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MOA

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Dácio Galvão
Certo tempo estava querendo entender a efervescência nada ortodoxa da movimentação cultural protagonizada por comunidades  afro-baianas em Salvador. Foi quando me caiu nas mãos o estudo de Antonio Risério  surfando numa antropologia que de clássica nada tinha. Trouxe a consumação da curiosidade de então e projetava outras que na verdade não me dava conta. Era o livro ainda atualíssimo com um título curioso de Carnaval Ijexá, um manual imprescindível para se compreender  etnias, aspectos linguísticos, afoxés, poesia afro-brasileira, gêneros musicais, ancestralidade, diáspora negra… Pesquisa suscinta, síncrona-diacrônica direta e reveladora no esclarecimento do delimitado território de interesse. Quem escreveu era alguém que Darcy Ribeiro o queria próximo!

Mestre Moa

Foi nessa leitura que tomei conhecimento da importância e dimensão simbólica do ativista, líder e idealizador do afoxé Badauê, o compositor e capoeirista Mestre Moa do Kantendê. Fazia dobradinha com Vovô do Ilê, fundador do bloco Ilê Aiyê.

Pois é! Nessa onda de barbárie que estamos vivenciando o fuzil de fabricação norte-americana ArmaLite AR-15 não subtraiu a importância brutal da peixeira ou faca de ponta como decantava poeticamente o coqueiro famoso de Cuité, Chico Antonio, em verso de embolada. Arma branca que não saiu de cena criminosa e que foi utilizada para tirar a vida de Mestre Moa. Assassinato vil calcado numa discussão torpe sobre a politicalha que devastou o país. Nós não merecemos revés desse nível de barbaridade. Do ato em si e do embate que estava em cheque. Imagina a temática! A precária polarização do cenário político brasileiro. Esse tema não pode e não deve valer uma ou mais vidas. É inaceitável que um assunto mergulhado nos acenos da lama, do obscuro, possa provocar a morte do cidadão que representava valores intangíveis e imprescindíveis para a identidade brasileira quanto os do Mestre capoeirista forjado no bairro do Dique Novo.  “O conservadorismo é diferente do fascismo. O fascismo é que traz em si o ódio, essa vontade de atacar estruturas culturais… Bradou dos Estados Unidos, o poeta baiano Guellwaar Adún, parceiro de Katendê em canções para blocos afros, à BBC News Brasil se referindo a perda devastadora do amigo.

Num mundo estreito da sacanagem política em que estamos atolados o Mestre Moa do Katendê, sua significação, não diz absolutamente nada. Disso, tenho certeza. Perda dessa magnitude não importa para classe política dirigente. Interessa a notícia ser fermento de manobra midiática com o parcial que o instante está a exigir no campo do manejo espúrio e obtuso dos interesses eleitorais.

No mais é detectar que o tal motor da história está fundido. Ou o trem da história descarrilou vagões até porque a Maria Fumaça foi aposentada e o Trem Bala é a sensação e delírio da modernidade que elegeu o capital, a usura, o não humanismo como vetores de sustentação do consumo insano e sem limites. É a vida em rotação, concorrida e disputada desigualmente numa luta diária onde os mais fracos continuam mais fracos. E os mais fortes…

Assim o Mestre Moa do Katendê, vítima de um contexto complexo, deixa seu exemplo de militância no campo do imaterial e do heterodoxo como contributo formador para um país que possa no futuro próximo – quem sabe? – se anunciar novamente sustentado em novas utopias. Quando? Quem viver verá.

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