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Medidas Coercitivas no novo CPC

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Rodrigo Alves Andrade
Advogado
[email protected]

Ao longo do tempo, o cumprimento das decisões judiciais era uma grande fonte de frustrações para a parte vencedora de um processo. Após um longo e penoso processo para definir uma certa situação jurídica, a parte tinha enormes dificuldades em fazer valer a decisão judicial que a beneficiava, especialmente se a mesma envolvesse condenação da outra parte ao pagamento de uma certa quantia em dinheiro. Em larga medida, a situação mudou. A preocupação com a efetividade dominou o processo nas últimas décadas, e levou a uma série de medidas tecnológicas e processuais que mudaram essa realidade. Já é de conhecimento convencional que o não pagamento de uma condenação judicial pode ensejar consequências drásticas, tais como o bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros, e a intimação para pagamento de quantias, sob pena de incidência de multa, e nova verba honorária para os advogados.

É nesse contexto que também se insere o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o qual autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas, denominadas atípicas, para assegurar cumprimento de decisão judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (condenação para pagar quantia em dinheiro). Seria o caso de determinar, ilustrativamente, que a parte devedora tenha carteira de habilitação suspensa, proibição de participação em concurso, ou licitação públicas, ou restrições a sua locomoção, até que o pagamento seja efetuado. Como o CPC está em vias de completar 04 anos de vigência, já é tempo para apurar os contornos que a jurisprudência tem conferido ao mencionado dispositivo processual.  

Discute-se a própria constitucionalidade do preceito. Tramita no STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN 5941), em que se pleiteia a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo processual, uma vez que a aplicação de certas medidas atípicas atingiria dispositivos constitucionais. A ação está pronta para julgamento e já conta com parecer do Ministério Público, para aplicação do dispositivo em conformidade com a Constituição, mediante interpretação que afirma a sua subsidiariedade, e já é largamente dominante atualmente. É bem possível que a ação venha a ser julgada, quando do exercício da Presidência do Min. Luiz Fux, Relator da ADin, e conhecido processualista. Os indicativos jurisprudenciais, no entanto, são robustos no sentido de que o dispositivo será considerado compatível com a Constituição, observando-se peculiaridades que a jurisprudência já tem assentado.     

Bem assim que o STJ tem condicionado a aplicação do dispositivo a que tais medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades de caso concreto (STJ, REsp 1788950/MT, REsp 1782418/RJ e AgInt no REsp 1785726/DF). Ou seja, deve-se esgotar os meios típicos de satisfação da dívida, de modo que não haverá lugar para tais medidas se a dívida estiver garantida, sob pena de se ter medida irrazoável e desproporcional. O TJSP, por sua vez, possui diversos pronunciamentos exigindo que a medida coercitiva tenha liame com o objeto da prestação, pelo que entende descabida a aplicação de uma série dessas medidas atípicas (TJSP 2274621-86/2019, por exemplo).

A aplicação de medidas que possam, em tese, violar a liberdade de locomoção, tem sido reiteradamente afastada. O STJ já concedeu habeas corpus, a fim de desfazer medida que, em processo de execução, obstou parte de deixar a comarca, salvo se comprovado justo motivo e comunicado ao juiz (HC 525378/RJ), assim como desfez a apreensão do passaporte em sede de execução por duplicata de prestação de serviços (RHC 97876/SP). Por outro lado, observado o requisito da subsidiariedade, e da proporcionalidade, diante da situação concreta, tem-se reconhecido a aplicação de medidas coercitivas, tais como a suspensão da carteira nacional de habilitação, ressalvando-se condição particulares, tais como daqueles profissionais que tem na condução de veículos fonte de sustento, e as circunstâncias de caso concreto – admitiu-se a proporcionalidade da suspensão da CNH, no último desses julgados, diante do alto padrão de vida do executado, incompatível com alegada ausência de patrimônio (RHC 9786/SP, RHC 88490/DF e AgInt no REsp 1785726/DF). Do mesmo modo, além da suspensão da CNH, admitiu-se a suspensão de uso de cartão de crédito, em execução de alimentos, em que o rito prisional se converteu em expropriação de bens, diante de fundada suspeita de ocultação de bens, em situação prolongada em que o executado teve vínculos empregatícios sucessivos, sem cumprir a ordem judicial (TJSP, AI 2243061 – 29.2019).

Acrescente-se que parece se firmar o entendimento pelo qual se afastam medidas atípicas aflitivas pessoais, como a suspensão de licença para dirigir, em se tratando de execução fiscal. É que tais medidas não seriam compatíveis com a sistemática do crédito fiscal, o qual goza de inúmeros privilégios, desde a sua constituição, até a situação de seu inadimplemento, com medidas assecuratórias que são concedidas a esse tipo de crédito, e tratamento por lei própria que rege seu procedimento (STJ, HC 453870), assim como tais medidas atípicas, em se tratando de execução fiscal, não se conformaria com o teor das Súmulas 70, 323 e 547, do STF, as quais vedam medidas coercitivas, para pagamento de tributos (TJSP, AI 2215114-34.2018)  – é de se ressaltar que recentemente o STF reafirmou que descabe a exigência de certidões negativas tributárias, para a prática de atos da vida civil e empresarial (ADin 173/DF e 394/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

Em síntese, tem-se que a previsão do CPC de 2015, ao contemplar medidas coercitivas atípicas, insere-se na busca para conferir efetividade ao processo. Após quase 04 anos de sua vigência, a jurisprudência tem se inclinado pela constitucionalidade do dispositivo, exigindo, contundo, para sua aplicação, que se esgotem os meios típicos de satisfação da dívida, e que se demonstre a sua proporcionalidade, diante das circunstâncias do caso concreto. Além disso, tem afastado medidas que possam violar direitos fundamentais, em especial a liberdade de locomoção.

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