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Morte de negros reacende debate

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Tales Lobo
Repórter
Alunos do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande (UFRN), foram vítimas de ataques racistas durante a realização de debate virtual semana passada. Na ocasião, um grupo de pessoas entrou na plataforma onde era realizado o evento, silenciando e agredindo os demais participantes da discussão, que tinha como tema justamente o preconceito racial. O caso se soma a outros episódios de racismo que eclodiram em repercussão da mídia nas últimas semanas, como as mortes do estadunidense George Floyd, do garoto João Pedro no Rio de Janeiro e do menino Miguel, em Recife.
Milhares de pessoas saem às ruas de diversas cidades dos EUA para protestar há, pelo menos, 12 dias
De acordo com a 59mil, empresa júnior do curso de Publicidade e Propaganda e que promovia o debate, após cerca de 30 minutos do início, um grupo de pessoas desconhecidas começou a silenciar a palestrante repetidas vezes através de uma função da plataforma (desligando o áudio de seu microfone). Durante cerca de dez minutos, o grupo continuou com atitudes que visavam desmoralizar o conteúdo passado, através de caos sonoro, palavras de ódio e de baixo calão, exibição de conteúdo pornográfico e áudio de conteúdo racista. O ataque levou ao encerramento do debate.
A advogada Aline Juliete, membro de movimentos contra o racismo e mestranda da área de Estado e Políticas Públicas pela UFRN, cita que o caso é mais uma prova de que o racismo está presente na sociedade brasileira. “Eu vejo como uma verdadeira denúncia de que o racismo está em todos os lugares. É bastante simbólico que nesse evento feito para debater o racismo estrutural, justamente a voz da palestrante tenha sido alvo do ataque. Acredito que as redes sociais também têm esse poder de encorajar as pessoas mais covardes a estarem por trás de uma tela atacando direitos e tentando atingir a autoestima e a dignidade de outras pessoas” declara.
O Departamento de Comunicação Social da UFRN (Decom) afirmou em nota que irá “exigir que medidas sejam tomadas para punir os invasores da atividade e pressionar para que as autoridades responsáveis pelo ensino nas Universidades viabilizem, minimamente, meios garantidores da docência sem prejuízos às/aos alunas(os) e que não interfiram na liberdade de cátedra dos docentes.”
Aluna de Jornalismo da UFRN, Galdina de Carvalho demonstra medo e indignação com os últimos casos evidenciados e relatou ter sido vítima recente de racismo. “É bastante assustador. Eu me sinto totalmente minimizada no mundo de hoje…. Nesse período de quarentena, dei uma saída muito rápida ao supermercado. De repente, percebi a presença de uma pessoa ao meu lado. Quando olhei era o segurança do estabelecimento, e ele ficou ao meu lado o tempo inteiro, achando que eu iria levar alguma coisa. Eu fiquei chocada”, declarou.
Galdina relatou constrangimento em supermercado de Natal
Racismo estrutural
Aline Juliete ressaloua que o chamado racismo estrutural é evidenciado em casos como o ocorrido na UFRN e do menino Miguel, de 5 anos, que morreu em Recife após cair de um prédio enquanto estava sob os cuidados da patroa de sua mãe, empregada doméstica. “É difícil para a gente que é negro olhar para uma questão como essa. No Brasil, essas relações empregatícias domésticas ainda têm uma relação muito forte com a escravidão. A sociedade é estruturada para que funcione dessa forma, para que tenha na base, nas profissões de ‘menos prestígio’, pessoas negras, como reflexo da falta de oportunidades. Isso é construído por uma cultura, por uma estrutura, muito difícil de ser mudada”, destacou.
Amanda Belo, doutora em Serviço Social e representante do grupo ‘Amélias: Mulheres do Projeto Popular’, fala sobre como o racismo estrutural reflete em relações de desigualdade sofridas por pessoas negras diariamente: “O negro vivencia uma relação desigual em todos os aspectos da vida dele. No trabalho, recebe menores salários. Dados do IBGE, pesquisas nacionais sérias conseguem mensurar o salário desigual para pessoas brancas e negras, homens e mulheres”, elencou. Amanda ainda refletiu sobre a inexistência de uma ‘democracia racial’ no Brasil, onde negros e brancos conviveriam em harmonia e igualdade. Segundo ela, pessoas preconceituosas estão se sentindo cada vez mais legitimadas a revelar seu ódio, praticando a segregação e o preconceito racial sem medo de uma possível punição.
