Como se fosse pouco caótico o quadro de relações presenciais, assistimos o advento consolidado de mais extensões e tentáculos que geram elos de correlações e compartilhamentos nas nossas ideias e emoções. Pode incluir aí as infinitas abas, aplicativos e plataformas virtuais. Mudança geral. Vamos percebendo um desfile de diversas novas opções quanto as áreas do conhecimento humano. O campo vai feito lente de aumento se projetando para atender demandas do novo cenário comportamental e da sua imprevisibilidade. Revolução tecnológica com inovação e inteligência artificial aponta para o passado, dirige o presente e prenuncia o futuro. Curioso é perceber como os modelos de implementação vão se impondo. O mundo do capital organiza e dita as regras numa velocidade tal que a nova ordem mundial de cada dia, hora ou minuto vai se atualizando e exigindo uma dada e inusitada inserção própria de processos hegemônicos. Briga de cachorro grande: vide a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos da América envolvendo o controle da tecnologia 5G super impactante na internet da Coisas, assistência médica remota, veículos autônomos… Parar para pensar sobre, nem falar. Tempo não há.
As tribos são formatadas e o sistema vai ditando complexíssimas e charmosas regras do consumo do século vinte e um. Do analista, do médico virtual, das missas e ritos sagrados, guerras e pazes geopolíticas… Todos os setores vão se adaptando a new wave do Antropoceno. A teoria cibernética de Nobert Wiener dos anos de 1940 do século passado reinventou culturas e estabeleceu o centralismo da informação. É isso: informação, ambiente e comunicação! Essa tríade conceitual tudo pode até prova em contrário. Falo de poder vertical! A antropologia digital sugere a percepção de mudança do homo sapiens na medida em que ele se abre. Abertura de cérebro ressignificando a interação com computadores, celulares instrumentos da inteligência artificial. Eles nos permitem manter a fixação da identidade e viajar em “cérebros abertos” pelo mundão afora inclusive nas imagens galácticas. Maravilha!
Em meio a essa engrenagem vamos indo. Pobres cristãos. Aliás a tecnologia dos dois últimos séculos contribuiu contemporaneamente com a imagem de uma beata canonizada. O registro fotográfico e não uma pintura de Santa Dulce dos Pobres foi a base para a confecção da tapeçaria, mostrando o rosto da Santa brasileira, exposta na Basílica de São Pedro, no Vaticano. O lance de dados que estão jogados sobre nós é infinito. Acredito não ser objetivo de ninguém os alcançar. O buraco é mais embaixo. Mas como não virar massa de manobra ou ferramenta de uso comum abstraído da consciência do domínio político-econômico feito por aqueles que detêm o controle da tecnologia e do conhecimento? Tudo nas mãos de pouquíssimas operadoras num oligopólio difícil de imaginarmos seu faturamento? Eis a questão. Pensar esse estágio num empoderamento massivo, parece distante. As massas… Não comem biscoitos finos como receitou Oswald de Andrade.
O livro mais vendido na Festa Literária de Paraty – flip, foi “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, de Ailton Krenak , pensador e líder indígena dos mais importantes no momento. É um livrinho de bolso com três falas-palestras. Seu tamanho físico pouco pretencioso na diagramação contrasta com a infinitude do conteúdo-saber. Propõe repensar outros padrões para a humanidade. Ele parte de premissas interessantes tocando em feridas e brada em desfavor de pontuais aspectos modernos. Assinala o caminho da modernização que empurrou a gente da floresta e do campo para a vala indigesta e excluída da periferia provocando perdas irreparáveis de identidades referenciais e ancestrais. Sem essas tais vinculações pessoas não resistirão ao nivelamento redutor. A diversidade cultural será carta fora do baralho. Ele assina: “o tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida”. Claro que a sua voz, estando presente como militante da cena global e pertencente a uma etnia dentre as mais ou menos 250 existentes no Brasil, faz valer o contraponto. Levanta valores implícitos e referenciais de uma sociedade integrada, detentora de uma cosmologia diferenciada, ligada cem por cento a natureza e que especifica mitos, sem almejar ou estabelecer princípios de sobrevivência regidos por acúmulos de bens de capitais. Nesse ponto, a grande diferença tribal. A sociedade capitalista trava e propõe a disputa insana por um status quo e poderes questionáveis. Não há nenhuma ingenuidade em Krenak. Ao contrário, o que existe é a defesa da não supremacia do humano sobre as demais vidas no sentido profundo de se perseguir maneiras de convivências. Do bem viver social ambientalmente saudável.