quarta-feira, 24 de abril, 2024
32.1 C
Natal
quarta-feira, 24 de abril, 2024

Metade das equipes está incompleta

- Publicidade -

Yuno Silva – repórter

A crise da atenção básica na saúde pública em Natal não se restringe a problemas de infraestrutura e falta de médicos e remédios em postos de saúde e hospitais da cidade. O programa  Estratégia de Saúde da Família (ESF) – o antigo Programa de Saúde da Família – também precisa de reestruturação. Por falta de profissionais qualificados, o número de equipes que atuam em Natal é quase a metade do que preconiza o Ministério da Saúde. Pior que isso, das 116 equipes existentes, 47% estão incompletas – juntas, as equipes atendem cerca de 38% da população de Natal (Ministério da Saúde/maio de 2012). 
A costureira Maria Zélia, moradora da comunidade da África, recebe visita de enfermeiras do ESF e elogia atendimento
Segundo Maria Joilca Bezerra Loureiro Carvalho – coordenadora geral da ESF em Natal, o principal motivo do desfalque nas equipes existentes é a falta do profissional médico. “Temos dificuldades de adesão desta categoria para atuar nas equipes, uma vez que o mercado de trabalho e as instituições formadoras não contribuem para reforçar a necessidade de se atuar na saúde pública básica”.

O desfalque no ESF ocasiona dois problemas diretos: a sobrecarga de trabalho para os profissionais efetivos no programa e a superlotação de postos e hospitais. Para conhecer um pouco o cotidiano das equipes, a TRIBUNA DO NORTE percorreu alguns postos de saúde das zonas Norte e Oeste – base das equipes do ESF. Vale registrar que as situações verificadas não generalizam o funcionamento do programa em Natal: as 116 equipes estão espalhadas por 54 Unidades Básicas de Saúde (os conhecidos Postos de Saúde) e cada núcleo adota uma maneira de atuar dentro da realidade local.

Na zona Oeste, nos bairros de Nova Cidade e Cidade Nova, os postos de saúde estão, segundo servidora que não preferiu não se identificar, “com equipes da Estratégia de Saúde da Família desfalcadas, as farmácias desabastecidas, além da falta materiais básicos como álcool, algodão e gaze” para prestar atendimento à população.

A dona de casa Miquelani Cavalcanti, mãe de dois filhos, mora em frente a Unidade Básica de Saúde de Cidade Nova, e afirma que nunca foi visitada por um médico do ESF. “De vez em quando vem um agente de saúde aqui verificar carteirinha de vacinação, passar algumas informações, mas médico mesmo não veio ninguém”, disse.

Miquelani informou que precisa ir diversas vezes ao Posto de Saúde para conseguir uma ficha de consulta e que a falta de medicamentos é constante. “Está funcionando, mas devagar quase parando”, avalia a dona de casa.

Profissionais fazem a diferença

O atendimento domiciliar básico é o primeiro elo entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a população, e deveria desafogar o sistema público a partir de visitas regulares de equipe multidisciplinar formada por um médico, um dentista mais assistente odontológico, um enfermeiro, dois técnicos em enfermagem e seis – ou cinco – agentes de saúde.

“A ESF veio para dar certo, sou entusiasta desse modelo, mas é preciso vestir a camisa para funcionar. Aqui (na Comunidade da África) temos equipes comprometidas com o programa e o perfil receptivo da comunidade também ajuda muito nosso trabalho”, disse a enfermeira Erileide Medeiros, da Unidade Estratégia de Saúde da Família da África, na Redinha, zona Norte de Natal. As duas equipes que atuam na área estão completas, e atendem 1.719 família ou 6.373 pessoas.

“Temos carências como todos sabem, mas, mesmo sem medicação, por exemplo, fazemos um acolhimento que pode não resolver o problema, mas conforta o paciente e a família”, ressaltou. Erileide explicou que as equipes estão em constante interação com a comunidade, e que os atendimentos seguem três critérios básicos: “Priorizamos aqueles pacientes que necessitam de cuidados e não podem vir ao posto; em seguida vamos até os faltosos que participam de algum Programa desenvolvido pela Unidade de Saúde; e os acamados”. Idosos, crianças, gestantes e pacientes de doenças crônicas também têm atenção especial.

Apesar do foco ser saúde, as equipes da ESF também ‘distribuem’ orientação sobre educação e trabalho, questões jurídicas e de violência. A relação estreita entre os profissionais de saúde, também vistos como conselheiros, e a comunidade da África, resultou na produção de uma cartilha com 20 páginas, que registra origem e histórico da comunidade, as condições de moradia, saúde e educação, e aspectos culturais.

As agentes de saúde Sônia Melo e Luciana do Nascimento, com 13 e 18 anos de serviço público respectivamente, atuam desde a implantação do programa no RN, e confirmam que os atendimentos em domicílio diminuíram o movimento no Posto de Saúde. “Funciona em parte, poderia ser bem melhor se tivéssemos todos os medicamentos disponíveis”, informou Luciana.

A costureira autônoma e dona de casa Maria Zélia Augusto de Brito, 55, conta que “eles (agentes e médicos) já passaram várias vezes aqui em casa. Qualquer problema a gente fala com as meninas (agentes de saúde) antes de ir para o Posto. O filho de dona Maria Zélia, Carlos Augusto, de 32 anos, desempregado, já foi atendido por dentista, médico e disse achar “bom” ir com “tudo certo para o atendimento no Posto”.

