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Medicina e literatura (1)

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Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN

“Na medicina como no amor, nem nunca, nem sempre”. Essa frase é recorrente no meio médico e entre os alunos de medicina, desde várias décadas atrás. A mim foi passada pelos meus professores, sendo por alguns citada em francês, pois a minha formação médica ocorreu na década de 1960, época em que ainda era patente a influência da França nas artes, nas ciências e na literatura, ao redor do mundo. Não encontrei o autor dessa máxima que compara o amor e a medicina, porém, como a versão em francês é muito conhecida – Dans la medicine, comme dans l’amour, ni jamais, ni toujours –, chego a pensar em uma origem da cultura gaulesa. E o que ela transmite? As palavras reunidas nessa frase passam a ideia de que a incerteza da medicina deve estar na mente do médico, a fim de fazê-lo percorrer caminhos mais seguros, para o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento, visando ao bem-estar da pessoa doente. Se isso era válido na prática médica do passado, ainda se mantém nos dias atuais, quando as novas tecnologias passaram a fazer parte marcante do dia a dia da profissão?

Hoje, o que está em voga é a Medicina Baseada em Evidências – MBE –, a qual se apoia em processos científicos, por meio de estudos de natureza estatística e epidemiológica. A prática da MBE, somada ao uso do enorme acervo disponível de exames provindos do avanço tecnológico, além das pesquisas genéticas, permitem dizer que a velha máxima que compara o amor com a medicina já não tem sentido, virou somente um refrão nostálgico e histórico? Essa conclusão não prospera, a começar pela relação médico-paciente, crucial para o êxito de qualquer tratamento. Além disso, o quadro clínico ainda precisa se transformar em relato meticuloso, desde a anamnese, exame físico completo e os antecedentes, a fim de que as tomadas de decisões contenham o maior número possível de acertos. Todo esse cenário exige do médico a aptidão para produzir textos. Assim, a medicina não pode prescindir da palavra escrita, até porque, não sendo uma ciência exata, os registros médicos sempre se impõem para a busca do melhor caminho a seguir.

Portanto, o médico se obriga a trabalhar com a escrita de textos, e isso ele aprende desde os tempos da Faculdade. Esses textos do registro médico, no geral, são um tanto frios, pois devem ser um retrato falado da realidade. Por outro lado, o contato constante com a dor, com o sofrimento, com a doença, com a cura e com a morte, enfim, com emoções intensas, seria causa que influi e induz alguns médicos a se tornarem escritores? Ícone no Brasil entre os médicos escritores, Moacyr Scliar (1937-2011) cita alguns nomes que preenchem essa condição, nos âmbitos mundial e nacional: François Rabelais, Anton Tchekhov, Conan Doyle, William Carlos Williams, Somerset Mairghaim, Louis-Ferdinand Celine, Jorge de Lima, Miguel Torga, Peregrino Júnior, Pedro Nava, Guimarães Rosa, Cyro Martins e Lobo Antunes. Aqui no Rio Grande do Norte, restrinjo-me a citar apenas os três médicos escritores falecidos em datas mais recentes: José de Anchieta Ferreira, Ernani Rosado e Paulo Bezerra. Em todo o planeta, as letras fascinam muitas mentes voltadas à arte de Hipócrates. No entanto, o próprio Scliar pergunta: “É possível estabelecer uma relação precisa, uma associação causal, por assim dizer, entre medicina e literatura? “

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