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Mercado de filmes bíblicos

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LANÇAMENTO - Mel Gibson desafia a indústria com seu Cristo falado em aramaico

Por Luiz Carlos Merten  – AE

Houve um tempo, não tão distante assim, em que a Sexta-Feira Santa, nos cinemas e na televisão, era marcada pela programação de filmes bíblicos  e religiosos. “Ben-Hur”, “O Rei dos Reis” e “A Maior História de Todos os Tempos” davam as cartas. A Sexta-Feira Santa de 2007 traz agora várias ofertas em DVD. 

Para o grande público, a mais atraente talvez seja o DVD duplo, que inclui a  versão do diretor de “A Paixão de Cristo”, o épico de Mel Gibson, falado em  aramaico, que há dois anos provocou polêmica nas telas de todo o mundo (e bateu  recordes de público nos cinemas brasileiros).  

A “Paixão de Cristo” é um lançamento da Fox, que também está colocando nas lojas  os DVDs de “Davi e Betsabá”, “A História de Ruth” e “São Francisco de Assis”, a versão do começo dos anos 60, assinada por Michael Curtiz.

Para os cinéfilos,  a oferta mais importante é da Versátil, que lança o “Santo Agostinho”, de Roberto  Rossellini, que o grande diretor fez para TV, no começo dos anos 70. Não deixa  de ser curioso comparar o “Francesco” de Curtiz com a versão neo-realista da  história do “poverello di Assisi”, que o próprio Rossellini havia dirigido dez  anos antes (e a Versátil também lançou no País). 

Cenas excluídas, making of, todo tipo de informação de bastidores, até mesmo  a pesquisa religiosa e iconográfica, tudo torna a versão do diretor de “A Paixão  de Cristo” um item de colecionador – e deve desencadear novas discussões, pois  a violência do filme é ainda maior e a destruição física do homem chamado Jesus presta-se ao mal-estar das almas mais sensíveis.

Era, ou é, o partido de Mel  Gibson, que, no seu longa seguinte, “Apocalypto”, já estreado no Brasil, voltou  ao tema da brutalidade física, desta vez por meio de uma história desenrolada entre os maias, grande civilização pré-colombiana que viveu no México.  

Gibson talvez seja mais político que religioso. As bem-aventuranças do seu Cristo estão lá, mas o que lhe interessa é mostrar a fé em dúvida (ou afirmando-se) num mundo marcado pela violência, onde a tortura é a arma dos dominadores para destruir corações e mentes dos que sonham mudar o mundo.

Rossellini, no começo dos anos 60, já se desinteressara do cinema. Achava que o cinema comercial acabara com o tipo de experimentalismo que lhe interessava desenvolver nos filmes. Em 1963, ele descobriu que a TV podia ser a mídia perfeita para a afirmação de suas idéias e fez “L’Età del Ferro – A Idade de Ferro”. Três anos depois, com “A Tomada do Poder” por Luís XIV, estabeleceu uma data tão fundamental para a história do cinema como seria o advento das novas tecnologias, leia-se o digital, no limiar do Terceiro Milênio. Rossellini morreu em 1977.

Não viveu para ver Silvio Berlusconi apropriar-se da TV para estabelecer seu projeto político e ideológico (neofascista) para a sociedade italiana. A RAI, no tempo de Rossellini, era outra coisa. Em 1968, como contribuição ao espírito revolucionário de Maio, ele fez “Atti  degli Apostoli – Os Atos dos Apóstolos”. Seguiram-se “Sócrates e Pascal” – com o entreato da entrevista que ele gravou com Salvador Allende, no Chile, em maio  de 1971 – e, finalmente, em 72, “Agostino d’Ippona”, que sai agora como “Santo  Agostinho”. Os três filmes compõem o que Rossellini chamava de ‘trilogia da dissecação’. 

O começo dos anos 70 foi traumático principalmente para quem ainda vivia a ressaca do sonho revolucionário de 68. A Guerra do Vietnã, a crise da ecologia e da  energia, a repressão política e a pobreza degradante nos países emergentes provocaram uma crise do pensamento. Logo em seguida, surgiria o terrorismo das Brigadas Vermelhas e do grupo alemão Baader-Meinhoff.

Rossellini, para refletir sobre  o presente, foi ao passado, buscando o exemplo de Santo Agostinho. Quando ele desenvolveu seu sistema de pensamento, Roma havia sido saqueada pelos visigodos em 410 d.C., o império entrava em colapso face às invasões dos bárbaros e uma onda de licenciosidade dos costumes ameaça as virtudes cristãs. No filme, Agostinho observa – “Enquanto o mundo treme e cai, o Cristo pergunta – ‘Por que ter medo?’ O mundo é como o homem. Nasce, cresce, envelhece e morre.”

O que Agostinho discute, tanto do ponto de vista da teologia quanto da filosofia, é o mesmo problema que preocupava Rossellini em 1972 . O homem, na época de  crise, quer ser cidadão da decadente cidade dos homens ou da cidadela de Deus? Agostino (Agostinho) de Hippo, mais do que ninguém, encarou os problemas essenciais que terminaram determinando os valores da sociedade cristã ocidental.

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