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Mulheres atrás das grades

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Pela primeira vez em Natal mulheres foram presas por envolvimento político. A estudante de medicina Maria Laly Carneiro, integrante da Ação Popular; Diva da Salete Lucena e Margarida de Jesus Cortês, pedagogas da Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, e Mailde Pinto Galvão, diretora de Documentação e Cultura da Prefeitura do Natal tiveram a liberdade tolhida.

A médica Laly Carneiro, hoje com 77 anos, foi presa e exilada na França, onde mora até hoje.  Lúcida e ainda movida pelos mesmos ideais de 50 anos atrás  ela contou, por telefone, com a voz por vezes trêmula de emoção passagens do episódio que considera “de muito horror para o Brasil e, ao mesmo tempo, de início do desenvolvimento político e filosófico”.
Líder sindical que foi preso e torturado, Meri Medeiros pagou um preço alto pelo pecado de ser comunista no período de caça às bruxas
Naquela manhã de 1º de abril de 1964, a notícia chegou pelo rádio, enquanto lia um telegrama vindo do Rio de Janeiro, e seguiu  para o Diretório Central dos Estudantes.  Uma assembleia geral foi organizada para esclarecer nas ruas o que estava acontecendo, que foi reprimida por tropas militares. “Não esperávamos a reação de violência do Exército. A nossa luta era pacífica, era para dar ao povo o direito a  democracia, num momento que trazia a nova possibilidade de pensar.

Aluna de Medicina, ela foi presa dias depois na faculdade e levada para o 16 RI, para a mesma cela “pequena e insalubre” que havia ficado Djalma Maranhão. “Fui levada como em guerra, num jipe com quatro homens armados, sem palavras e sem violência”, afirmou.  Foram dois meses que, para mim, era uma eternidade”. Além de sessões contínuas de interrogatórios, Laly Carneiro era exposta a execração de esposas de oficiais e até a simulação de um fuzilamento.  “Não fui torturada fisicamente, não me violaram, mas fizeram um estrago enorme internamente. Uma noite, me levaram ao pé do morro, sozinha, e soldados se posicionavam para atirar. Tive muito medo, mas era parte da tortura psicológica”, disse.

Em liberdade por um habeas corpus impetrado por Otto de Brito Guerra, sofreu com o preconceito para concluir a faculdade de Medicina, um ano depois, e seguir para a França. “Ficar em liberdade foi igualmente difícil. Muitos professores pediam para que eu não falassem com eles. Terminei o curso sob o menosprezo”, afirma.

#SAIBAMAIS#Em dezembro de 1965, foi para o Rio de Janeiro, onde conseguiu passagem por meio de instituições religiosas, seguiu para a França. “Eu não me auto-exilei, eu fui colocada daí para fora pelo preconceito, pressão e perigo que me apontavam”. Na França, afastou do movimento no Brasil e aderiu a causa em  Portugal, voltou ao Brasil, 17 anos depois.

Comissão da verdade
Cinco décadas depois do golpe que depôs o presidente João Goulart e instalou o regime militar no país, a história ainda cobra responsabilidade.  Dessa vez, outras armas mais democráticas são empunhadas para fazer reparações: a instalação de comissões da verdade e memória. Ao todo, são 100 comissões e comitês pela Justiça. De acordo com Roberto Monte, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, que integra a Comissão da Verdade, não há como mensurar qual o número exato de perseguidos, mortos e desaparecidos do Regime Militar. No Rio Grande do Norte, poderá superar os 300 mortos e desaparecidos. Uma das dificuldades é o que ele denomina de “limpeza” de informações feita a partir da morte e desparecimento de pessoas.

 O primeiro desaparecido do país, de acordo com documentos oficiais do Dossiê da Verdade, é do Rio Grande do Norte. Natural de Sítio Novo, o guerrilheiro Vigílio Gomes da Silva foi preso, torturado e  dado como desaparecido por comandar o sequestro do  Charles Burke Elbrick, ocorrido em 4 de setembro de 1969. O embaixador foi usado como moeda de troca para a libertação de 15 militantes, entre eles o deputado federal cassado José Dirceu e o ex-parlamentar comunista Gregório Bezerra.

Um dos principais casos de desaparecidos políticos no Rio Grande do Norte, é de Luiz Maranhão, representante do Comitê Nacional do Partido Comunista foi assassinado durante uma assembleia geral e até hoje o corpo não foi entregue à família.

Para Meri Medeiros, um dos líderes do movimento sindical rural Liga Camponesa, a anistia tem um papel importante na redemocratização, mas não apaga as marcas deixadas. Depois de anos preso, torturado e obrigado a viver com o preconceito “do grande  pecado de ser comunista”, Medeiros foi anistiado com a prestação única de R$ 100 mil, que permitiu comprar a residência da família. “A anistia se completa quando a democracia é construída, se completa no sentido da solidariedade, no acesso amplo à cultura de forma que o povo também seja culto”, analisa.

Durante o processo de construção da Lei Nacional de Anistia um episódio envolvendo o advogado exilado, Marcos Guerra, teve forte repercussão. Demorou e nas negociações, os exilados resolveram correr o risco de vir para o Brasil em julho em 1979 para provocar a finalização da Lei de Anistia, foi preso ao desembarcar em Recife, com a família que tinha dois filhos com dupla nacionalidade (Brasil e França) e a esposa argentina.

“A anistia é uma vitória importantíssima, mas não cobre crimes contra a humanidade, pelo texto de lei e compromissos do Brasil, como a tortura por agentes do Estado e de assassinato e desaparecimento de pessoas”, Marcos  Guerra.

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