sábado, 20 de abril, 2024
25.1 C
Natal
sábado, 20 de abril, 2024

Megaprojetos turísticos no litoral não saem do papel

- Publicidade -

O ator Antonio Banderas, ao lançar o megaprojeto em Pitangui, disse que os sonhos são para torná-los realidadeWagner Lopes – Repórter

“Os sonhos são para torná-los realidade.” A frase do ator espanhol Antônio Banderas ilustra um outdoor que dá as boas-vindas aos turistas que passam ao lado de onde seria erguido o Natal Grand Golf, projeto que previa 35 mil casas e oito hotéis cinco estrelas, entre as praias de Jacumã e Pitangui, no litoral Norte. Mais de dois anos depois do outdoor ser instalado, o empreendimento segue como vários outros lançados na mesma época: apenas nos sonhos.

Entre 2006 e 2008 foram anunciados pelo menos seis megaprojetos turísticos para o litoral potiguar, que juntos representariam cerca de 70 mil unidades, entre casas e apartamentos; quase uma dezena de campos de golfe; uma dúzia de campos de futebol; centenas de outras estruturas; muito luxo e, principalmente, milhões de reais, euros e dólares desembarcando no Rio Grande do Norte.

Porém veio a crise financeira internacional, atingindo em cheio o setor imobiliário estrangeiro e muitas empresas que comandavam esse “boom” de construção de residências de férias, voltadas para o mercado europeu. Quem visita atualmente as áreas onde seriam os resorts não enxerga nenhum sinal de obras, mas quem entende do mercado acredita que a Copa de 2014, a força do mercado nacional e o fim da crise internacional podem dar novo fôlego e tirar os megaprojetos do mundo dos sonhos.

Hoje, no entanto, as velhas e tradicionais dunas é que tomam o lugar que seria da grama dos campos de golfe, em Pitangui; em Cabo de São Roque só mesmo crianças e nativos batem bola na praia semideserta na qual o astro inglês David Beckham abriria sua escolinha de futebol; os bugues transitam livremente no espaço que abrigaria um amplo resort em Jacumã; e os jangadeiros de Touros não precisam se preocupar em dividir a Lagoa do Coelho com lancha nenhuma.

A lagoa receberia um resort cujo investimento anunciado era de R$ 2,4 bilhões, para a construção de 14 mil unidades, entre apartamentos e casas, além de campos de golfe, futebol e parque aquático com nada menos de 123 piscinas. O terreno chegou a ser desmatado por duas vezes. Não adiantou. O mato já tomou conta novamente e hoje, do outdoor localizado ao lado da porteira fechada, na entrada do terreno, só se consegue enxergar a palavra resort, quase apagada em meio à deterioração causada pelo tempo.

“Promessa teve franca, todo mundo se animou, mas não saiu do lugar”, resume um morador da região, Ivo Garcia dos Anjos. Aos 37 anos, ele trabalha com pesca e se entusiasmou, junto com os vizinhos, devido às perspectivas de empregos melhores com a chegada dos hotéis, dos turistas e do dinheiro estrangeiro. A esperança ainda não morreu de todo, mas vai se esvaindo aos poucos. 

O agricultor Antônio Bezerra dos Santos, 57, é dono de uma propriedade vizinha ao terreno, que poderia estar supervalorizada com o resort. “Ia ser muito melhor para a gente e pra todo mundo aqui, mas ficou nisso. Só tem um empregado que toma conta, mas não construíram nada”, lamenta. Os problemas para o idealizador do projeto não se limitaram à crise econômica.

O espanhol Nicolás Mateos foi preso em 2008, na Europa, por suspeitas de fraude, quando o empreendimento já havia sido vendido a outra empresa, sem sequer uma parede erguida. Atualmente, o terreno em nada lembra o vídeo postado em 2006 no Youtube e que até hoje mostra as belezas do que seria o Lagoa do Coelho Resort.

Prefeitura sonha com megaprojeto

O fracasso inicial dos megaresorts prometidos para o litoral potiguar não reduziu o entusiasmo da Prefeitura do Natal a respeito da ideia de um grande projeto turístico, a ser erguido às margens do rio Potengi. O complexo prevê a construção de uma marina, um hotel voltado para turistas de alto poder aquisitivo e um centro cultural, na área ao redor da ponte Forte-Redinha, entre o Forte dos Reis Magos e o terreno pertencente ao Exército.

A expectativa é que o estudo a respeito do projeto seja concluído até novembro e logo depois publicado o edital. Os investimentos previstos pelo secretário Municipal de Turismo, Francisco Soares Júnior, podem chegar a R$ 200 milhões e viriam da empresa ou consórcio vencedor da concorrência pública. Ele entende que além do atrativo da Copa de 2014, a proposta se diferencia dos “megaresorts” do litoral devido ao novo público-alvo.

“A ideia é se fazer um equipamento de grande porte, com hotel, centro cultural oferecendo apresentações, galerias de arte, artesanato, e ainda uma marina para receber as embarcações, como iates e veleiros. O grande problema daqueles projetos (no litoral) é que a maioria foi feita visando só o mercado internacional, o europeu, e esse não vai ser o caso do projeto de Natal”, explica.