“Para a gente não existe uma relação de democracia racial. A gente entende que o racismo não está começando agora e que muitas pessoas machistas e racistas estão conseguindo se levantar, estão tendo coragem de se mostrar, porque estão sendo apoiadas nacionalmente até pelo governo federal. A gente vê que nas favelas existe uma necropolítica, uma política de extermínio do povo negro. Você atira primeiro para perguntar depois”, explicou Amanda Belo.
Futuro
As manifestações aquecem a luta contra o racismo e indo às ruas mesmo em meio à pandemia de Covid-19. “Os movimentos estão acontecendo. Mesmo em meio à pandemia, mesmo com as repressões que a gente sofre”, reiterou Amanda Belo.
Comissão da Câmara irá apresentar projetos
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) deve se reunir em breve com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para propor ações urgentes contra o racismo institucional e contra a morte de negros, a maioria jovens e moradores de periferias, durante operações policiais. A decisão foi tomada na sexta-feira, 5, em reunião por videoconferência que contou com a participação de lideranças do movimento negro.
“Vamos pressionar pela exoneração do presidente da Fundação Cultural Palmares [Sérgio Camargo], solicitar que a Câmara adote a campanha ‘Vidas Negras Importam’ e sugerir que sejam incluídas na pauta propostas consideradas prioritárias”, disse o presidente da comissão, Helder Salomão (PT-ES), que abriu os debates lembrando o nome de diversas vítimas e pedindo um minuto de silêncio.
Ao destacar mortes como a do menino João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, assassinado quando estava na casa do tio em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, durante operação conjunta das policias Federal, civil e militar; Salomão defendeu a aprovação de dois projetos lei em análise na Casa: o PL 4471/12, que acaba com os autos de resistência; e o PL 2438/15, que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens – medida recomendada pela CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, concluída em 2015.
Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Maria do Rosário (PT-RS) criticaram o auto de resistência, que é o termo usado pela polícia para classificar mortes de pessoas que teriam resistido à prisão. “São tiros na nuca, pelas costas, sem que tenha havido qualquer resistência. Jovens de periferia mortos pela ação do Estado. Corpos negros nos importam”, disse Teixeira. “Crimes contra Ágatha [Sales Félix] e João Pedro [Matos Pinto] não foram autos de resistência, mas não houve perícia para constatar isso”, disse a deputada.
O Projeto de Lei 4471/12 exige a preservação do local do crime, perícia independente e punição efetiva do policial considerado culpado. “Hoje não é assim, o delegado pede perícia se quiser. E essa perícia não pode ser ligada à polícia, tem que ser autônoma”, disse. Questões sobre armas também serão debatidas.
Proposta aumenta pena para crime de injúria racial
Enquanto se multiplicam os protestos contra o racismo nos Estados Unidos e também no Brasil e em vários outros países, foi apresentado no Senado o projeto de lei que aumenta as penas referentes a condutas criminosas de injúria preconceituosa e discriminação racial. O PL 3.054/2020 é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).A proposta altera o Código Penal e a lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei 7.716, de 1989) para que as penas de condutas criminosas ensejadas por preconceito e discriminação, notadamente aquela de cunho racial, sejam mínimas de três anos.
Na justificativa do projeto, Randolfe relata que a proposta foi motivada pelas reiteradas ocorrências de preconceito racial que, em muitos casos, resultam em agressões e morte das vítimas. Para ele, essas ações demandam do ordenamento jurídico resposta mais acentuada como forma de desestímulo ao ofensor e proteção à vítima.
Casos recentes
O senador apresentou ainda alguns casos de racismo que aconteceram recentemente e destacou que, no Brasil, situações de preconceito racial dirigido a indivíduo específico ou à coletividade de mesma raça são abundantes. O senador mencionou o caso da adolescente negra que foi atacada com inúmeras mensagens racistas pelos colegas de uma escola particular da Zona Sul do Rio de Janeiro.
“Os casos são, realmente, muitos. Relacionamos alguns apenas para enfatizar a importância de o Estado brasileiro responder de forma contundente a estes comportamentos criminosos que precisam ser extirpados da nossa cultura”, declarou.
Injúria racial
Randolfe Rodrigues ressalta que, no Código Penal, está qualificado o crime de injúria pela “utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Ou seja, injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de alguém.
A injúria pode ser praticada de diversas maneiras, e não só por palavras, bastando que seja conduta que expresse o pensamento ou sentimento ofensivo. Se tem a intenção de discriminar, trata-se da injúria preconceituosa que, quando movida por questões de cor ou raça, é chamada de injúria racial. 
“Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Já o crime de racismo implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos”, explicou.
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