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Memorial de uma cidade

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Sanderson Negreiros 
Escritor

De repente a vida é isto: uma saudade de tudo. Ou como diria o filósofo: a saudade, esta lucidez menor. Saudade dos irmãos que moram distantes, da “vida que poderia ter sido e que não foi” e, principalmente, de um estado de graça, físico e materialíssimo, que é a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Saudade do bairro de Santa Tereza de onde vi, estarrecido, certa vez, a chuva bailarina desabando sobre a baía. Da visão das montanhas de Teresópolis; do entardecer, didaticamente aprendido, do Alcazar na estreia da Avenida Atlântica; do jogo noturno com o Maracanã aceso pelo facho de humildes luzes de isqueiros dos torcedores. Saudade de coisa que a gente advinha no ar, no mar, no bar. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Como Manuel Bandeira recitava do Recife: Capiberibe, Capiberibe.

Em plena noite de terça-feira de carnaval, entre o arco-de-triunfo da beleza da paisagem feminina e a muita lucificação da Avenida Rio Branco, eu vi as mais belas mulatas que é dado ao olhar guardar vitralmente. E havia a suíça de que me fiz, em plena articulação da dança multifária, o cicerone. Rio. Dos jardins do Museu de Arte Moderna fui ver mil vezes seguidas, a tarde chegar na barra da baía: azul pensativa, milionária.

Rio da Lapa. Da buate “Brasil Dourado”, onde fui tantas vezes o Vinícius de Moraes dos pobres. Das mulheres pobres mas bonitas, demais até, com licença da vaidade, Rio de Botafogo e Copacabana, bairros do meu insólito caminhar de poeta dos dons de Deus e da Vida. Rio de Janeiro, fimbria de lembrança da pintora inglesa, fantástica em seu castelo medieval de dama apaziguadora da força nossa de homens. Rio de Janeiro, com que sonho em minha vagotonia de cristão, que há de se converter, de uma vez, à religião de sua paisagem espiritual e na direção dos ventos do leste-oeste de multidão e silêncio.

Quando tudo faltar no meu caminho e se alguém que eu amo, não me amar, eu desaparecerei na jangada posta à margem de minhas possibilidades mais imediatas, e serei Ulisses em busca de Ítaca: modus in rebus de todas nossas alegrias e tristezas – a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Rio 40 graus. Rio 400 cartões postais feitos de poesia que a memória, afetuosa, metrifica em um eterno soneto, feito de azul de mais.

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