Equipes otimizam recursos para garantir atendimento

Também na zona Norte, no bairro de Gramoré, a Unidade Unidade Estratégia de Saúde da Família faz o que pode com a estrutura disponível. Responsável pelo gerenciamento de quatro equipes da ESF, sendo duas incompletas (sem a presença do médico), o diretor da Unidade, Heriberto Torres, garante que o trabalho “nunca parou” por falta de pessoal. “Temos 21 agentes de saúde nas quatro equipes, e cada um faz de 8 a 12 visitas por dia, e como estamos desfalcados precisamos programar para distribuir o perfil de atendimentos durante a semana”, disse Torres.

Os atendimentos domiciliares são realizados alternadamente: uma equipe com médico trabalha às terças e sextas-feiras; e a outra às segundas e quintas-feiras. O padrão de atendimento adotado no Gramoré coloca o agente de saúde na dianteira, que cai em campo para identificar as necessidades da comunidade. “Precisamos otimizar os recursos humanos, e adotamos uma escala para cada tipo de atendimento: um dia fazemos acompanhamento pré-natal, no outro consulta de idosos, atendimento de crianças e por fim consultas normais”.

Segundo ele, a gratificação do ESF “é boa e ninguém quer sair” e atribui a ausência de médicos em algumas equipes “por desinteresse”. “É um trabalho puxado, de expediente duplo, tem que andar a pé pelo bairro, e por ser na zona Norte nem sempre querem vir”.

Quanto ao abastecimento da farmácia das Unidades e a falta de insumos básicos, Heriberto Torres afirma diz que “a situação está regular dentro dos limites, falta pouca coisa”, e que tudo depende da iniciativa dos diretores em “procurar soluções”. “Tem que ir atrás, encaminhar a solicitação de medicamentos e materiais de limpeza e expediente no dia certo, e monitorar para saber se determinado material, que não foi atendido no primeiro pedido, será disponibilizado ao longo do mês”.

Mas o diretor lamenta o fato das Unidades estarem sem conexão com a internet, devido falta de pagamento por parte da Prefeitura para garantir a prestação do serviço, e com impossibilita o acesso ao Sistema de Regulação da SMS, a central que gerencia a marcação de exames e consultas à especialistas. “Estou usando meu próprio modem 3G para não deixar os pacientes sem atendimento, e sei de diretores que estão levando trabalho para casa ou mesmo utilizando lan houses para acessar o Sistema, que é simples de usar e muito eficiente”.

Memória

Implantada no RN em 1997, como projeto piloto, o Programa de Saúde da Família como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial e tem por base a implantação de equipes multiprofissionais, que atuam em Unidades Básicas na prevenção e na promoção da saúde. Cada equipe, formada por um médico, um dentista e seu assistente, um enfermeiro, dois técnicos em enfermagem e seis – ou cinco – agentes de saúde, é responsável por um número predeterminado de famílias localizadas numa área delimitada.

Em Natal, a SMS dividiu a cidade em cinco Distritos Sanitários: Norte I e II, Leste, Oeste e Sul, e a presença das equipes da ESF estão concentradas nas regiões Norte e Oeste. O Programa foi implantado de maneira definitiva pela Secretaria Municipal de Saúde em 2005, em cumprimento aos dispositivos normativos do Ministério da Saúde.

Bate-papo

Maria Joilca Bezerra Loureiro Carvalho, coordenadora geral da ESF em Natal

“O principal motivo é a falta de médicos”

Qual seria a quantidade ideal de equipes da ESF trabalhando em Natal?

Para cobrir 100% da população, seriam necessárias cerca de 200 equipes, uma vez que cada uma atende até 4 mil pessoas.  A média recomendada pelo MS é de 3.450 pessoas. Recomenda-se que o número de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território, sendo que, quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe.

Das 116 equipes do ESF, apenas 62 estão completas. Qual o principal motivo para o desfalque?

O principal motivo é a falta do profissional médico. Temos dificuldades de adesão desta categoria para atuar nas equipes, uma vez que o mercado de trabalho e as instituições formadoras não contribuem para reforçar a necessidade de se atuar na saúde pública básica.

Todas as Unidades atuam de maneira padronizada?

As equipes são implantadas obedecendo os critérios preconizados pelo Ministério da Saúde, porém existem adequações conforme cada realidade local.

Qual seria o procedimento ideal de atendimento da ESF?

Conforme normatização vigente do SUS, que define a organização de Redes de Atenção à Saúde (RAS) como estratégia para um cuidado integral e direcionado às necessidades de saúde da população, a ESF deve ser a modalidade de atenção e de serviço de saúde com o mais elevado grau de descentralização e capilaridade; ser resolutiva e identificar riscos, necessidades e demandas de saúde, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas; e elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuticos singulares, bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS. Para isso, é necessário incorporar ferramentas e dispositivos de gestão do cuidado, tais como: gestão das listas de espera (encaminhamentos para consultas especializadas, procedimentos e exames), prontuário eletrônico em rede, entre outros procedimentos.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas