. Foi daí que percebi ser infinita a possibilidade de criação.

Suas histórias sempre atuais, não envelhecem. Há uma avaliação periódica para conseguir manter isso?

Sempre tive a preocupação desses personagens falarem a língua do dia e da hora. Hoje, a cada seis meses praticamente, as línguas das tribos mudam, surge uma gíria nova, palavras que semanticamente passaram por transformações. Temos que ficar ligado, ir atrás disso, saber o que estão falando e como irão falar. Faço duas ou três reuniões anuais com todos os roteiristas por ano, chamo todo mundo para o meu sítio em São Paulo, uma delícia de lugar para a gente ficar sonhando, falando de planos. Outra questão importante é saber como se comunicar com os leitores de todas as regiões do país, precisamos ser entendido por todos, por isso hoje trabalhamos com 25 roteiristas espalhados no Brasil inteiro, de Porto Alegre a Manaus. Antes trabalhávamos todos juntos no estúdio, daí pedi para cada um ir para um lado para eles receberem uma carga de comunicação e cultural diferenciada. Em Natal ainda não tenho nenhum, mas estamos procurando.

E a questão educativa das suas revistas?

Neste momento estamos preocupados em incluir conteúdo educacional em todo material nosso. Em um país tão maltratado pelas autoridades de ensino, estamos cumprindo nossa parte. De certa maneira, estamos cumprindo até meio que sem querer pois as revistas da Turma da Mônica é a maior e mais forte cartilha de alfabetização do país. E faz tempo. Alfabetizamos milhões e milhões de brasileiros enquanto o Ministério (da Educação) briga sobre mudanças no sistema de ensino.

Foi dessas reuniões no seu sítio que saiu a Turma da Mônica Jovem?

Também. Surgiu de uma necessidade percebida. Até alguns anos atrás, a turma comprava revistinha até os 14, 15 anos, e depois ia para outras leituras. Só que com a tecnologia, as redes sociais e tudo mais a infância começou a encolher. Já podaram a pré-adolescência, e olhe lá se não querem pular a adolescência. Estávamos perdendo a garotada que achava que aquilo era coisa de criança e ia para o Mangá japonês. Então inventei a Turma Jovem com um jeitão de mangá caboclo, com isso nos transformamos nos maiores editores de revista para jovens no Brasil. Somos os maiores vendedores do Ocidente, só perdemos para dois mangás japoneses, mas chegamos lá também. Vendemos três vezes mais que Homem Aranha, Batman, Super-Homem. Foi um sucesso, preenchemos um ninho e criamos um novo problema: daqui a pouco o jovem vai achar que não serve mais e dai? Vou ter que criar a Turma da Mônica Adulta. Já bati um papo com o Walcyr Carrasco (autor de novelas como “Amor à Vida”), mas quero falar com outros também como o João Emanuel Carneiro (da novela “Avenida Brasil”), para dar um molho nas nossas histórias.

Molho picante?

O picante que pode ser conversado na sala ou na mesa de jantar, a forma tem que ser adequada para a família.

Você continua acompanhando todo o processo de criação?

Continuo aprovando e supervisionando todos os roteiros, os desenhos é que fico só monitorando para saber os traços estão corretos. Quando vejo algum desvio, vou no estúdio, seguro na mão do cara e digo ‘é assim ó’. Fiz isso com o Piteco, que tava ficando cumprido demais.

Quando chegam versões virtuais da Turma da Mônica, as webcomics?

Uma hora vamos ter que cair no virtual, mas estamos examinando as experiências mundiais e nenhuma está autossuficiente até agora. Esperamos alguém achar a fórmula certa para fazermos parecido. Por enquanto o pessoal está lendo no papel, que é mais nobre, orgânico, é gostoso sentir o livro, ter ele ali na estante. Vai ter uma versão para a tela fria, flexível, mas teremos tempo para isso. Vamos pegar a plataforma que surgir.

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