A expectativa é que a estrutura esteja pronta um ano antes da Copa do Mundo e receba, além dos estrangeiros, muitos turistas brasileiros. “Você veja a quantidade de milionários que estão surgindo no país”, destaca Soares Júnior. O complexo faz parte das ações previstas pelo plano estratégico do turismo municipal, elaborado em 2009, e que inclui 120 ações de curto, médio e longo prazo.

“Identificamos que Natal precisa todo ano ter algo novo a oferecer na área turística. E também foi analisado o fato de que a concentração de empreendimentos turísticos está restrito praticamente a Ponta Negra e à Via Costeira. A cidade tem muito mais a oferecer. E a única área que a Prefeitura dispõe, ao longo do litoral, é o trecho entre o forte e a área do Exército”, observa.

Junto às operadoras de turismo, a consultoria contratada pelo Município detectou a necessidade de um complexo voltado para o visitante da “classe A”. “Todas foram unânimes em dizer que enquanto Natal não tiver um hotel de primeira linha, marina e campos de golfe nas proximidades, não há como vender a cidade para esses clientes”, enfatiza. Os campos, que não integram o complexo, viriam com a viabilização dos resorts litorâneos.

A respeito desses resorts, aliás, o secretário também é otimista. “Acho que já há várias empresas interessadas em rever os projetos e redimensioná-los, inclusive dando prioridade ao mercado nacional”, cita Soares Júnior. O complexo em Natal contaria ainda com um parque e um calçadão à beira do rio Potengi, ligando a fortaleza dos Reis Magos ao Iate Clube.

Cabo de S. Roque espera por jogador

Um gramado, verdinho, aguado todos os dias, em meio a um coqueiral, mas sem utilidade nenhuma. É o que resta da estrutura montada em janeiro de 2008 para o anúncio do projeto de um imenso resort em Cabo de São Roque, litoral do município de Maxaranguape. Da solenidade participaram a governadora Wilma de Faria e a estrela maior do futebol inglês, David Beckham. Hoje, nos 1.200 hectares restantes, mantém-se a mesma vegetação e o terreno de dunas sem qualquer intervenção.

O local atualmente é utilizado por familiares do jogador e pelos empreendedores apenas como uma espécie de casa de praia, onde vêm passar fins de semana, descendo de helicóptero. O caseiro, Pedro Aleixo, de 42 anos, é um dos cinco empregados do local – os outros quatro são da segurança – e ainda espera que esse número se multiplique bastante. “Ainda acredito que um dia vá ser construído (o resort) e do jeito que está para o povo daqui da região o melhor é que construa, para ter trabalho”, defende.  

Além do gramado onde ocorreu o lançamento do projeto, a área conta com a casa principal, construída muito antes de surgir a ideia do empreendimento, e outras residências de moradores nativos. O visual pode ser comparado ao dos melhores cartões postais. O coqueiral avança sobre a areia da praia e quase não há frequentadores em frente à residência, a não ser algumas pessoas que resolvem passear pela orla.

Trabalhando a poucos metros do início do terreno, vizinho à “Árvore do Amor”, o comerciante Genildo Rodrigues, de 36 anos, não acredita mais que o resort se torne realidade. “Vieram políticos, fizeram propaganda, mas aqui só cresce mesmo é a população”, diz. Proprietário de uma barraca de venda de bebidas e guia informal, ele explica que limparam palhas e cocos que tomavam conta do solo na área.

As estradinhas de terra, no entanto, servem apenas para o passeio dos quadriciclos dos visitantes, nada parecido com a escolinha de pilotagem que Rubens Barrichello pretendia instalar dentro do complexo. “Os hotéis não vão sair nunca. Vai ficar só para eles virem visitar”, aposta Genildo Rodrigues.

Megaprojeto de Jacumã consumiria R$ 200 mi

De um lado, um resort de cinco condomínios e R$ 200 milhões em investimentos. Atravessando a rua, outro de 2,2 mil hectares, oito hotéis e cinco campos de golfe. Definitivamente a região entre a praia de Jacumã e a de Pitangui seria a mais beneficiada com os megaprojetos anunciados no litoral potiguar. Do primeiro, o Jacumã Beach Resort, está de pé apenas o estande de vendas. Do segundo, o Natal Grand Golf, nem isso.

O Grand Golf mantém página, desatualizada, na Internet (http://www.elegancenatalgolf.com), na qual o jogador Ronaldo aparece fazendo propaganda do projeto, que também tem como “vitrine” o ator espanhol Antônio Banderas. Esse último passeou de bugue na região, no final de 2007, acompanhado da atriz Melanie Griffith. Um pequeno trecho chegou a ser terraplanado no início de 2008, mas o Ministério Público questionou, na época, as intervenções feitas na área de dunas e os trabalhos foram paralisados.

A crise chegou logo depois afetando em cheio o Grupo Sanchez, um dos sócios do empreendimento, e hoje só restam estradas de barro e areia atravessando o terreno do Grand Golf, utilizado como rota dos bugues que passeiam com turistas. O projeto original previa 35 mil casas e oito hotéis de padrão cinco estrelas, reunindo até 166 mil pessoas, entre visitantes, moradores, funcionários fixos e temporários.

