O Ministério Público Estadual (MPE) promoveu uma ação civil pública, com pedido de liminar que vai tramitar numa das Varas da Fazenda Pública da Comarca de Natal, para a suspensão de todo o processo de contratação de empresas para alienação e demolição dos prédios do Centro Administrativo para a construção do estádio de futebol Arena das Dunas, a fim de receber jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal.
Os sete promotores de Justiça que assinam a ação, questionam, inclusive, o edital publicado para esse fim, no “Diário Oficial do Estado” do dia 2 de setembro deste ano. Na ação, o Ministério Público coloca como demandados o governo estadual, a Prefeitura do Natal e a Agência de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (AGN).
A ação é uma iniciativa do Grupo de Atuação Especial para Acompanhamento das Atividades Relativas à Copa 2014, criado em 20 de julho pelo MPE, depois de a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) ter anunciado, em 3 de maio a escolha de Natal como uma das 12 cidades-sedes dos jogos da Copa no Brasil.
Os promotores apontam, por exemplo, que não existe autorização legislativa para que o Estado e o Município doem à AGN o bem imóvel, embora já esteja em pleno curso o processo de seleção de parceiro privado da AGN para venda do imóvel público.
Além disso, o MPE considera que para a AGN alienar o imóvel, através da integralização do capital de sociedade privada, mediante permuta por ações, é indispensável a realização de licitação, na modalidade concorrência.
Outro questionamento é o fato de que nem mesmo o parceiro privado que se associará à AGN, nos termos do “processo de chamamento público”, será selecionado através de licitação, embora ele venha a ser o responsável pela gestão da sociedade de propósito específico e, portanto, encarregado da venda do bem público.
“É incompatível com os princípios norteadores da administração pública o fato de que as empresas devem demonstrar interesse em participar da associação com a AGN, apesar do anúncio de chamamento não trazer qualquer informação sobre a dimensão do negócio, sua formatação jurídica, ou qualquer outro elemento que permita pelo menos minimamente o conhecimento do objeto do chamamento”, diz um dos trechos da ação do MPE.
Isso, diz a ação, praticamente inviabiliza qualquer caráter competitivo no processo de chamamento público. “Lembre-se de que nem mesmo o Ministério Público logrou ter acesso a estas informações”, escreveram os promotores.
O MPE ressalta que o referido chamamento público, que pretende atrair interessados para um negócio estimado em R$ 352 milhões teve seu anúncio publicado exclusivamente no Diário Oficial do Estado, uma única vez: “Ou seja, teve uma publicidade irrisória, absolutamente incompatível para a dimensão do empreendimento, que induvidosamente demanda uma concorrência internacional, já que apenas para a concepção do projeto, o que é muito menos complexo e arriscado do que sua execução, foram contratadas duas empresas multinacionais, mediante inexigibilidade de licitação, sob o fundamento da singularidade do objeto. E, sabidamente, o Diário Oficial do Estado não é um instrumento de comunicação que tenha alcance sequer nacional e, muito menos, é claro, internacional”, assinam eles.
Para o MPE, a licitação para um objeto desse porte deve necessariamente ser na modalidade de concorrência, precedida de audiência pública e seu edital publicado em jornal de grande circulação (podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição).
Enquanto isso, segundo o MPE, pretende-se alienar um bem público avaliado em R$ 352 milhões, além de executar uma obra estimada em R$ 309 milhões, através de um obscuro processo de “chamamento público”, cujo edital e respectivos critérios de seleção do parceiro privado são secretos, somente sendo divulgados posteriormente, pelo Correio, e restritamente às empresas que lograrem ser previamente credenciadas.
Na verdade, opina o MPE, o que está em curso, e foi dissimuladamente denominado de chamamento público para celebração de contrato de natureza associativa, é a formação de uma parceria público-privada, sendo que em absoluta afronta à Lei n. 11.079/04.
Secretário lamenta iniciativa do MP
O secretário estadual do Turismo, Fernando Fernandes, disse ontem que não podia se posicionar a respeito da ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual (MPE) contra o processo de construção do estádio Arena das Dunas e alienação e demolição do Centro Administrativo para a construção de um novo, porque não tinha conhecimento do seu teor.
Porém, o secretário achou estranho que o MPE tenha enviado inicialmente para a imprensa, uma cópia da ação civil pública sem antes ter feito comunicação ao governo estadual. “Para mim é uma surpresa desagradável”, disse o secretário de Turismo, para quem uma ação dessa natureza pode “acabar tirando Natal da Copa”.
Fernando Fernandes disse que tomou conhecimento da ação através da imprensa, no fim da tarde, e no começo da noite ainda tentava um contato com o procurador geral do Estado, Francisco Sales, para saber até onde vão as implicações da ação civil pública movida pelo Ministério Público.
O MPE se posiciona contrário à formação da sociedade empresarial para a construção da Arena das Dunas, a fim de suprir a carência de recursos públicos para investimentos, pois considera inconcebível que uma PPP (parceria público-privada) cujo investimento seja 100% público, cabendo ao parceiro privado exclusivamente a gestão da venda do patrimônio imobiliário, a obtenção do financiamento e a realização da concorrência privada para a contratação da obra.
Segundo o MPE, a Lei 11.079/ 04 veda expressamente PPP cujo prazo seja inferior a cinco anos, enquanto o prazo de construção da Arena das Dunas será de dois anos. A legislação também só permite a participação patrimonial da administração pública na PPP, em se tratando de outorga de bens, se forem bens dominicais, enquanto que o imóvel que se pretende alienar está afetado a uma utilização pública.
Como o prazo dado pela Fifa para o início das obras vai até março de 2010, o MPE acha que seis meses ainda é tempo suficiente para conclusão do processo licitatório, principalmente em se considerando que desde o mês de maio deste ano foi feito o anúncio da escolha da cidade de Natal, bem como que desde o mês de novembro de 2008 o Estado e o Município assinaram um termo de compromisso com a CBF, no qual já previa a apresentação, após a escolha das sede, de “edital de licitação se for o caso” e que “qualquer processo público de seleção de investidores (para a reforma ou construção e eventualmente operação dos estádios), por qualquer modalidade de contratação, deveria estar em curso a partir de data não posterior a 21 de julho de 2009”.
Segundo os promotores, não é nenhuma surpresa para a administração pública os deveres que lhe foram impostos para manutenção de Natal como sede da Copa 2014, tendo desde o início do processo já transcorrido quase um ano, tempo que se supõe tenha sido muito mais do que suficiente para que agora, já tenham sido coletadas todas as informações e documentos demandados para a deflagração do processo licitatório.