Com um porte menor, mas igualmente luxuoso, seria o Jacumã Beach Resort, que previa R$ 200 milhões em investimentos, na construção de 821 unidades em condomínios residências e apart-hotéis, além de uma ampla infraestrutura esportiva e de lazer.  As promessas eram que as obras seriam concluídas até o fim de 2010. No entanto, o local só conta atualmente com uma edificação: o estande de vendas.

Desativado temporariamente, já que a responsável se encontra de férias, o espaço inclui desenhos, maquete e uma placa de lançamento, com os nomes da governadora Wilma de Faria e do secretário Estadual de Turismo, Fernando Fernandes, datada de 24 de agosto de 2007. A estrutura é mantida intacta por quatro vigias, que são, por enquanto, os únicos empregados do resort.

Um deles, o também comerciante José Leandro Teixeira, de 28 anos, espera muito mais. “Eles dizem que vai começar (a obra) e sempre vem gente interessada visitar o estande. Era bom que fosse verdade, porque seriam mais de cinco mil empregos e eu ia até fazer curso de segurança armada. O pessoal ia fazer inglês, espanhol, mas não vão começar sem saber se vai sair.”

Na praia ao lado, o diretor da Escola das Dunas de Pitangui, Clayton Saintclair, torce pela viabilidade dos dois megaprojetos. “Estamos preparados, com pessoal capacitado para os empregos que serão gerados. Hoje a escola trabalha independente desses projetos, porque há demanda no mercado e muitos alunos que formamos vão direto para o Ensino Superior, mas se os projetos vierem realmente vai ser melhor. Há uma expectativa grande da comunidade”, admite.

A escola é mantida em uma parceria entre Secretaria Estadual de Educação e a Fundação de Desenvolvimento da Terra Potiguar (Fundep) e recebe alunos para aulas do Ensino Médio tradicional, somadas a lições sobre turismo, empreendedorismo, atendimento ao público e outras atividades da área. “Se há um local pronto para aproveitar os empregos que podem ser gerados pelos resorts é Pitangui”, garante o diretor. 

Bate-papo: Sílvio Bezerra – presidente do Sinduscon

Qual a situação atual dos megaprojetos turísticos lançados no litoral potiguar?
Pelos projetos falam seus proprietários. Agora, o que a gente está vendo é que os projetos voltados para segunda residência de estrangeiros vão ser todos postergados. A Europa vive uma crise enorme ainda e era o principal mercado comprador desses empreendimentos. Mas esses projetos devem voltar nos próximos dois anos, para, de alguma forma, ficarem prontos no período da Copa do Mundo de 2014, porque tenho certeza que Natal, por ser cidade-sede, vai precisar de um número maior de hotéis e de empreendimentos com estrutura como a do Cabo de São Roque, com campos de treinamento onde as seleções possam ficar alojadas. Hoje, não vejo onde elas poderiam ficar, pois os hotéis nem campo de treinamento tem. Aposto muito que a viabilidade desses projetos vai vir como consequência da Copa do Mundo. Quando? Quando estiver mais próxima.

A crise ainda pode atrapalhar?
É preciso separar as coisas. A crise existe para venda de empreendimentos voltados para estrangeiros. O mercado nacional, doméstico, segue muito forte, vai de vento em popa. Vamos ter o Nordest Invest agora em maio, aqui em Natal, e certamente iremos encontrar muitas empresas de fora interessadas em investir e firmar parcerias com empresas daqui. O dinheiro existe. O problema é acertar em qual nicho investir. Deve ter gente readequando seu produto para buscar a demanda local. Acredito que muitos deles (megaprojetos) serão viabilizados com a demanda que virá com a Copa do Mundo de 2014 e o aeroporto (de São Gonçalo). Outros não, pode ser que busquem se adequar ao mercado doméstico.

E o que o poder público pode fazer para estimular a retomada?
O governo tem de acelerar e validar as licenças necessárias. Um dos problemas que a gente viu aqui foi exatamente a demora nos processos. A gente perdeu um pouco do bonde. Se algumas licenças tivessem sido dadas quando existia a demanda, talvez a construção de alguns empreendimentos tivesse se tornado irreversível, mas não dá para chorar o leite derramado.

Então é preciso se preparar para a nova demanda?
Claro. É hora de treinar pessoal, porque vai faltar gente para trabalhar quando chegar essa demanda. E não só no setor da construção civil, que vai exigir mão-de-obra muito grande nos próximos anos, mas também em empregos definitivos no turismo, como garçons, cozinheiros, recepcionistas que falem uma língua além do português. Ninguém consegue treinar um volume grande de gente em seis meses.

O “cavalo selado” vai passar novamente?
Com certeza. A gente perdeu o “timing” quando o mundo estava no auge da punjança e não tínhamos estrutura para licenciar o que devia ser licenciado. A gente espera que agora, que a gente vê que vai acontecer novamente, os órgãos se estruturem para a demanda que vier. O povo precisa de emprego e a gente precisa de um turismo sustentável.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas